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Com fim do Ciência Sem Fronteiras, intercâmbio em graduação cai até 99%

Para especialistas, esse dado representa não só uma perda de experiência acadêmica para os estudantes, mas também um prejuízo para a formação científica no País

Estadão Conteúdo

Publicado em 20/11/2017 às 22:01

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Instituições reduziram em até 99% o número de alunos enviados ao exterior / Agência Brasil

O número de intercâmbios entre alunos de graduação das universidades públicas brasileiras despencou com o fim do programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal Sem a ajuda do Ministério da Educação desde julho de 2016 e em meio à crise econômica, as instituições de ensino federais e estaduais reduziram em até 99% o número de alunos enviados ao exterior até o ano passado. Para especialistas, esse dado representa não só uma perda de experiência acadêmica para os estudantes, mas também um prejuízo para a formação científica no País.

O Estado analisou dados de 17 instituições de ensino superior público - 30 universidades de todas as regiões do País foram procuradas pela reportagem, mas nem todas responderam. Entre as instituições analisadas estão as três estaduais paulistas, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de outras 14 federais, de um total de 64. Todos os documentos foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação enviados por cada uma das instituições.

Um dos casos mais dramáticos está na Universidade Federal do ABC, do Estado de São Paulo, onde só três bolsas foram concedidas no ano passado, ante 551 em 2014, auge do Ciência sem Fronteiras - uma queda de 99,4%. A universidade diz que, sem o respaldo do governo federal, viabilizar intercâmbio tem sido "um desafio", mas que tem buscado aumentar a quantidade de convênios internacionais ao longo dos anos - atualmente há 18, em 10 países diferentes, segundo a instituição.

Sonho

Aluno de Engenharia de Gestão na UFABC, João Coelho, de 22 anos, ingressou na universidade em 2014 com o sonho de estudar no exterior. "Víamos muita gente indo e, logo que entrei, comecei a participar dos processos de preparação", conta. Coelho chegou até a prestar o TOEFL, exame de proficiência de língua inglesa cuja inscrição custou cerca de R$ 800. "Nesse tempo de preparação acabou tendo o corte e o sonho ficou para trás", diz o estudante, que pretendia ir a Dublin, na Irlanda, em 2016.

Para ele, o fim do programa não é apenas uma perda para os alunos, mas também para o País. "Quem viaja traz muita coisa para que possamos aplicar aqui, desenvolver a ciência e a tecnologia no Brasil."

Perdas e ganhos

Desde a sua criação, em 2011, o Ciência sem Fronteiras dividiu a opinião de especialistas. O programa era alvo de críticas pela falta de acompanhamento acadêmico aos estudantes e por ter pouco impacto científico, mas também era visto como uma oportunidade de compartilhar conhecimento, contribuir para o repertório científico do País e enriquecer o sistema educacional.

"O Ciência sem Fronteiras é uma faca de dois gumes. Por um lado, o Brasil apareceu pela primeira vez no cenário internacional. Por outro, teve um custo altíssimo, entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões e, até hoje, não se sabe exatamente qual foi o objetivo do programa", diz o especialista em internacionalização do ensino superior Leandro Tessler, da Unicamp. Para ele, é importante que as universidades tenham algum tipo de oferta de internacionalização na graduação, mas com maior diálogo com os setores de cada uma delas e tentando trazer mais alunos estrangeiros para o Brasil.

O alto custo do programa também foi um dos principais argumentos do Ministério da Educação para encerrá-lo. Quando anunciou seu fim, em julho de 2016, o ministro da Educação Mendonça Filho (DEM) afirmou que, em 2015, o programa custou R$ 3,7 bilhões, para atender 35 mil bolsistas (Mais informações nesta página). De acordo com a pasta, esse mesmo valor foi usado para atender 39 milhões de alunos no programa federal de merenda escolar.

Para o vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Carlos Roberto Cury, a redução das bolsas ofertadas para alunos de universidades públicas é um desfecho "cruel" da crise econômica no País. "A ciência perdeu a circulação de cérebros, o compartilhamento de conhecimentos e descobertas que havia com os intercâmbios. Porque os alunos da graduação se tornarão os futuros pesquisadores, o prejuízo na formação deles impacta na ciência", diz. Ele avalia, porém, que um dos problemas do programa foi na seleção dos alunos, que deveria ter ficado sob responsabilidade das universidades.

Sem recurso público, experiência fica restrita a quem pode pagar

Sem recursos para custear sua estadia no exterior, a estudante de engenharia civil Sttefany Schiavone, 21, planejava fazer um intercâmbio por meio do Ciências sem Fronteiras quando ingressou na Escola Politécnica (Poli) da USP em 2015. O fim do programa, no entanto, a fez desistir da ideia. "Meus pais não têm condições financeiras de bancar um intercâmbio. Então, ou era o Ciências Sem Fronteiras, ou não tinha outro jeito", diz. Segundo a estudante, a faculdade até oferece convênio com universidades estrangeiras, mas a maioria exige investimento por parte do próprio aluno.

Esse é o caso de Ariane de Souza, de 20 anos, aluna do terceiro ano de Economia Empresarial, no câmpus da USP de Ribeirão Preto. Neste ano, ela conseguiu uma bolsa de R$ 20 mil para custear parte das despesas de um intercâmbio. A experiência de seis meses na Bélgica, no entanto, só será possível com a ajuda dos pais. "O valor é insuficiente para cobrir todos os gastos com passagem, alimentação, moradia, transporte. Felizmente eu tenho a ajuda dos meus pais e vou conseguir realizar meu sonho, mas muitas pessoas não conseguem ir mesmo com a bolsa", diz.

Frustração

A estudante de Engenharia de Produção da Universidade federal do Rio Grande do Sul Cristhine Borges, de 25 anos, se preparou por mais um ano e meio para realizar o sonho de estudar fora. Fez aulas de inglês, juntou documentos e prestou os principais exames de proficiência no idioma - TOEFL e IELTS. Mas quando foi tentar, em 2015, o programa havia sido encerrado. "Eu contava muito com isso para o aperfeiçoamento do meu inglês, na profissão e na questão cultural também", conta.

Para ela, que pretendia ir à Austrália, a falta do intercâmbio vai impactar sua vida profissional. "Afeta muito porque as empresas dão preferência para quem tem vivência no exterior. A gente percebe isso nas entrevistas e nas dinâmicas", diz. A estudante conta que muito colegas que possuem o estudo fora do país conseguiram bons cargos no mercado.

Prejuízo e frustração são as duas palavras usadas pelo estudante do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Pernambuco , Felipe Veras, de 25 anos, para resumir o impacto causado em sua vida acadêmica pelo fim do programa Ciência sem Fronteiras. "Eu investi tempo, dinheiro e muita energia na busca por uma vaga para conseguir realizar o sonho que era estudar fora do Brasil e trazer de volta uma bagagem que certamente iria ter um peso grande para o resto de minha vida", lamenta. Além da decepção, Felipe teve que arcar com o pagamento de mais de um ano de curso de inglês e as taxas para a realização do exame de proficiência na língua inglesa, exigida pelo programa.

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