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Historiadores Giulius Aprigio e Flávio Viana acreditam que recentes acontecimentos nos EUA podem levantar o debate sobre a identidade e a história de uma nação / Rodrigo Montaldi/DL

Uma estátua em Charlottesville, nos EUA, virou o epicentro, na última semana, de um confronto entre neonazistas e pessoas contrárias ao racismo. Há anos o monumento - erguido em 1924 em homenagem ao general Robert Lee, líder derrotado dos confederados que lutaram para manter a escravidão no país – é alvo de pedidos de remoção por parte de moradores e autoridades locais. Nas ruas, no entanto, a oposição formada por grupos supremacistas brancos e ultranacionalistas luta pela manutenção do monumento.

A polêmica iniciada na Virgínia – onde uma conselheira chegou a sugerir uma revisão dos monumentos que homenageiam figuras opressoras - pode servir de base para que uma sociedade reflita sobre a sua própria história. Essa é a ideia  defendida pelo historiador Giulius Aprigio. Ele acredita que, em alguns casos, os monumentos podem ser usados para desconstruir a imagem ou a ideia de quem está sendo homenageado.

“No Brasil existe uma contradição muito grande que é o fato da maioria dos monumentos fazer referência a períodos históricos onde o povo mais foi explorado. O que a estátua de Colombo no Canal 2, em Santos, representa: o descobridor ou o explorador? Quem descobriu a América de fato? Nessa linha temos dezenas de homenagens a ditadores e penso que devemos refletir sobre a quem elas servem”, conta, acrescentando que a polêmica é válida, pois coloca o dedo na ferida para que a sociedade comece a discutir sobre sua identidade e seus símbolos.

Para o advogado e historiador Flávio Viana, a história é escrita pelo viés do vencedor e há uma necessidade de revisitar os monumentos da região tendo a cautela de notar os contornos e as tintas fortes com as quais foram cunhadas algumas personalidades e a forma com que se apagaram tantas outras.

“Um dos exemplos é a figura do bandeirante, tão presente não somente em nossos monumentos como também em nomes de rodovias instaladas pelas trilhas que eles abriram pelo Brasil. Foi criada a figura do herói expansionista em detrimento ao mameluco escravocrata e que fez parte do genocídio indígena. Daí vem à importância de se estudar história para compreender quem são essas figuras e como foram criados esses heróis”, aponta.

Para Giulius, o ato nos EUA teve grande repercussão pelo fato do país ter um grupo de extrema-direita organizado e atuante. “No Brasil isso ainda é difuso, mas a maior parte de nossas estátuas homenageia pensamentos eugênicos e não faz referência a personagens de lutas populares. O vandalismo, em alguns casos, pode ser também uma resposta da população a não identificação com esses monumentos. Quando os índios tingem de vermelho a estátua de um bandeirante em São Paulo, ele está discutindo o histórico massacre ao povo indígena. E se nessa situação houvesse um grupo de extrema-direita organizado no Brasil, certamente aconteceria um conflito”, pondera.

A Baixada Santista possui mais de 90 estátuas e bustos homenageando figuras históricas, dentre elas Padre Anchieta, Zumbi dos Palmares, Martim Afonso, Bartolomeu de Gusmão e Saturnino de Brito. Algumas das estátuas fazem referência a passagens polêmicas da história nacional, como a atuação dos bandeirantes, a Revolução de 1932 e bustos que homenageiam políticos que governaram o país durante o Regime Militar.

Flávio Vieira acredita que, em um futuro não muito distante, será necessário rediscutir a história do Brasil e as estátuas poderão ser um importante ponto de partida. “Já tivemos um tempo onde alguns nomes de generais e torturadores da Ditadura Militar foram retirados de avenidas e penso que no futuro isso deverá ser feito com maior intensidade. Além de questionar o que existe hoje, precisamos erguer novos monumentos sobre as religiões de matriz africana e que homenageiem sobre nossos heróis negros, indígenas e pardos, valorizando nossa história”, finaliza.

 

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