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Valle Tudo

Uma jovem perdeu a vida na porta de um estádio; nada mais importa

Hoje o bom dia para o porteiro do prédio foi diferente. Toda segunda, pós rodada do fim de semana, aquela velha resenha. Eu queria ter falado do Botafogo líder isolado, numa campanha surpreendente. Tirado onda que o time dele, que sobra nos últimos anos, já não enxergava mais o rival na tabela de classificação. Eu não consegui. Um nó na garganta me impediu. Um pesado vazio ficou no ar.

Hoje a primeira coisa que eu vi foi a notícia da morte da Gabi. A torcedora palmeirense atingida por uma garrafa, enquanto se preparava para entrar no Allianz Parque, diante de uma confusão entre palmeirenses e flamenguistas. É como se todos os jogos do fim de semana tivessem terminado em 0 x 0, assim como Red Bull X São Paulo, jogo que trabalhei na reportagem pela Rádio Bandeirantes.

Essa é uma segunda-feira sem os gols da rodada. Ao menos deveria ser. Se pudesse escolher, hoje, eu queria ser qualquer coisa, menos um jornalista esportivo. Porque eu não quero falar dos gols, eu não quero falar da arbitragem brasileira, eu não quero falar do Botafogo. E me destrói ter que falar da Gabi.

Hoje eu não consigo argumentar. Não consigo dizer para um pai que gostaria de levar as filhas em um estádio de futebol, mas tem medo, que torcida única não é a solução. Mesmo sabendo que a medida não diminuiu em nada a violência no futebol. Hoje eu não tenho razão.

Não consigo também explicar a paixão, por vezes doentia. Ela me violenta. Extrapola todos os limites e não pode mais ser chamada assim. Não existe paixão onde só se enxerga o ódio.

E de onde eu vou tirar forças pra falar sobre a cruel elitização do futebol que só ganha mais espaço num país que usa a violência como ferramenta para a segregação, enquanto uma família é dilacerada pela morte de uma filha, de uma neta, uma irmã, uma sobrinha, uma amiga, que só saiu de casa pra ver um jogo de futebol num sábado à noite?  

Negligência do estado? Pouco caso dos dirigentes? Cultura do ódio? Mídia e influenciadores que estimulam o ambiente bélico? Jogadores e treinadores que não dão o exemplo?

Eu quero que tudo se exploda.

Uma mulher de 23 anos perdeu a vida na porta de um estádio de futebol. Nada mais importa.

Hoje eu vou abrir o microfone e falar porque sou obrigado. Eu queria estar me ocupando de um trabalho que não estivesse inserido nessa violência brutal. Eu queria algo que me fizesse esquecer o futebol. Deveria ser ao contrário.

Quando isso se inverteu?

Falar o que, então?

Lacrem todos os estádios. Jogadores não entrem em campo. Torcedor não tire a camisa do armário. Não consumam. Não liguem a TV, nem o rádio. Nós, comunicadores, façamos silêncio. Não há o que dizer diante da barbárie. Não há o que falar sobre o futebol, que não existe mais.

Eu quero pensar na Gabi, pelo menos até esquecer, atropelado por outro corpo que o futebol jogará na porta de nossas casas numa segunda-feira pós rodada.

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