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POSSESSÃO

Em plena Quaresma, ritual invoca 'energias mundanas' perto de santuário

Morador de rua entrou em transe em plena rua, no Centro Histórico de Santos, e Diocese de Santos sugere 'possessão e exorcismo'

Nilson Regalado

Publicado em 31/03/2024 às 07:00

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A cena durou cerca de dez minutos a 200 metros do Santuário de Santo Antônio do Valongo, a 300 metros da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos / Nair Bueno/DL

A Rua do Comércio já estava deserta, não havia mais o burburinho de turistas em direção ao Museu Pelé nem o movimento de trabalhadores das corretoras de café. Era noite de segunda-feira, 18 de março. E dois homens estacionam um HB20 cor de areia na esquina com a Rua José Ricardo, próximo à Casa da Frontaria Azulejada. Ali ficam por alguns minutos, talvez à espreita de possíveis presenças indesejáveis. Um morador de rua observa, encostado no poste em frente ao antigo Café Trevo do Comércio. Até que os dois homens saem do veículo. Fortes e grandes, parecem halterofilistas. E carregam garrafas de cachaça de uma marca conhecida. E acendem charutos. Um permanece ao lado do carro. O outro despeja a cachaça na encruzilhada e segue demarcando paralelepípedos e trilhos do Bonde Turístico. Risca no chão da via impregnada de histórias um triângulo. E fala palavras desconexas. A essa altura, o outro homem dá longas tragadas no charuto e espalha a fumaça no ar. A lua crescente sumiu atrás das nuvens. Nas construções centenárias daquele trecho da Cidade, muitas delas em ruínas, ninguém. E as palavras desconexas continuam quebrando o silêncio na via despovoada. Um homem passa com um cão de grande porte. O triângulo feito com cachaça na encruzilhada não deixa dúvida: às 21 horas de segunda-feira, os dois homens invocam
“energias mundanas, da noite”. Nesse instante, o homem em situação de rua que observava a cena do outro lado da rua começa a se contorcer. E vira a cabeça para trás com força, formando um arco com o corpo. Seus cabelos arrastam no chão, varrendo a poeira acumulada na calçada.

A cena durou cerca de dez minutos a 200 metros do Santuário de Santo Antônio do Valongo, a 300 metros da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Não por acaso, o ritual acontece em plena Quaresma, próximo à Semana Santa, época sagrada para os católicos, que marcou o martírio de Cristo na cruz e sua ressurreição, na Páscoa. E esse período do ano é tão cercado por mistérios que até os santos ficam cobertos em algumas igrejas católicas, que chegam a abolir os cânticos nas missas.

“POSSESSÃO E EXORCISMO”

Procurada a Diocese de Santos sugeriu que o Diário do Litoral procurasse “um perito em possessão e exorcismo” para esclarecer as motivações do ritual. Mas, alegou que não havia nenhum religioso na Cidade com essa prerrogativa. E sugeriu que poderia haver algum especialista no tema na Arquidiocese de São Paulo. Na Capital, as lideranças da Igreja Católica indicaram a Associação Internacional dos Exorcistas, ligada ao Vaticano.

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Na Associação, o indicado é um padre que trabalha no Seminário de Teologia São João Maria Vianney e na Paróquia Nossa Senhora da Esperança, da Diocese de Santo Amaro, bairro de Veleiros, extremo da Zona Sul de São Paulo. Mas, o padre exorcista, Victor Paulo Reckziegel, alega, através de sua assessoria, que está doente e não pode atender a reportagem. Silêncio!

Nos arredores da encruzilhada da Rua do Comércio com as ruas José Ricardo e Gonçalves Dias os comerciantes relutam em ceder imagens das câmeras de segurança temendo eventuais represálias.
A Prefeitura nega a cessão das imagens feitas pela câmera de monitoramento que fica exatamente sobre o triângulo desenhado com cachaça na via pública. E nega mesmo com vasta argumentação acerca da Lei Federal de Acesso à Informação.

“ENERGIAS MUNDANAS”.

Há pelo menos quatro gerações envolvido com religiões de matriz africana, o pai Kadu de Oxalá IlêAxé Oyá Oju Inã indica que o ritual provavelmente teve a participação de integrantes da Quimbanda. Mas, descarta a hipótese de um ritual satanista em pela rua do Centro Histórico de Santos.

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“Provavelmente, seja alguém da quimbanda, que lida com energias mundanas, da noite”, resume o pai Kadu. Quanto ao transe do morador de rua, o líder de uma casa de Candomblé localizada no Rio Branco, em São Vicente, explica que provavelmente o rapaz já deveria ter algum histórico de ligação com a espiritualidade.

E cita que manifestações de transe podem acometer pessoas comuns que frequentam as casas que cultuam orixás na Umbanda e no Candomblé, mas pai Kadu ressalta que essas casas não fazem rituais em ruas ermas e só realizam suas sessões em ambiente fechado. E sempre com o acompanhamento de religiosos experientes e preparados para lidar com a situação. 

A Quimbanda é um conceito religioso afro-brasileiro ainda controverso, com raízes na mitologia do povo Bantu. Por vezes, é classificada como uma religião autônoma, onde é possível fazer o uso da magia e de feitiços. Suas entidades, conhecidas como "Povo da Rua", dividem-se entre Exus (masculinos) e Pombagiras (femininas), mensageiros e guardiões que vibram nas matas, cemitérios e encruzilhadas.

“SATANÁS GOSTA É DE PALÁCIO”.

Cético, o reverendo da Igreja Anglicana, Sérgio Ferreira, descarta que o ritual às vésperas da Semana Santa e da Páscoa tenha qualquer relação com satanismo. O religioso também desmonta a narrativa de que encruzilhadas e becos escuros sejam o local preferido pelo chamado ‘Príncipe das Trevas’: “Satanás vive é nos palácios lindos, onde tem poder e dinheiro, onde são feitas as tramoias. Nesses locais, com certeza Deus não está”.
Mais: segundo o reverendo Serginho, “Satanás não gosta de cachaça, gosta é de champanhe, de vinho caro”. E completa, rebatendo o último possível indício de magia, ou bruxaria: “Satanás vai entrar no morador de rua para quê?”. 

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