03 de Maio de 2024 • 13:26
O açúcar se tornou o vilão das dietas e da alimentação. Além de muitas vezes ser tratado como responsável pela obesidade, é possível encontrar inúmeras receitas e opções de regimes com a exclusão do açúcar. Para entender por que o açúcar é tão mal falado, convidamos o sociólogo Raul Lody, antropólogo e autor do livro “Caminhos do açúcar”, e o endocrinologista Dr. Marcio Mancini, responsável pelo Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da USP, para esclarecer os principais mitos sobre o tema.
Segundo Lody, para entender o cenário da “vilanização” é preciso ter conhecimento da história cultural do ingrediente. “O açúcar surgiu há milhares de anos e passou a ser reconhecido no mercado na Idade Média, quando comerciantes árabes aproximaram o mundo oriental do ocidental no processo de trocas. O açúcar era uma especiaria, assim como o cravo e a canela. Tinha um preço elevado e, portanto, acessível apenas para os ricos. Na época, o produto era mais caro que a grama do ouro e considerado como um medicamento ou até presente, entregue para reis, papas e nobreza”, explica.
Porém, em paralelo, o sabor doce já era apreciado desde muito tempo. Aliás, era o sabor adocicado que ajudava as primeiras tribos de humanos a diferenciarem um alimento bom para consumo de um perigoso. Antes da expansão do açúcar, os pratos usavam o açúcar de beterraba e o mel de abelha. Foram os portugueses que abriram o mercado do ingrediente durante as Grandes Navegações com caminhos para o comércio entre os países. No Brasil, Portugal encontrou solo adequado para o grande plantio da cana-de-açúcar. Já na Revolução Industrial, surgiram novas necessidades para a indústria alimentar, consolidando milhares de receitas com o componente.
No Brasil, o açúcar se tornou uma importante fonte de renda e virou parte da cultura. “Como cultura, o açúcar é o mocinho. O brasileiro tem uma relação forte com o ingrediente e isso é refletido até na enorme produção dos doces no Brasil. O paladar para o doce é extremamente cultural. Da mesma forma que uma pessoa não nasce falando um idioma ou optando por uma religião, as receitas doces foram introduzidas no paladar, o que denominamos como memória cultural”, explica Lody.
Apesar de ser o “mocinho” cultural, o ingrediente, tão estabelecido na dieta brasileira, tem sido citado como o “vilão” da saúde, colocado como principal causador de doenças, como a obesidade. “O açúcar como vilão é uma conclusão generalizada de dados e estudos individuais. Cada pesquisa tem um determinado viés, e nem sempre é ajustada a outros fatores que envolvem a saúde, como o estilo de vida de cada um.”, afirma o Dr. Marcio Mancini, chefe do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas.
Assim, a ligação do açúcar com a obesidade e outros problemas de saúde é tênue e os dados limitados. Muitas vezes, estudos sofrem interpretações exageradas impondo conclusões não necessariamente corretas.
De acordo com o Dr. Mancini, “É preciso ingerir calorias com equilíbrio e sem exageros, não excluindo um determinado alimento. Muitas vezes, as pessoas que consomem açúcar ao extremo são as mesmas que comem mais gordura e fazem menos atividade física. Então, é complicado eleger um vilão, seja ele qual for”, diz.
Enfim, açúcar faz mal?
Não, o açúcar não faz mal, desde que o seu consumo seja equilibrado. O ingrediente é a principal fonte de energia do cérebro e ativa o neurotransmissor serotonina, responsável pela sensação de prazer e bem-estar. “Esse ingrediente age no organismo como qualquer outro. Se você consumir o sal ou gorduras em excesso, não fará bem também”, explica Dr. Mancini.
Muito tem se falado sobre o açúcar como responsável pela obesidade. “É mito dizer que esse ingrediente é o culpado pela obesidade. Essa doença não pode ser incriminada isoladamente, pois é um problema com diferentes indícios. Pessoas com obesidade e até mesmo com diabetes não precisam eliminar totalmente o açúcar da sua alimentação. O imprescindível para esses casos é ingeri-lo com acompanhamento médico”, finaliza Dr. Mancini.
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