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Cultura

Uma só câmera, um só sonho

Com uma câmera em mãos, o cineasta Tony Vallente acreditou no sonho de uma comunidade e produziu o primeiro longa-metragem da Região

Publicado em 09/06/2013 às 11:54

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Alguns podem chamar de utopia. Outros podem chamar de loucura. E ainda há quem acredite que é falta do que fazer. Mas tem louco para tudo nessa vida, não é mesmo? Ainda bem. A loucura de Tony Vallente foi além. Um projeto social na periferia de Guarujá se transformou em um filme de longa-metragem, produzido e estrelado por mais de 40 pessoas da comunidade.

Mas por que um repórter cinematográfico e dublê formado com anos de experiência na TV resolveu ensinar cinema para pessoas que, na maioria das vezes, não conhece nada sobre o assunto? O sonho de transformar o mundo. “Nós temos uma forma de trabalhar.

Nós não ensinamos só a fazer cinema, nós ensinamos o respeito ao próximo, o carinho, o amor e valores para todos nós se tornem pessoas melhores. Os nossos climas de bastidores eram excelentes e muito prazerosos. Nós fazemos com que as pessoas reflitam o que elas são e o que elas fazem”, explica o cineasta.

Vallente foi à redação do Diário do Litoral para contar as dificuldades que toda a equipe encontrou em quatro anos (Foto: Matheus Tagé/DL)

Sombra da Noite é o nome do longa-metragem experimental, que foi todo rodado em Guarujá, nas comunidades Santa Clara e Morro do Engenho, com direção do cineasta, que realiza o projeto de inclusão social através do cinema na cidade desde 2002.

Entre preparação, oficinas, testes, roteirização, gravação e pós-produção, foram quatro anos de trabalho, tendo em média dois encontros por mês com a equipe nas comunidades.
O projeto de cinema não visa profissionalizar, mas utilizar a ferramenta cinematográfica como maneira de reflexão e expressão dos temas abordados nas produções.

O filme será lançado dia 13 de junho (quinta-feira) no Cine3 Ferry Boat às 19h30 horas. A entrada é gratuita, mas as pessoas devem chegar com meia hora de antecedência e retirar o ingresso, pois a entrada é por ordem de chegada.

Para falar sobre a produção, Vallente foi à redação do Diário do Litoral para contar as dificuldades que toda a equipe encontrou em quatro anos.

Diário do Litoral - Como foram esses quatros anos de produção?

Tony Vallente - Antes de chegar nestes quatro anos, eu preciso falar da trajetória do projeto. A gente faz um projeto de inclusão social, utilizando o cinema como ferramenta para que as pessoas não só possam fazer filme, como contar suas histórias. E contar essas histórias faz com que eles reflitam os temas para ajudar elas a terem o entendimento melhor da vida e da sociedade. Eu faço isso desde 2002. Foi quando eu comecei esse trabalho social nas comunidades de Guarujá, levando oficinas de cinema não só para adolescentes como para todas as faixas etárias.

A gente trabalha com a família. Com isso, nós fomos fazendo vários curtas, até que chegou o momento que as próprias pessoas que participavam da oficina propuseram a produção de um longa e eu pensei ‘vamos tentar’. Como nós fazemos muitos curtas com uma temática real, nós pensamos em fazer o longa com uma história mais lúdica. E aí, é complicado fazer algo lúdico sem recursos e as ferramentas necessárias.

Em 2009, a gente decidiu então fazer. Nós não queríamos fazer as mesmas histórias. Não queríamos fazer uma história parecida com o filme ‘Cidade de Deus’, por exemplo. É uma história excelente, mas que retrata uma realidade nua e crua através de uma ficção. Em cima de algo lúdico, nós começamos a escrever a história do ‘Sombra da Noite’, um filme de herói. Imagina fazer um filme de herói, sem recursos, em um País que não tem tradição nesta linha de cinema. É bem mais complicado. Então nós fomos tentando encontrar formas de contar essa história com um bom contexto.

DL - E como é esta história?

Tony - É um mundo onde acontece um estranho fenômeno que impossibilita a entrada da luz do sol. O crime se prolifera na noite. Então, nesta cidade, que se chama Cidade Esperança, por causa deste fenômeno ela se torna Cidade da Noite, e ali o crime predomina. E lá, um policial muito certinho, que gosta de fazer justiça, percebe que todas as autoridades estão corrompidas e, então, ele tenta ajudar as pessoas fora da Polícia.

Ele se torna um justiceiro. Mas tem um detalhe no filme: a gente teve a preocupação de não fazer um filme violento. Ele parece violento, mas não é. O herói, por exemplo, não usa arma de fogo. O lema dele é ‘Qualquer covarde pode puxar um gatilho’. Uma arma na mão de uma pessoa deixa qualquer um muito valente e é isso que nós queremos mostrar.

