A triste realidade dos moradores da Vila Telma

Moradores relatam sobre o incêndio que se alastrou pela comunidade no domingo. Muitos estavam lá em 2010, quando a mesma região pegou fogo

8 ABR 2014 • POR • 10h19

“Já estávamos abandonados antes. Agora estamos mais”, foi assim que a moradora da Vila Telma, na zona Noroeste de Santos, Eliane Aragão, definiu a situação da comunidade que sofreu, na noite de domingo, um incêndio que destruiu ao menos 100 barracos da região, de acordo com informações da Defesa Civil. Eliane mora à frente da área queimada pelo fogo e não teve sua casa atingida por pouco. Ela contou que estava na Igreja quando o fogo começou a se alastrar. Ao chegar em casa o incêndio já estava tomando a área. Mãe de três filhos, relatou que um deles, de 14 anos, resgatou o bisavó de 83 anos, carregando-o no colo.

A sensação de abandono de Eliane se reflete em outros moradores que perderam suas casas e, especialmente, nos habitantes locais que presenciaram e moravam na região quando outro incêndio destruiu a mesma área em 2010. Eliane afirmou que muitos vivem ali por não ter escolha. “Moramos aqui por não ter escolha. É a única opção que resta. Somos esquecidos e o auxílio aluguel não dá condições de alugar uma casa em outro lugar. Por isso moramos aqui”, afirmou. O auxílio-moradia pago pela Prefeitura de Santos é referente ao incêndio que destruiu a mesma comunidade em 2010. Na época, as famílias que perderam tudo foram cadastradas e encaminhadas para abrigos provisórios e entraram no cadastro da Companhia Habitacional da Baixada Santista (Cohab).

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Alguns moradores, que conversaram com a Reportagem do Diário do Litoral, culparam a Prefeitura pelo ocorrido e principalmente, por não entregar as moradias que algumas famílias estão esperando “no mínimo há 4 anos”. Segundo os moradores, após os cadastros realizados pela Secretaria de Assistência Social, ninguém do bairro foi procurado. A moradora Severina Costa, cujo neto perdeu tudo no incêndio de domingo, falou que a “realidade é muito triste, meu neto perdeu tudo em 2010 e perdeu tudo agora. Ele não recebe o auxílio-aluguel porque ele era casado e o auxílio está no nome da ex-mulher”. Ela cobrou “as moradias dignas” prometidas aos moradores do caminho São Sebastião.

Outro morador que conviveu com os dois incêndios, José Luiz, que ajudou a apagar o fogo no domingo junto com outros moradores, falou da triste realidade que os habitantes da Vila Telma sofrem. Ele e outros moradores reclamaram da demora dos Bombeiros em apagar o incêndio, e que “as mangueiras estavam sem água e vazando”. Eliane Aragão disse que um dos seus filhos ajudou a segurar a mangueira do Corpo de Bombeiros. Em entrevista coletiva, na manhã de ontem, na Prefeitura de Santos, a secretária de Assistência Social Rosana Russo afirmou que o difícil acesso atrapalhou na operação e que os Bombeiros tiveram que quebrar alguns barracos de madeira para poder alcançar o foco das chamas. Os moradores confirmaram a informação dada pela secretária.

Fogo enquanto dormia

Maria Aparecida dormia no momento em que o fogo começou. A vizinha e amiga, Joclécia, acordou Maria e as duas saíram do local correndo pela ponte de acesso que liga os barracos ao caminho São Sebastião, da Vila Telma. Maria nos contou, ainda em estado de choque, que ao levantar conseguiu pegar somente a carteira de identidade e que perdeu tudo, desde documentos, fotos, aos móveis da casa. Ela contou que no instante que saia de casa, um gás de cozinha explodiu, e que a situação ficou desesperadora, pois o barulho assustou todo mundo.

Mãe de três filhos, sendo um deles autista, Joclécia de Jesus, muito emocionada, não sabe como conseguiu sair de casa com os três filhos. O filho que tem autismo estava sedado no momento do incêndio. “Não sei como tive forças de carregar ele no colo e fugir do fogo. Perdi tudo. Meu filho está em estado de choque”. Ela afirmou que se a ponte de acesso não tivesse sido reforçada na última semana, todos tinham morrido domingo.

Há três anos os moradores da Vila Telma vinham solicitando à Prefeitura de Santos a reforma da ponte de madeira que liga os barracos incendiados ao caminho São Sebastião. Sheila da Silva, moradora, relatou que há 15 dias funcionários da Prefeitura de Santos começaram um reforço na estrutura da ponte e concluíram o serviço na quinta-feira passada. Mesmo após o reforço, a estrutura da ponte ainda é precária.

