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Cultura

Papo de Domingo - Cultura de São Vicente está de luto por Encenação

Secretário de Cultura e um dos percussores do espetáculo, Amauri Alves fala sobre as dificuldades financeiras enfrentadas pela pasta, que culminaram no cancelamento do evento em 2016

Publicado em 08/11/2015 às 12:32

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Rafaella Martinez

No começo o cenário era delimitado com uma cordinha, onde público e atores amadores dividiam o mesmo espaço, na areia, perto do Marco Padrão, na Praia do Gonzaguinha. Amauri Alves lembra com riqueza de detalhes os primórdios da tradicional Encenação da Fundação da Vila de São Vicente pois estava lá, em 1982, quando o projeto tomou forma.

Responsável pelo atual formato, Amauri participou de várias edições do espetáculo, ocupando inúmeros papéis que vão desde ator figurante à cenógrafo e diretor.

Nesta semana, a Prefeitura Municipal de São Vicente anunciou o cancelamento da edição de 2016, em virtude da falta de verba.

Neste Papo de Domingo, Amauri Alves fala sobre sua relação pessoal e profissional com o maior espetáculo em areia de praia do mundo e da relevância histórica e social da montagem que no próximo ano deixará os vicentinos órfãos.

Diário do Litoral - Qual foi o estopim para o anúncio do cancelamento da Encenação?

Amauri Alves - Estamos passando por um momento delicado no Brasil, algo que afeta direta e indiretamente a vida de milhões de pessoas. É uma espiral descendente e isso afeta as ações culturais em todos os lugares do País. Nós lutamos até o fim para tentar evitar o cancelamento da Encenação, mas não foi possível e isso é triste, muito triste. Como produtor cultural sempre defendi a importância das ações de cultura na vida das pessoas e sei o que o peso que esse cancelamento tem. Mas é importante ressaltar que a Encenação não deixou de existir: apenas não vai acontecer em 2016 por total falta de recursos. Não é uma desculpa, é uma realidade.

DL - O senhor citou que todos os recursos foram procurados. Quais foram eles?

Amauri - Fomos atrás dos nossos parceiros das edições anteriores, mas a situação também é complicada para eles. Um dos apoiadores era a Sabesp e a gente sabe a situação que a empresa enfrenta hoje. Na internet várias pessoas questionaram o possível uso da Lei Roaunet, mas não entendem a forma que a legislação funciona. Ela não garante recurso e sim o direito de buscar um patrocinador que entrará com renúncia fiscal para apoiar o projeto. Mas houve uma redução imensa, tanto no valor que é liberado para fazer captação quanto nas empresas interessadas no processo. A Encenação sempre aconteceu com articulação política direto com o Governo do Estado, mas o que foi alegado para nós é que para 2016 não há verba.

DL - O senhor se sente responsável por ela não acontecer? 

Amauri - De maneira alguma. Sou um produtor cultural e sei que para produzir algo é preciso recursos. Eu entreguei pessoalmente na mão do ministro da Cultura, Juca Ferreira, um projeto solicitando apoio para Encenação, ressaltando a importância do evento para Região. Na ocasião, ele me disse que o “cobertor estava muito curto”, mas que iria avaliar. Sei que aconteceram cortes no Ministério e no Governo do Estado, por exemplo. Somente com o recurso da Prefeitura não era possível, principalmente neste momento de crise na Cidade.


Secretário garantiu que todos as alternativas foram buscadas para garantir a Encenação de 2016 (Foto: Matheus Tagé/DL)

DL - Houve uma diminuição de 30% nos recursos do Ministério da Cultura neste ano, além da previsão de novos cortes para 2016. De que forma que essa redução reflete na secretaria?

Amauri - A luta para todo gestor público hoje é conseguir manter a sua estrutura de trabalho. Isso acontece com a gente. Estamos trabalhando com o máximo empenho para lidar com essa diminuição. E posso garantir que as projeções de cortes tanto do Governo Estadual como do Federal são maiores para o ano que vem. Passamos por um efeito cascata. Parte da nossa equipe está sem receber e tenho a certeza de que isso reflete na cultura como um todo, pois o que acaba sendo cortado? O cinema do final de semana, o espetáculo teatral e o livro novo. Isso tem impacto no produtor cultural que vai receber menos e também vai precisar fazer os seus cortes. É uma bola de neve.

DL - Pessoalmente, qual é o sentimento que fica? Qual a sua relação com a Encenação?

