TEATRO COLISEU
Tribunal de Contas do Estado e Ministério Público citam 21 aditamentos no contrato inicial, com sobrepreço que pode ter chegado a 325%
O prazo para entrega do Coliseu à população saltou dos 30 meses estabelecidos no contrato original para 115 meses até a entrega do Teatro de volta à Prefeitura / Igor de Paiva / Diário do Litoral
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Uma investigação que reuniu documentos ao longo de 20 anos chegou à conclusão que a restauração do Teatro Coliseu causou um prejuízo milionário à sociedade santista. O inquérito foi conduzido inicialmente pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e, depois, pelo Ministério Público (MP).
A ação civil pede a condenação de 14 réus e a devolução de R$ 128,8 milhões aos cofres públicos. Entre os acusados por crimes diversos; como dano ao erário, dano moral coletivo e improbidade administrativa; estão os ex-prefeitos Paulo Roberto Gomes Mansur e João Paulo Tavares Papa. No rol dos acusados também consta o atual diretor-presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), Antônio Carlos Silva Gonçalves, mais conhecido como Fifi.
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Segundo o MP, o sobrepreço nas obras foi de 325,78%. O prazo para entrega do Coliseu à população saltou dos 30 meses estabelecidos no contrato original para 115 meses até a entrega do Teatro de volta à Prefeitura. Isso prolongou a obra por um período 383% maior do que o prazo estabelecido na licitação.
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A ação civil pública tramita na 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos desde dezembro de 2017. Nesse intervalo de tempo, cinco juízes e juízas já se debruçaram sobre o processo, a começar por José Vitor Teixeira de Freitas.
Porém, passados seis anos desde o protocolo da petição inicial por parte do MP, um dos acusados pelo suposto prejuízo milionário aos cofres do Município sequer foi localizado para que apresente sua defesa.
Diante da dificuldade em localizar um dos sócios da Construtora Akio Ltda., contratada para a execução dos serviços, restou à juíza Fernanda Menna Pinto Peres citá-lo por edital.
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Essa foi a última movimentação no processo, agora em janeiro, e recorreu a um recurso inusitado em pleno século 21, com a citação do acusado em papel timbrado afixado no saguão do Fórum de Santos, como se fazia no passado. Isso foi preciso depois do envio de cartas precatórias a Salvador, local da suposta residência do réu.
O ‘desaparecido’ é Manuel Seabra Suarez, que era sócio da Construtora Akio Ltda. A última tentativa de citação também foi publicada no Diário da Justiça do Estado. Desta vez, caso não se manifeste nos autos, Suarez se tornará revel no processo. A empresa tem sede na Bahia.
O suposto mau uso do dinheiro do contribuinte e a frustração das expectativas quanto à utilização do equipamento cultural e histórico começou em 5 de fevereiro de 1999. Na época, o então prefeito Beto Mansur autorizou formalmente o primeiro aditamento no contrato de reforma e restauração do Coliseu. A mudança ampliou em 365 dias o prazo para conclusão da obra.
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Desde então, outros 20 aditamentos foram assinados por Mansur e por seu sucessor, João Paulo Tavares Papa. O último foi autorizado em 20 de março de 2006.
PETISTA ASSINOU.
Essas manobras fizeram o valor saltar dos R$ 6,6 milhões firmados no Contrato 375/96 para R$ 21,7 milhões ao final da obra, em 2006. O contrato entre a Prefeitura e a construtora foi firmado no final do mandato do ex-prefeito David Capistrano da Costa Filho (1993/1996) após licitação vencida pela Akio. Filiado ao PT, Capistrano morreu no ano 2000, aos 52 anos.
O problema é que a Lei 8.666/93, que regia as licitações e contratações feitas pelo poder público na época, disciplinava os alongamentos de prazo e os aumentos nos valores. E o limite para os aditamentos estabelecido pela chamada Lei de Licitações era de, no máximo, 50% acima dos termos fixados no contrato original.
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Apesar do freio estabelecido na legislação federal, o próprio Capistrano tomou a precaução de incluir no contrato uma cláusula determinando que o preço do contrato seria “fixo e irreajustável”.
Acontece que o mandato de Capistrano terminou e o contrato passou a ser gerido por seu sucessor, Beto Mansur, e, depois, por João Paulo Tavares Papa. E, segundo a denúncia formulada pelo MP, “foram realizadas diversas revisões contratuais totalmente contrárias ao ordenamento jurídico sem embasamento fático”.
