14 de Outubro de 2024 • 14:18
Mestre em Direito Político e Econômico, o professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Flávio de Leão Bastos Pereira, não escondeu o entusiasmo ao ter em mãos o Manual de Campanha – Guerra Revolucionária, objeto de reportagem especial do Diário do Litoral, usado na instrução de militares graduados e agentes do Regime Militar, encarregados de detectar, infiltrar e aniquilar líderes e grupos simpáticos ao comunismo que se instalaria no Brasil a partir do Golpe de 64.
“Eu não tinha conhecimento deste documento. Jamais havia visto. Embora haja registros de um conjunto de ações realizadas para treinar combatentes à guerrilha urbana, que cresceu após alguns anos do Golpe. A guerrilha não é um fenômeno imediato a 64. Ela surge nos anos seguintes. Mas os militares tinham como certa uma resistência armada, quando eles deflagraram o que chamam de Revolução Democrática de 31 de Março, o que jamais ocorreu”, lembra o professor, que também foi colaborador da Comissão da Verdade no reconhecimento de agentes de tortura.
Pesquisador do Grupo de Guerras, Massacres e Genocídios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Leão lembra que a ‘Cartilha da Repressão’ foi justamente confeccionada durante o endurecimento da Ditadura e a ascensão dos grupos de esquerda e líderes guerrilheiros, como Carlos Mariguella e Carlos Lamarca.
“Ela (cartilha) foi publicada em 1969. Em dezembro de 1968, o governo do general Costa e Silva baixou o Ato Institucional número 5 (AI-5), que definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem considerados inimigos. Alguns dizem que foi o ano que ocorreu o golpe dentro do golpe”.
Ele completa afirmando que a “linha dura assumiu o Governo Brasileiro e declaradamente declara guerra contra os progressistas de esquerda que eles acreditavam serem adeptos à instalação do comunismo no Brasil”, ressalta o professor, lembrando que Mariguella e Lamarca eram considerados pontos de honra dos militares e do regime.
O educador explica que conceito de Guerra Revolucionária (título da cartilha) era de autorizar as estruturas da repressão a usar a tortura, visando rapidez nas informações para desmontar o que eles chamavam de ‘aparelhos’, que nada mais eram do que apartamentos ou casas usados por grupos de ativistas da organização política clandestina. Os aparelhos serviam para a realização de reuniões, guarda de material de propaganda, dinheiro e armas das lideranças comunistas.
“A tortura arrancava tudo, nomes, local, horários e quantidade de participantes e objetivos. Foi assim que eles (repressores) conseguiram desmontar as estruturas guerrilheiras e revolucionárias brasileiras”, alerta, ressaltando que o manual tinha o objetivo de uniformizar as ações de combate que, para eles (militares), estavam dentro de uma guerra legítima.
O impresso
Com 266 páginas, edição limitada a cinco mil unidades, restrito e vedado à Imprensa, o manual é uma das ‘cartilhas’ da repressão, guardada a ‘sete chaves’ pelos militares da reserva e seus familiares, articuladores e patrocinadores da Ditadura que, segundo relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) — entregue ano passado à presidente Dilma Rousseff — foi responsável por 434 mortes durante seus 21 anos de duração. Um número desconhecido de sobreviventes, até hoje, guarda no corpo e na mente as marcas adquiridas nos porões de tortura clandestinos mantidos na Nação.
O livreto verde, quase esfacelado do Ministério do Exército, dedica suas páginas a fomentar o medo do comunismo e à necessidade dos militares e agentes se prepararem para guerrilha urbana, evidenciada com o surgimento, em 1968, do grupo armado Ação Libertadora Nacional (ALN), pelas mãos do político, poeta e guerrilheiro Carlos Mariguella, seguido pelo rebelde Capitão Carlos Lamarca, líder da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), outra frente de luta, autora do assalto mais rendoso para a esquerda armada brasileira — US$ 2,5 milhões.
A publicação também reproduz a verdadeira ideologia da caserna, dividida em nove capítulos que percorrem os caminhos dos princípios táticos; operações psicológicas; distúrbios civis e greves; métodos de ação; informação e contra informação entre outros temas, não esquecendo da versão sobre o que os militares batizaram do Golpe: “Revolução Democrática de 31 de Março”.
NOTA
No próximo Papo de Domingo, o professor Flávio de Leão Bastos Pereira continua a comentar outras vertentes da Ditadura Militar Brasileira.
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