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Bactéria do mangue da Baixada pode ser usada em plástico biodegradável

Com propriedades similares a alguns tipos de plásticos, material tem potencial para substituir derivados do petróleo

Júlio Bernardes, do Jornal da USP

Publicado em 01/07/2022 às 11:02

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Identificada nas águas do mangue de Cubatão, na Baixada Santista, a bactéria Methylopila oligotropha produz grãos de um material biodegradável / Reprodução

Nas águas do mangue da Baixada Santista existe uma bactéria chamada Methylopila oligotropha que, para acumular energia, produz grãos microscópicos de reserva na forma de poli-hidroxialcanoatos, ou simplesmente PHAs, um material biodegradável com propriedades similares a alguns tipos de plásticos. Em pesquisa do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da USP, a bactéria foi isolada e cultivada para avaliar o potencial da produção de PHAs em grande escala, a fim de ser usados como matéria-prima nas indústrias, com o objetivo de substituir os plásticos produzidos a partir do petróleo, de forma a reduzir a poluição ambiental. O estudo teve apoio do Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), centro de pesquisa em engenharia sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP que reúne pesquisadores de diversas instituições nacionais e estrangeiras.

“Os PHAs são atraentes comercialmente pela possibilidade de serem substitutos para os derivados do petróleo, pois possuem propriedades similares a vários termoplásticos e elastômeros”, aponta ao Jornal da USP a professora Elen Aquino Perpétuo, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, que coordenou a pesquisa. Os elastômeros e termoplásticos são dois tipos de plásticos que podem ser moldados e transformados por meio de processos de injeção, extrusão e sopro, de acordo com a temperatura em que são aquecidos. “A variabilidade da composição dos PHAs determina suas propriedades mecânicas e permite seu uso em diversas aplicações, como na produção de biopolímeros, usados nas áreas de farmácia e medicina para confecção de suturas, implantes e fixações ósseas, sendo absorvidos pelo organismo na mesma escala de tempo em que ocorre a regeneração do tecido.”

O projeto foi objeto da dissertação de mestrado de Esther Cecília Nunes da Silva, no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da USP. Na pesquisa, que procurava identificar linhagens bacterianas produtoras de materiais de origem natural como os PHAs, a bactéria Methylopila oligotropha foi isolada do mangue da Baixada Santista, na cidade de Cubatão, através da coleta de amostras no próprio local. “Posteriormente, as amostras passaram por um processo de enriquecimento seletivo, onde somente o metanol foi adicionado como fonte de carbono”, explica a professora. “Assim, foi possível transferir uma parte desse cultivo para uma placa de Petri, a fim de isolar colônias bacterianas, para posterior identificação molecular.”

De acordo com Elen, já existiam alguns relatos sobre a possibilidade da Methylopila oligotropha acumular PHB, um tipo de PHA. “No entanto, a grande novidade desta pesquisa foi verificar e quantificar a capacidade desta bactéria em produzir, além de PHB, também o copolímero PHB-HV”, relata Elen, “que apresenta melhores propriedades mecânicas, pois é menos cristalino e mais flexível, facilitando o seu processamento industrial”.

Produção

Os pesquisadores analisaram o conteúdo interno da bactéria, na forma de grânulos, que indicavam a produção de PHB. “A produção de PHAs por bactérias, de modo geral, ocorre em cultivos com excesso de carbono e deficiência de algum nutriente, como, por exemplo, nitrogênio, fósforo e potássio”, afirma a professora. “Especificamente, a indução do PHB-HV foi feita a partir do cultivo bacteriano em excesso de fonte de carbono, no caso, metanol, e limitação do nitrogênio, além da adição de um co-substrato, o ácido valérico.”

Segundo Elen, para chegar à produção industrial de PHAs, é necessário que haja estudo de escalonamento. “Há somente uma empresa no Brasil que produzia PHB microbiano, mas hoje trabalha somente sob demanda e ainda assim toda a produção é exportada”, ressalta. “Tudo isso porque o PHB ainda tem um custo elevado para o mercado interno.”

“No entanto, para além do escalonamento, é também necessário que haja incentivo fiscal e políticas públicas voltadas para a diminuição do uso de plásticos derivados de petróleo, principalmente aqueles de ‘uso único’”, destaca a professora. “A Alemanha já fez isso em 2021, quando proibiu a venda de plásticos descartáveis, entre eles pratos, copos, canudos, talheres, aplicando uma diretiva europeia destinada a proteger os oceanos da poluição.”

O projeto foi desenvolvido no Bio4Tec Lab do Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema) da Escola Politécnica (Poli) da USP, em Cubatão, e teve apoio do Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), um centro de pesquisa em engenharia (CPE) que é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com patrocínio da Shell, através de recursos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Coordenado pelo professor Júlio Meneghini e sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP, o RCGI conta com atuação de pesquisadores de várias universidades nacionais e internacionais.

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