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Júri condena os quatro réus pelas 242 mortes do incêndio da Kiss

A prisão foi suspensa pois os réus conseguiram um habeas corpus preventivo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que suspendeu provisoriamente o cumprimento da pena

Folhapress

Publicado em 10/12/2021 às 21:02

Atualizado em 10/12/2021 às 21:47

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Réus por incêndio na boate Kiss são condenados / Reprodução/ Agência Brasil

O tribunal do júri condenou nesta sexta-feira (10) os quatro réus julgados por homicídio e tentativa de homicídio simples por dolo eventual pelas 242 mortes ocorridas no incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS).

A tragédia da madrugada de 27 de janeiro de 2013 deixou ainda mais de 600 feridos. A maioria das vítimas morreu por asfixia devido a gases tóxicos liberados pela queima da espuma que havia no palco, segundo perícias.

O julgamento, que começou no último dia 1º, é o mais longo da história do Judiciário gaúcho. O caso foi desaforado de Santa Maria para Porto Alegre, depois que defesas questionaram formação de júri imparcial na cidade onde boa parte da população foi afetada pelo fato.

Os quatro réus são os então sócios da boate Elissandro Spohr (condenados a 22 anos de prisão) e Mauro Hoffmann (19 anos) e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira -que tocava no local na noite do incêndio- Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista) e Luciano Bonilha Leão (assistente de palco), ambos a 18 anos.

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Ao anunciar a sentença, o juiz Orlando Faccini Neto destacou que muitas vítimas morreram por terem voltado ao local para tentar ajudar no salvamento.

"No caso de perdas de entes, como no presente, a pena criminal há de comunicar aos familiares, pais e mães enlutados, o grau de respeito que lhes devota o Estado. De maneira que arriscar o esquecimento desses dramas pessoais gerados pela prática de um crime, implicaria justamente no oposto, numa demonstração de que a ordem jurídica não compreende a vítima, o sujeito violado, seus familiares, com o devido respeito e consideração", afirmou o magistrado. "Foram mais de 240 mortes e a expressividade do número de vítimas não divide ou arrefece as dores ou tragédias pessoais, multiplica-as".

Faccini Neto chegou a anunciar a prisão imediata dos quatro condenados, mas depois suspendeu a ordem porque os réus conseguiram um habeas corpus preventivo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que suspendeu provisoriamente o cumprimento da pena. No fim do dia, durante a coletiva de imprensa, ele afirmou que juiz tem que aprender a respeitar a decisão dos tribunais.

"O dolo eventual foi afirmado pelos jurados. Eu simplesmente fiz algumas reflexões na sentença sobre a consideração de que não é algo de pouca gravidade. Muitas vezes as pessoas imaginam que o querer é mais intenso que a assunção do risco, mas, quando se envolve muitas pessoas, a mera assunção do risco já é o estado subjetivo mais grave que se possa apresentar."

Após o fim do julgamento, Faccini Neto afirmou que o júri da boate Kiss foi o mais difícil de sua carreira, por envolver muitos interesses e emoção. "Eu espero que seja o fim do caso, que ele não se prorrogue, no sentido que se faça necessário um novo júri, uma outra mobilização dessa ordem, que é um desgaste enorme para todos."

Spohr, apontado como responsável pelas decisões na boate e que era conhecido como "Kiko da Kiss" na cidade, disse durante interrogatório no júri que foi dele a decisão de colocar a espuma.

Spohr alegou estar seguindo a indicação de um engenheiro, apesar de que o projeto encaminhado ao Ministério Público, no TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que tratava dos problemas de vazamento de som da boate, não citar o material. O engenheiro autor do projeto, Miguel Ângelo Pedroso, disse ao júri que não indicou a espuma porque ela não serve para isolamento acústico, apenas conforto.

Hoffmann entrou na sociedade quando o TAC ainda estava em discussão e diz ter suspendido o negócio por uns meses até ver o problema solucionado. Era o único dos réus que não estava na boate no momento do incêndio.

A defesa de Hoffmann questionou as pessoas que falaram ao júri sobre a presença dele na boate ou se sabiam que ele era um dos donos, antes da tragédia. A maioria disse nunca tê-lo visto no local, enquanto outros relataram sua presença nas obras da reforma para o TAC e na tarde que antecedeu a tragédia.

Hoffmann disse durante o interrogatório que não sabia que havia espuma no local e não sabia que a banda Gurizada Fandangueira se apresentaria na Kiss, já que agenda era com Spohr.

Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda, era quem tinha o artefato pirotécnico nas mãos e que pode tê-lo aproximado da espuma começando o incêndio. Ele negou no interrogatório que estivesse pulando com o artefato, mas testemunhas relataram que ele levantava os braços quando cantava "alto, em cima", trecho de uma música do cantor Naldo.

Luciano Bonilha Leão, assistente de palco da banda, que confirmou ter sido o responsável por comprar o artefato pirotécnico, por colocá-lo na luva/munhequeira que Marcelo usava e por acioná-lo durante a apresentação.

Durante a fase de debates do julgamento, nesta quinta (9), a advogada de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda, chegou a exibir um vídeo com a narração de uma carta psicografada por uma das vítimas do incêndio.

Em outro momento, a defesa de Luciano Bonilha Leão, assistente de palco da banda, colocou duas cadeiras com cartazes escritos "MP", "Bombeiros" e "Prefeitura" para dizer que os entes públicos deveriam estar no banco dos réus.

Nesta sexta, durante a réplica da acusação, o promotor David Medina da Silva abordou a apresentação da carta psicografada que ocorreu na quinta, defendendo que aquele não seria o momento ou o local adequado para tratar de questão religiosa, mesmo que muitos presentes tenham fé.

"Vamos fazer o contraponto da carta psicografada. Nós ouvimos ontem a voz de um narrador se intitulando porta-voz de uma pessoa morta, mas vamos ouvir a voz de uma pessoa viva?", disse ele, reproduzindo um trecho do depoimento de Delvani Rosso, 29.

Durante as oitivas, o coronel Gerson da Rosa Pereira, ex-chefe do Comando Regional dos Bombeiros de Santa Maria (RS) e o primeiro condenado no processo, em 2015, por fraude processual, disse que as pessoas morreram vítimas do gás tóxico.

"De uma coisa eu tenho certeza, não foram vítimas de incêndio, porque o incêndio carboniza", afirmou. "Foi da inalação do gás emitido por aquela espuma que incendiou no dia, parece que composta de cianeto, um gás letal conhecido historicamente muito empregado nos campos de concentração, no período nazista."

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