DL - Então é um filme de ação?

Tony - O filme não é só um filme de ação e fantasia. Ele tem o resgate da honra, valores familiares, valor à vida. O filme retrata isso. O amor à vida, o respeito ao próximo, amor à família através de uma narrativa fantástica. Então, eu escrevi o filme com esse intuito: uma fantasia em um mundo paralelo para que ele se torne mais verossímil.

Se a gente criasse uma fantasia em um mundo real, não ia ficar tão interessante. Com esse mundo paralelo, a história fica mais aceitável. E tudo isso foi feito com o apoio da comunidade. Eu não fiz nada sozinho. O cinema é uma arte coletiva. Eu sou só uma pessoa que incendiou outras para fazer cinema.

DL - E quem escreveu o roteiro do filme?

Tony - O roteiro foi meu, junto com o jornalista Edson Pipoca. Mas o argumento das pessoas da comunidade. Depois de várias discussões, saiu o argumento.

DL - E como vocês conseguiram se manter nestes quatro anos?

Tony - Fazer um longa não é fácil. Sem grana, sem estrutura técnica. Nós fomos criando condições usando muita criatividade. Esses quatro anos foram assim... Preparação de elenco, pré-produção, testes de efeitos especiais. E como era um trabalho social, eu não podia estar todos os dias com a comunidade. Eu me encontrava com a comunidade duas vezes por mês, em média, para produzir o filme.

DL - O trailer mostra bastante destes efeitos especiais...

Tony - Não é um filme comercial. O Sombra da Noite é um filme experimental. Eu não quero que as pessoas criem uma falsa expectativa de que o filme vai ter muito mais do que o trailer está mostrando. Não vai. É experimental, feito com rigor técnico, porém com limitações. A gente procurou fazer o melhor.

DL - Quantas pessoas trabalharam no filme?

Tony - Direta e indiretamente, 48 pessoas. Agora no elenco tinham 36 pessoas.

DL - E todos os atores são da comunidade?

Tony - Não. Quando a gente começou a fazer o projeto, ele foi ficando conhecido. Então, atores profissionais começaram a procurar a gente e se ofereceram para colaborar. Mas todos são da Região. A equipe que participou da produção e edição do filme também é daqui. Nós da oficina nos reuníamos e decidíamos o que fazer.

A comunidade participou de todas as etapas de produção. É até importante destacar a participação de um grande viabilizador do nosso trabalho na comunidade que é o Nicanor Ribeiro. Ele é um líder no bairro, faz vários trabalhos sociais lá, é uma pessoa simples, incrível, e ele cedeu o espaço dele e deu todo o apoio necessário para as filmagens na comunidade do Morro do engenho e no bairro Santa Clara. 90% das locações foram nesses bairros.

DL - A produção de um filme de ação exige muitos recursos financeiros. Como vocês resolveram esta questão?

Tony - Inicialmente, nós investimos com nossos próprios recursos. Depois, apareceu a Denise Pereira, que eu conheci na rede social. Ela precisou em momento muito importante do projeto, onde nós estávamos precisando de fato de dinheiro para continuar. Para ajudar, voluntariamente, ela foi de comerciante a comerciante para conseguir apoio. E conseguiu vários apoios significativos para continuar a produção e concluir o filme.

DL - E o que te tocou a ajudar o projeto, Denise?

Denise Pereira - Eu estava em uma fase parada na minha vida. E eu li um desabafo que ele fez por causa das dificuldades de conseguir apoio e levar adiante o projeto. Eu comecei a conversar com ele e pedi para assistir um dia de filmagem. Eu estava passando por um tempo de solidão e precisava de algo que me motivasse. Eu fui assistir uma gravação. Fui o primeiro dia de curiosa. Fui muito bem recebida pela equipe e me senti em casa. Eu me encantei.

Fui uma segunda vez e já levei a minha máquina fotográfica. Aí, então, ele me chamou para fazer parte da equipe. Eu comecei a ajudar na produção. E teve um dia que eu ouvi ele conversar com o Nicanor sobre as dificuldades financeiras que a produção enfrentava. Como eu já fui bancária, morei toda a minha vida no Guarujá e era muito conhecida dos comerciantes da cidade, eu me ofereci para buscar patrocínio.

Foram apoios significativos que deram para a gente continuar o projeto, mas ainda com dificuldades. As pessoas têm um certo bloqueio que a gente pede dinheiro para esse tipo de coisa. Eles pensam ‘fazer filme? É utopia’. Mas, eu insisti. Recebi ‘nãos’, mas tive alguns ‘sins’ que nos ajudaram muito.