Abrigos

A maioria dos moradores não quer ir para abrigos, pois segundo eles alegam, os locais que a Prefeitura disponibiliza não oferece a estrutura necessária para abrigar as famílias. Sheila da Silva afirmou que no domingo os banheiros da Escola João Inácio de Souza, um abrigo provisório que a Prefeitura disponibilizou às famílias, estavam fechados, pois as chaves estavam com a Diretora da Escola. Sheila reclamou que a Prefeitura enviou apenas 6 cobertores para os desabrigados. Ela rebateu a afirmação oficial dada pela Secretaria de Assistência Social, que apenas uma família solicitou ida ao abrigo na noite do incêndio, e que os outros preferiam ficar na casa de amigos e/ou familiares. “Essa foi a opção que nós tivemos. Eles (a Prefeitura) disponibilizaram seis cobertores só. E os banheiros do colégio (João Inácio) estavam fechados”.

Em resposta a essa afirmação de Sheila e de outros moradores, a assessoria de imprensa da Prefeitura de Santos disse através de nota, que “no momento da tragédia, as vítimas relataram que passariam a noite na casa de familiares ou amigos, por isso não foi solicitada vaga em abrigo no primeiro dia (domingo). A Prefeitura vai acomodar os desabrigados no Albergue Noturno e em acolhimento público, que oferecem condições para receber as vítimas”.

Situação do local

O fogo destruiu ao menos 100 moradias e, segundo a Defesa Civil, mais de 70 famílias estão desabrigadas. No começo da tarde de ontem, ainda havia muito entulho quando a Reportagem esteve no local. Os moradores do bairro ajudavam os habitantes que perderam suas casas e bens a remover o que sobrou. Sofás, geladeiras, pequenos bens como relógios, correntes, moedas, eram recolhidos por crianças e adultos que ali estavam à procura de seus pertences e documentos. No momento em que estivemos na Vila Telma, somente os funcionários da Terracom removiam os escombros, com ajuda da comunidade. Não havia ninguém da Prefeitura de Santos e nem da Defesa Civil, que segundo Sheila da Silva esteve no local pela manhã removendo os barracos que ameaçava cair e causar acidentes.

Versão da Prefeitura

Sobre a reclamação dos moradores da Vila Telma a respeito do plano habitacional do Conjunto Caneleira IV, a Prefeitura afirmou que a previsão de início de entrega está prevista para o mês de junho e beneficiará 160 famílias. Os moradores também reclamaram que algumas famílias não estavam recebendo o auxílio-moradia. Sobre isso, a Prefeitura afirmou que “neste ano, o pagamento não sofreu nenhum problema de continuidade. A família que tiver algum problema deve apresentar reclamação por escrito no protocolo da Cohab (Praça dos Andradas 12 – 6º andar, Centro)”.

A assessoria de imprensa da Prefeitura ainda afirmou que “os beneficiários não perderão o auxílio-aluguel referente ao incêndio de 2010. A concessão do benefício referente ao incêndio ocorrido domingo será avaliado”.

Causa do incêndio pode ter sido um curto circuito

O incêndio que atingiu ao menos 100 barracos e deixou mais de 70 famílias desabrigadas na Vila Telma, pode ter tido como causa um curto circuito ou sido iniciado dentro de alguma moradia, afirmou o coordenador da Defesa Civil, Daniel Onias, em entrevista coletiva na manhã de ontem, na Prefeitura de Santos.

Ao lado da secretária de Assistência Social, Rosana Russo, Onias falou do combate ao fogo e das medidas tomadas pela Defesa Civil no local. O coordenador afirmou que houve apenas um ferido. Uma criança que no momento em que o fogo se alastrou estava em cima de uma laje que desabou. A criança foi levada ao Pronto Socorro da Zona Noroeste e recebeu alta ontem ao meio dia.

Segundo Rosana Russo, 70 famílias já foram cadastradas, mas apenas seis pediram abrigo nos equipamentos da Prefeitura de Santos. Estas famílias terão os registros cruzados com os cadastrados do incêndio em 2010, para entrar na lista dos planos habitacionais da Baixada Santista.

O cadastramento para as famílias que ainda não foram atendidas pode ser feito no Cras (Centro de Referência de Assistência Social) do Rádio Clube, localizado na Rua Brigadeiro Faria Lima, s/nº. A previsão da Secretaria é concluir todo o cadastro dos desabrigados até o fim desta semana.

Doações podem ser feitas ao Fundo Social de Solidariedade, que fica na Avenida Conselheiro Nébias, 388, bairro da Encruzilhada. Para mais informações, o telefone é (13) 3222-8050.