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Olhar Filosófico

Um tempo rude

Há muito me repito. Sobretudo me repito. Talvez não tenha a real dimensão do novo por começar a acreditar que muitas vezes tudo muda para continuar igual. O contexto e a moldura do quadro escondem um retrato plástico, maleável, mas aprisionado nessas limitações do espaço.

O medo, às vezes, me corrói a alma e eu me repito. Reflito menos. Repito-me e repito o que disse ontem e hoje ainda há pouco. E há tempos também. Nada além dos buracos negros da matéria. E do éter da inconsciência, da inconsistência. Um mergulho e me basto novo banhado na velha água. Nada me atualiza o espanto. Nada inédito. Tudo é um deixe estar.

Lembro-me do artigo escrito e reescrito. Repetido. Educação, escola e família e tudo já não basta numa equação que não fecha. Para mim o pouco. E me agrada o arroz com feijão sem segredos ou cartilhas. Come-se bem, nutre-se e deve-se ler por profunda e inequívoca necessidade. E ainda fazemos teatro e contemplamos as quimeras.

Repito-me. Artigo repetido. Nada novo e eu não aprendo nada de novo. Só conheço mais no velho dado, no ponto cego que vejo no retrovisor do tempo. Do lado de fora a palavra é movimento, dentro me perturba. Repito-me. E já não sei se faz sentido. Mas faz-me crer no riso. Lembro-me do artigo das escolas. Desde a volta do aperto do parafuso depois da pandemia que assolou o planeta bola e levou com dileção os pobres deste mundo. E sempre pareceu estar tudo certo até não mais estar. Quem se acostuma ganha um carro, os demais puxam a carroça. E o meu artigo sobre as escolas e os irmão professores e as irmãs professoras. Repetido. E me revela ainda o fluxo material do tempo presente. Um tempo classe média.

Um tempo de ressentimentos e ódio do próprio reflexo. Que vai a passos largos para a cara do vizinho, para o filho do vizinho, para o filho do filho do vizinho que chutou a bola e fez barulho e fulano não gostou. Macetou o moleque e a rua se cala. A escola se cala. E seus pais não se calaram, mas não estavam em casa. E aquele artigo sobre escola, educação e famílias numa equação que não fecha. Num tesão por punir o professor, a vida alheia e a moral sexual da filha da vizinha que o marido da outra olha, deseja e condena como o homem de bem que sempre foi. A filha do vizinho, meu Zeus, que na escola também tenta o filho do vizinho e por isso merece a danação eterna. E os abaixo-assinados. E os gritos.

E a escola como ringue dos desesperados comilões da felicidade alheia.

Escrevi repetido pensando pouco, mas pensando nos professores, diretores, amigos que salvam Roma do fogo e apagam com copinhos plásticos de água o incêndio da biblioteca de Alexandria. E aquelas famílias, pais que não educam e mães que não educam sopram brasas na escola em chamas. E nos professores. E naquele artigo repetido de que tanto falo.  Não se educa, todavia paga-se e assina-se a procuração para que se deseduque como quero. E todos ali. O fogo à frente e na memória a esperança de um martelo para levar abaixo a rota da agonia e da transferência de competência. E o filho do filho do filho do vizinho não presta para meu filho. E o professor do professor daquela cena improvisada não pode ficar no meu teatro. E aquele artigo no qual me repeti e não me levou a nada. E não me levará a nada. E nada mais. Se é só saber onde se pisa. Onde estão os pés. A ordem material das coisas de agora. Saber onde se pisa sem pisar na bola. Pior, no outro. De oprimido a opressor e um verbo de ligação, de comando. Cuidado. Todo cuidado é pouco para os muitos que precisam ser cuidados.

E àqueles que ousam o céu, não esqueçam do quadrante limitado do espaço. Se é guerra que eles querem é uma bomba de indiferença que vou lançar. Granada de mão que explode em vento. E para meus irmãos professores, para minhas irmãs professoras e diretoras e contraventoras de sonhos. Repito-me. Tocou-nos educar com velharias um tempo rude. Materialmente rude. Liberalmente rude. Capitalistamente bárbaro. E olham para o foguete de um imbecil milionário. E a filha da filha da vizinha desencaminha o filho do filho do imbecil do meu vizinho que olha para esse foguete do imbecil milionário. Reputação e putaria. Professoras, professores, diretoras, diretores, saquem os saldos restantes. Um velho Drummond me desatualiza como desejo, pois “Tenho apenas duas mãos/ e o sentimento do mundo,/ mas estou cheio de escravos,/ minhas lembranças escorrem/ e o corpo transige/ na confluência do amor.” Reputação e patrulha alheia. Irmãs e irmãos de giz e paz, nos tocou educar com as nossas clássicas velharias um tempo rude. Bárbaro e rude.

 

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