Na inicial, o promotor de justiça Lúcio Camargo de Ramos Junior afirmou que “os aditamentos significaram extrema ilegalidade, pois estenderam demasiadamente o prazo de execução, previram revisões e reequilíbrios em desacordo com a lei e adicionaram obras/serviços acima de 50% do previsto inicialmente, além de desfigurar o contrato original”.
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PROCURADORES ADVERTIRAM.
E, segundo o MP, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) alertou, mais de uma vez, Mansur, Papa e os engenheiros envolvidos que essas transações eram irregulares. O promotor de justiça e a analista do Ministério Público Denise Cacheffo de Paiva juntaram nos autos da ação civil pública cópias desses pareceres jurídicos da PGM.
Os alertas teriam sido feitos pelos procuradores do Município Donato Lovecchio Filho, Ana Lúcia Santaella Megale e Alice Rabelo. Em linhas gerais, os advogados da Prefeitura advertiam que as justificativas para os aditamentos não continham detalhes técnicos necessários.
Os procuradores também antecipavam que os argumentos para as dilações de prazo eram superficiais. E sugeriam a realização de novo processo licitatório capaz de abarcar os serviços supostamente não previstos no contrato original.
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“Tais pareceres jurídicos dão cabal ciência aos requeridos (servidores, secretários municipais e prefeitos) acerca das ilegalidades que estavam cometendo através de aditamentos completamente insustentáveis pela lei”, argumentou o Ministério Público.
Juíza admite prescrição, mas acata ação por 'dano ao erário'
Quinta magistrada a deliberar na ação civil pública que pede a condenação de Beto Mansur, João Paulo Papa, servidores municipais e representantes da construtora que atuaram na restauração do Teatro Coliseu, a juíza Thais Caroline Brecht Esteves acatou, em parte, os argumentos iniciais da defesa.
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Na prática, a juíza acolheu “a preliminar de prescrição” do suposto ato de improbidade administrativa atribuído aos 14 acusados pelo Ministério Público (MP). Assim, a titular da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos rechaçou, de pronto, a análise dessa acusação pelo fato de que as supostas ilegalidades teriam sido cometidas entre 1999 e 2006.
Como ação civil pública só foi protocolada pelo MP em 2017 e a legislação em vigor determina a prescrição dos supostos atos de improbidade administrativa em cinco anos, não havia razão para prosseguir com a acusação. Essa tese foi defendida incialmente pelos advogados de Marcelino Enes de Carvalho Neto e seguida pelos demais advogados que atuam no caso.
A magistrada também rejeitou outro pedido formulado pelo Ministério Público (MP), que pleiteava a indisponibilidade dos bens dos 14 acusados no processo que pede a condenação de todos eles por conta de 21 aditamentos no contrato para as obras do Coliseu. À causa, o MP estipulou o valor de R$ 128,8 milhões.
DANO AO ERÁRIO.
Apesar de acatar parcialmente as defesas dos 14 citados, a magistrada decidiu não extinguir a acusação pelo suposto dano ao erário, que teria sido causado pelos 21 aditamentos no contrato inicial.
“Acolho a preliminar de prescrição da ação apenas em relação aos pedidos de aplicação das sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/92”, resumiu a juíza, autorizando “o prosseguimento do feito em relação à pretensão de reparação do dano causado ao erário público”.
E concluiu: “convertendo a presente ação em Ação Civil Pública para ressarcimento de danos ao erário”.
SUSPEIÇÃO.
Antes, o juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos já havia deliberado contra a tentativa da defesa do ex-prefeito Beto Mansur de colocar sob suspeição o então juiz José Vitor Teixeira de Freitas.
Mas, o próprio Teixeira de Freitas decidiu continuar responsável pelo processo sob o argumento que “o réu Paulo (Roberto) Mansur foi condenado diversas vezes nesta Vara e as sentenças foram confirmadas pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo”.
E prosseguiu: “As execuções (contra Mansur) foram movidas pelos autores das ações e, em algumas, foi necessário o bloqueio eletrônico de ativos financeiros do réu”.
O juiz alegou, ainda, que não havia “qualquer inimizade” de sua parte em relação ao réu: “Trata-se político profissional, conhecido no país inteiro, mas com várias condenações proferidas em primeiro grau e confirmadas até no STJ”. Não satisfeita, a defesa insistiu, mas o agravo de instrumento também foi indeferido.