Amauri - Estou de luto nesse momento. Eu e todas pessoas que estão na Secretaria de Cultura hoje e possuem um envolvimento emocional e profissional com a Encenação. É algo que pesa muito para nós. Quando nós começamos a fazer o espetáculo, em 1982, ela era motivo de gozação por parte de movimentos culturais da Região, que achavam que aquilo era uma grande bobagem. Fazendo uma avaliação no que diz respeito à dramaturgia e estrutura teatral, hoje enxergo que era um embrião, claro. Eram amadores que se reuniam e o locutor oficial da prefeitura que narrava. No final, um padre de verdade ia até o local e fazia uma missa. Isso tudo durante a manhã e com duração de 20 minutos, no máximo. Fui cenógrafo na primeira edição, além de atuar como marinheiro. Minha função principal era limpar a praia após o fim do espetáculo. Durante muito tempo foi dessa forma até encontrarmos um caminho para transformá-la no que ela é hoje.

DL - E quando houve a profissionalização da Encenação?

Amauri - Em 1999 eu assumi pela primeira vez como Secretário de Cultura e mudei a estrutura, para podermos fazer em 2000 um grande espetáculo para a comemoração dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil. A partir de 2001, eu passei a dirigir e atuar como uma forma de economizar gastos. As críticas foram positivas e inclusive recebemos uma crítica da Carmelinda Guimarães que afirmava que a Encenação, enfim, tinha atingido a maturidade que eu participei, em virtude de questões políticas, voltando ao processo apenas na atual gestão. Em 2013 retomei, com uma preocupação adicional: incluir a maior quantidade possível de núcleos artísticos de São Vicente, para que eles tivessem maior visibilidade na Cidade. A Encenação propôs essa interação entre os fazedores de cultura local.

DL - Qual o principal papel da montagem hoje?

Amauri - Além de propor essa integração, a Encenação abre porta para muitas oportunidades em vários segmentos culturais. O espetáculo em si é apenas a finalização de um processo. Ele é importante para o público, apenas. O mais relevante para a comunidade que está envolvida é o processo de produção, o aprendizado e os contatos feitos, sejam eles profissionais ou pessoais. A Encenação só faz sentido com a participação popular, com a energia das pessoas. A integração que acontece na comunidade durante o processo de montagem é algo inexplicável. Para muitos que participam, a Encenação é a aventura de vida, o momento especial do ano.

DL - O senhor citou a participação dos movimento culturais da cidade e da população vicentina na Encenação. Houve um diálogo com essas pessoas sobre o cancelamento da edição de 2016?

Amauri - Na quarta-feira (dia 4) houve uma reunião do Conselho de Cultura, onde grupos teatrais da Cidade participaram e colocaram o cancelamento do Encenação como pauta. Estive nessa reunião não como secretário, mas como produtor cultural e pude explicar os motivos desse cancelamento. Em dado momento foi citado que era uma vergonha cancelar a Encenação. Eu acredito que o termo correto para usar é tristeza. Vergonha é não termos conseguido pagar ainda todas as despesas da encenação de 2015. Como pensar na de 2016?

Amauri mostra registro onde aparece como marinheiro na primeira montagem, em 1982 (Foto: Matheus Tagé/DL)

DL - E houve um consenso em relação aos próximos passos no cenário cultural da Cidade?

Amauri - A conversa foi muito proveitosa. Aparentemente houve um entendimento por parte dos grupos sobre os motivos da não realização. Uma sugestão deles para comemoração do aniversário da cidade foi formatarmos uma semana de atividades culturais, desenvolvidas por esses grupos. A secretaria não tem nenhuma verba para isso, mas irá auxiliar no que diz respeito à liberação de espaço e pessoal para trabalhar. Essa foi uma forma louvável dos artistas se manifestarem culturalmente para celebrar a nossa cidade.

DL - Qual a maior perda da não realização da Encenação?

Amauri - Sem dúvida é esse vazio que vai ficar nas pessoas que aguardam o ano inteiro por ela. É o momento em que essas pessoas são notadas. Durante o ano muitos deles são invisíveis: é a senhora aposentada na rua, o cobrador da lotação... Na Encenação eles estão sob os holofotes e são as grandes estrelas. Imagina a falta que esse processo vai fazer para as pessoas, principalmente nesse momento terrível que o Brasil está vivendo? Não foi o maior espetáculo em areia de praia do mundo que foi cancelado em 2016. O destaque real deveria ser dado para as pessoas que fazem a história dele e ficarão órfãs. Mas é só um momento ruim e vai melhorar.

Reunião

Na próxima quarta-feira, dia 11, às 19h30 haverá uma reunião na sede das Oficinas Culturais Professor Oswaldo Névola Filho, onde os grupos teatrais irão propor um calendário de atividades para a semana de aniversário da Cidade. O endereço é Rua Tenente Durval do Amaral, 72, Catiapoã, em São Vicente.

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