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Saúde

Brasil: Hospital Militar teria feito estudos sem autorização de quimioterápico em pacientes com Covid-19

O estudo foi coordenado pelo endocrinologista Flávio Cadegiani, do Instituto Corpometria - uma clínica de emagrecimento em Brasília (DF) - e pelo infectologista Ricardo Zimerman

Folhapress

Publicado em 26/08/2021 às 14:06

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*Imagem meramente ilustrativa. / Reprodução/Internet

Um estudo para avaliar o uso da proxalutamida como tratamento para casos hospitalizados de Covid-19 em um hospital militar no Rio Grande do Sul virou alvo de investigação do Ministério Público Federal.

A pesquisa, que não foi aprovada pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), buscava avaliar se o tratamento com a droga, que foi inicialmente testada contra câncer de próstata, era eficaz em pacientes hospitalizados graves com Covid.

O estudo foi coordenado pelo endocrinologista Flávio Cadegiani, do Instituto Corpometria - uma clínica de emagrecimento em Brasília (DF) - e pelo infectologista Ricardo Zimerman.

O MPF irá investigar se houve falha ética e outras irregularidades no estudo. O inquérito foi aberto no dia 13 de agosto, mas as informações sobre o caso só foram reveladas nesta terça (24) pelo repórter Pedro Nakamura, do portal de notícias Matinal.

De acordo com a reportagem, pelo menos 50 pessoas participaram do suposto ensaio no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre (HBMPA), zona sul de Porto Alegre.

Os voluntários da pesquisa teriam recebido diariamente comprimidos de 300 mg da droga experimental por duas semanas. Além de Porto Alegre, a pesquisa teria sido conduzida também em outros dois centros, um em Gramado (RS), e outro em Chapecó (SC), sem informação dos hospitais.

Segundo um relato feito ao site Matinal, não houve explicação de que se trataria de um estudo clínico de uma droga experimental. Foi entregue a uma paciente um termo de consentimento para assinar, mas sem acesso a uma cópia do documento. Os médicos tampouco buscaram o contato com ela após a alta hospitalar, ato imprescindível para o acompanhamento de uma pesquisa médica.

A proxalutamida é um bloqueador de hormônios masculinos (antiandrogênico), ainda em desenvolvimento pela farmacêutica chinesa Kintor. Ainda em testes, o medicamento não tem liberação de uso em nenhum lugar do mundo até o momento. A droga é tida como a "nova cloroquina" de Jair Bolsonaro e foi promovida nas redes sociais de um de deus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em março.

No Brasil, há dois estudos da droga registrados no portal da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), um com início em janeiro de 2021 e outro em março, ambos com coordenação da fabricante, que solicitou a autorização para uso emergencial da droga.

Já os estudos coordenados por Cadegiani são quatro na plataforma ClinicalTrials.gov: dois no estado do Amazonas, sendo um deles desenvolvido em parceria com o Hospital Samel, em Manaus, e dois em Brasília, na sede do Instituto Corpometria, onde o médico trabalha. Não há nenhum registro para Rio Grande do Sul ou Santa Catarina.

No experimento realizado no hospital, os pacientes foram informados supostamente do uso "off-label" (fora da bula) da droga, o que não é o caso da proxalutamida, uma vez que ela não possui autorização para importação ou comercialização ou registro na Anvisa. O uso fora da bula só pode ser autorizado para medicamentos que já possuem indicação para um tipo de tratamento e deseja-se testá-lo para outro tipo de doença.

Em suas redes sociais, Cadegiani disse que em breve os resultados do estudo seriam divulgados. "Poucos sabiam, mas nosso estudo foi ampliado para a região Sul do Brasil. Em no máximo duas semanas, iremos anunciar os resultados da extensão do nosso ensaio clínico com proxalutamida em pacientes hospitalizados realizado nas cidades de Porto Alegre, Gramado e Chapecó", escreveu o médico.

De acordo com o Conep, não foi feita nenhuma solicitação de autorização para expansão da pesquisa com proxalutamida no Sul nem no órgão nacional, nem em comitês locais.

Cadegiani e Zimerman defendem a realização de sua pesquisa sem aprovação no comitê de ética em pesquisa com base em uma normativa publicada no dia 14 de abril de 2020 pelo Conep recomendando aos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) tratar com urgência todas as pesquisas relacionadas à Covid-19. A nota, porém, em nenhum momento fala sobre a realização de pesquisas sem aprovação do comitê, apenas para que os processos sejam mais rápidos.

Jorge Venâncio, coordenador do Conep, explica que a resolução não revoga nenhuma das resoluções já existentes sobre ética em pesquisa. "A centralização foi feita para acelerar a análise dos projetos, não para fazer a aprovação sem critérios e deixar as pessoas abandonadas, como foi a pesquisa no HBPMA", disse.

Para ele, o caso do hospital militar é grave porque "os pacientes foram abandonados, não entregaram sequer termo de consentimento", o que seria um indicativo grave de irregularidade.

Cadegiani, no entanto, diz que foi apresentado um projeto de pesquisa de estudo clínico de proxalutamida em pacientes hospitalizados ao sistema CEP/Conep, e que os procedimentos foram adotados com amparo nas normas editadas pelo CNS (Conselho Nacional de Saúde), pelo Conep e pela Anvisa. Em relação ao registro à Anvisa, Cadegiani afirma que "trata-se de estudo clínico científico, e não regulatório, e somente os estudos para fins de registro regulatório são registrados na Anvisa". "Não há nem nunca houve qualquer problema na divulgação dos dados da pesquisa", afirma.

Ele afirma, ainda, que o estudo atendeu a todos os requisitos da Anvisa para a realização de pesquisas científicas com humanos.

No caso de Cadegiani, outra pesquisa dele com proxalutamida já é alvo de apuração no Conep por ter apresentado uma proposta no momento de solicitação para o ensaio clínico e depois ter modificado os critérios de seleção -a conclusão da apuração deve ser feita nos próximos dias.

Cadegiani afirma, no entanto, que não houve absolutamente nenhuma troca na metodologia após o início do estudo. Questionado sobre porque a própria fabricante Kintor excluiu os dados deste estudo do pedido de aprovação feito à Anvisa, o médico diz que "a autorização foi para pacientes ambulatoriais, e o estudo em tela foi para pacientes hospitalizados". Afirmou, ainda, que "todos os resultados são divulgados nos momentos próprios e os processos relativos a pesquisa correm de forma natural e devida".

"Importante ressaltar que queremos que os dados sejam reproduzidos. Acreditamos que outras pesquisas, como as que estão ocorrendo e irão ocorrer, têm que acontecer porque quando um achado é encontrado também por outros grupos, tal achado ganha muita força do ponto de vista de evidência científica."

O diretor do HBPMA, Christian Perin, disse à reportagem que é apenas membro do corpo médico clínico do hospital e que questionamentos sobre o estudo deveriam ser dirigidos aos pesquisadores. 

Depois, o hospital, que atende todos os conveniados ao Instituto de Previdência do Estado, incluindo brigadistas e familiares, respondeu à reportagem por meio de nota afirmando que "quaisquer outras informações serão respondidas pelo Departamento de Saúde no curso dos procedimentos instaurados pelo MPF e pelo próprio Comando" e que "em função desses procedimentos de investigação, a instituição irá aguardar suas conclusões para manifestação, após esclarecimento dos fatos".

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