DL - E você atuou no filme?

Denise - O Tony fez questão que todos fizessem uma participação no filme. O meu papel é de uma capanga que bate muito nele, a Margô.

DL - E você imaginou alguma vez na sua vida fazer parte do elenco de um longa-metragem?

Denise - Eu fui bancária durante 13 anos, então eu nunca imaginei, nem nos meus maiores sonhos, que iria aparecer numa tela de cinema e me envolveria com um projeto social. É uma experiência maravilhosa. Quando a gente está gravando, a gente esquece o mundo, esquece os problemas, esquece que tem outra vida. É um mundo mágico, você esquece o tempo de tão maravilhoso que é, mesmo com todas as dificuldades que enfrentamos, com uma câmera apenas e um cinegrafista.

DL - E a parte do figurino, como vocês fizeram?

Tony - A gente fez um plano de direção de arte. Estabelecemos o conceito do figurino, passamos para os atores e eles mesmos investiram. Eles compraram o próprio figurino, mas seguindo o conceito do filme.

DL - O dinheiro que vocês arrecadaram com os comerciantes serviu para quê?

Tony - Para conserto de máquina, para compra de fiação, compra de luz. Queimava muita luz. Como na comunidade tem muito ‘gato’, queimava muita lâmpada e, cada uma, custa R$ 32. A câmera quebrava muito também. Ela era mutante e morreu no último dia de gravação.

Ela quebrou umas 20 vezes e sempre quebrava um dia após a garantia. O conserto de uma câmera é muito caro. E a gente só tinha ela. Todas as cenas foram filmadas com uma câmera só. Foi um trabalho muito difícil. Principalmente para a direção de fotografia. Era uma câmera e três pontos de luz para criar uma atmosfera cinematográfica.

DL - O bom é que a comunidade dos bairros também se envolveram com o projeto.

Tony - Sim. Eles abraçaram a ideia. Nós nos sentíamos protegidos filmando naquelas comunidades. E a gente virara a madrugada filmando. Ninguém destratou a gente, pelo contrário, a comunidade abriu as portas para a equipe. E pessoas acompanhavam as gravações e ficavam empolgadas, cederam suas casas para servir de camarim e até de locação. Eles ajudaram muito.

A história

O Sombra da Noite é um filme de ação que retrata a história de uma cidade dominada por criminosos, em que não nasce a luz do sol, fazendo com que seus habitantes vivam na completa escuridão.

Diante desta realidade, um policial que se torna conhecido como Sombra da Noite, se vê obrigado a torna-se um justiceiro que não usa arma e tenta a sua maneira combater os criminosos e sensibilizar a população sobre honra, valor a vida e a família.

Tony Valentte é o protagonista, duble nas cenas de ação e dirige o filme. A produção é da Valentte films, Cia. Gingado e AFAG Associação de Folclore e Artesanato de Guarujá, apoio cultural do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Casa de Cultura do Baiano das Astúrias, Cine3 Ferry Boat e Translitoral.

Grande parte do elenco é formada por pessoas da comunidade, além de contar com atores profissionais, entre eles: Carlos Tousi, Jota Prestes, Cherryne Valentte, Maria Dias, Fabiana Mayr, Juh Ferraz, Eyd Rodrigues, Eduardo Mascena, Agostinho Tavares, Ramos Filho e Rafael Parrel, além de ter no elenco novos talentos da comunidade, entre eles: Alan Sousa, Solange Moreyra, Nicanor Ribeiro, Erick Lima, Dan Carvalho, Cacau Nascimento, Denise Pereira, Luiz Cláudio, Luis Fernando, Autran Lima, Neguinho Dantas, Aline César, Denis Jesus, Vanessa Oliveira, Marconi Cruz, Danny Passos, Vanuzia Moreira, Lucas Santos, Karina Oliveira, Cristiliana Gonçalves, Fátima Souza e com participações especiais de Anna Marques (atriz e modelo de SP), Vinni da Capital (MC), Emy Takahashi (Nutricionista da Seleção Brasileira de Basquete Feminino), Julia Magalhães (Jornalista).

Na equipe técnica tem o editor e cineasta Tiago Cardoso, Erika Fatori como fotografa Still, Eyd Rodrigues (fotografa Still), Dan Carvalho (fotografo Still) Felipe Oliveira (foto designer), Edson Pipoca (Co-roteirista), entre outros profissionais colaboradores.

A produção vem chamando atenção, por ser o primeiro filme de fantasia, suspense e ação produzido na região e com ousadas cenas de lutas, tiros, explosão.

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