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Cotidiano

Caranguejeiros da Região retomam o direito de trabalhar

Direito de captura e de comercialização de caranguejos-uçá foi reestabelecido; prática estava suspensa há um ano

Publicado em 04/10/2015 às 11:22

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Os caranguejeiros da Região Metropolitana da Baixada Santista já podem comemorar. Na última quinta-feira (01), foi reestabelecido o direito de captura do caranguejo uçá nos manguezais da área compreendida entre Bertioga e Peruíbe, pondo fim a uma luta de quase ano. A resolução da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) 64/15 já foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) e a atividade será permitida por dois anos.

A conquista pôs fim, pelo menos temporariamente, à possibilidade de que a atividade típica caiçara pudesse ser extinta, assim como as famílias que vivem dela. A proibição ocorreu por intermédio do decreto estadual 60.133, de fevereiro de 2014, baseado no fato do caranguejo-uçá constar na lista dos ameaçados de extinção. Desde essa época, ocorreu um amplo movimento para garantir o sustento das famílias que viviam da atividade. 

O Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental Marinha Litoral Centro (APAMLC) havia encaminhado semana passada uma moção pedindo a liberação ao governador Geraldo Alckmin (PSDB). Antes, havia apresentado um parecer técnico à SMA, assinado também pela Universidade Estadual Paulista - Campus Litoral Paulista (Unesp-CLP) e pelo Instituto Maramar, atestando abundância do caranguejo nos manguezais santistas e reconhecendo a importância socioeconômica da pesca artesanal na região.

Além do parecer técnico, os órgãos que defendiam a volta da atividade, principalmente para os pescadores dos bairros santistas Caruara e Monte Cabrão, apontavam que a captura do caranguejo uçá havia sido liberada na região de Iguape, no Vale do Ribeira, onde até dezembro último a pesca também estava proibida após um estudo realizado pela própria Unesp, que detectou metais pesados em caranguejos nos mangues de São Vicente, Cubatão, Bertioga – todos municípios da Baixada. Guarujá, cidade onde os dois bairros de Santos estão mais próximos, não havia sido mencionada no estudo.

Verdadeiros culpados

Os órgãos são da opinião que os verdadeiros culpados pelos impactos sobre a população de caranguejos da região são as empresas do Pólo Industrial de Cubatão e do Porto de Santos, “que se instalaram no mangue e recebem licenças ambientais para a derrubada e aterramento do habitat do caranguejo uçá, enquanto o pescador artesanal, que depende dos recursos da natureza e tem uma consciência ecológica acumulada, é criminalizado por exercer sua atividade de sustento, recebendo multas impagáveis”, afirma o oceanógrafo e diretor da Maramar, Fabrício Gandini.

Segundo a técnica Laís Cristina Rodrigues Assis, a pesca artesanal protege a natureza e é preciso que se faça uma discussão de base comunitária para a regulamentação das atividades de pesca, preservando direitos historicamente conquistados pelas comunidades.

Professor de Zoologia garante que, apesar da contaminação dos manguezais, não há risco de extinção da espécie (Foto: Luiz Torres/DL)

Sem risco de extinção

Vale lembrar que também em dezembro último, reportagem do Diário do Litoral ouviu o professor de Zoologia dos Invertebrados e coordenador do estudo da Unesp que detectou metais pesados Marcelo Pinheiro, que revelou que apesar da contaminação dos manguezais, não há risco de extinção do caranguejo-uçá. Portanto, a liberação tão esperada pelos pescadores é mais uma decisão política do que técnica.

Sobre a poluição, o professor, que também realiza trabalho no Instituto Chico Mendes, afirma a necessidade de fiscalização de filtros de indústrias e os mecanismos que elas utilizam para eliminar poluentes. Ele informou que o maior problema do meio ambiente está relacionado por contaminação exercida pela ação do homem e ratificou que, na Baixada Santista, a maior influência se deu pela instalação do Pólo Industrial de Cubatão e o Porto de Santos. “É preciso aumentar os recursos dos órgãos de fomento à pesquisa, para que sejam realizados estudos com maior frequência”, revelou.   

Pescadores estavam abandonados à sorte

Na última quarta-feira (30), um dia antes da resolução da SMA, Diário foi conhecer de perto a situação dos pescadores de caranguejos do Caruara e Monte Cabrão. “Quando um filho seu pede pão e você não tem para dar dói no coração. Tem pescador que tem quatro e cinco filhos. Na presença de Deus, ninguém se esconde. Mas na do homem sim. Estamos pescando escondidos por necessidade e não por vergonha, pois ninguém deve tê-la para sustentar a família”, afirmou um dos pescadores do Caruara, que pediu para não ser identificado por medo da fiscalização.

O medo se justificava. A multa para quem fosse pego capturando o caranguejo era de R$ 700,00 e mais R$ 20,00 por quilo ou fração do produto. A penalidade dobrava em áreas de proteção ambiental. “Eu ganho, em média, R$ 30,00 por bico, que não ocorre todos os dias. Quando a coisa aperta, arrisco a captura do caranguejo. Quando a barriga ronca, o instinto supera a razão”, completava.

Isaias Dias de Lima pesca caranguejo-uçá há 38 anos e representa pescadores do Caruara. Ele explicou que não havia opção porque o Estado havia tirado o sustento de uma hora para outra, sem avisar e sem dar qualquer benefício ou opção de sustento aos caiçaras. “Cerca de 10 famílias dependem desse trabalho. Eu mesmo já fui multado e recorri. Quando estava trabalhando, dava para ganhar um salário mínimo. Todos temos licença, mas com o decreto ela nada vale. Temos contas de luz, mercado, enfim. Tem caranguejo em abundância aqui. Só não vê quem não quer”.

O caranguejeiro Francisco Balbino da Silva fala pelos 40 pescadores de Monte Cabrão. Ele vive da pescaria há 35 anos. “Somos artesanais. Tudo que pescamos é para prover sustento. Eu tenho dois filhos, mas tem vizinho que tem seis. Quando posso, ajudo. Minha esposa é auxiliar de cozinha e me ajuda a manter a família”, afirma.

Alessandro Fernandes é novo na atividade. Ele é casado e sustenta a esposa pescando caranguejo-uçá há sete anos. “A violência está grande, como também a falta de emprego. Temos que lutar contra isso e ainda lidar com esse impedimento absurdo e injusto. Quando estava liberado, na época de defeso, tínhamos direito a dois salários (mínimos). Agora, não temos nada”, contou antes de saber da liberação.

Benedito Firmino dos Santos, de 71 anos, sendo 69 deles vivendo no Monte Cabrão, sabe o que injustiça. “As embarcações grandes passam por aqui (canal de Bertioga), não respeitam o silêncio, os animais e não são fiscalizadas e proibidas. Só os pescadores artesanais são punidos”, afirma, lembrando o velho ditado popular: na briga do rochedo com o mar, quem sofre é o marisco.

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