Defesa diz que obra é motivo de 'orgulho' para réus
Responsável pela defesa de seis dos 14 acusados, o advogado João Fernando Lopes de Carvalho chega a classificar a acusação do Ministério Público de ‘simplista” e afirma que “há uma distância muito grande entre simples irregularidade administrativa (se houver) e o cometimento de ato desonesto”. Segundo a defesa, “a reforma do Teatro Coliseu é obra que dá orgulho a todos aqueles que para ela contribuíram” porque, por meio dela, “a cidade recuperou um prédio de inestimável valor histórico, artístico e cultural”.
O advogado ainda cita que após a entrega definitiva do prédio à Prefeitura pela Construtora Akio, o Coliseu recebeu espetáculos e artistas de destaque na música e na dramaturgia do Brasil durante sete anos, até que precisasse passar por nova reforma. Na avaliação do advogado, essa seria uma premissa de que os trabalhos foram executados com competência.
“A recuperação do Teatro Coliseu foi uma obra trabalhosa, de difícil execução, realizada com enormes dificuldades técnicas e difícil condição financeira, mas sua conclusão certamente se insere no rol das grandes realizações” dos envolvidos, salienta o advogado.
Lopes de Carvalho representa o Escritório Alberto Rollo Advogados Associados e advoga para Beto Mansur, João Paulo Tavares Papa, Antônio Carlos Silva Gonçalves, Carlos Alberto Tavares Russo, José Carlos Silva de Souza e Maurício Uehara.
A defesa também contesta os cálculos apresentados na ação civil pelo Ministério Público (MP). E contratou os serviços de Marco Tulio Tubel, classificado como um “perito contador com larga atuação nesta Comarca, para que fosse realizado o cálculo dos acréscimos contratuais” provocados pelos 21 aditamentos.
Tubel teria sido mais fiel aos números da despesa extra paga pela Prefeitura por ter levado “em conta a inflação decorrida desde a celebração do contrato original até o final de sua execução”.
E, segundo os cálculos do perito, o reajuste total foi de “48,68% do valor original” contratado no final da administração do ex-prefeito David Capistrano.
Esse número contrasta com os valores apresentados na petição inicial do MP, que acusa aditamentos supostamente superiores a 50% nas obras do Coliseu, em desrespeito ao limite nas readequações de preços e prazos previsto na Lei de Licitações.
De acordo com o advogado, o resultado apesentado pelo MP “encontra-se, evidentemente, incorreto, ilegal e injusto”.
E a defesa vai adiante: “o ilustre autor (da ação, no caso o MP) aplicou o tal percentual a contrato firmado dez anos antes, sem se dignar a aplicar a devida atualização monetária sobre o valor originalmente” pactuado entre o Município e a Construtora.
‘SEM PROVAS’.
O advogado também sugere que caberia ao autor a comprovação dos fatos supostamente irregulares que alega: a “petição inicial requer a condenação ao ressarcimento sem apontar, em momento algum, a real ocorrência de prejuízos aos cofres públicos de Santos em decorrência” dos aditamentos realizados.
No duelo de narrativas, o advogado alega que uma eventual nova licitação, como chegou a sugerir o MP, “acarretaria para a Administração Municipal um incremento considerável de custos”. E critica a denúncia, ao afirmar que “em nenhum caso houve a indicação (por parte da Procuradoria do Município) de que o aditamento não deveria ser realizado”.
Portanto, segundo a versão da defesa “todos os aditamentos foram conduzidos de maneira formalmente adequada, com a devida e desinteressada atuação dos agentes públicos, que manifestaram sua opinião técnica a respeito da viabilidade dos atos”.
CULPA DO ALCKMIN.
Lopes de Carvalho também rebate a tese de que a Prefeitura dispunha de recursos para conclusão mais rápida da obra a partir de verbas ‘carimbadas’ repassadas pelo Governo do Estado para as estâncias turísticas, a chamada ‘verba DADE’.
Segundo a defesa, “as verbas vinculadas ao contrato do Teatro Coliseu não foram enviadas pelo Governo Estadual com a velocidade necessária para que a obra pudesse seguir sem interrupções”.
O advogado chega a afirmar que o ex-governador Geraldo Alckmin “notabilizou suas gestões à frente do Executivo Estadual pela dificuldade em cumprir os prazos previstos para a conclusão de diversas obras”. E citou o Expresso Aeroporto, a Linha 5 do Metrô e o Rodoanel como exemplos de atraso nas obras causado por essa suposta demora nos repasses durante as gestões Alckmin.
Réu se diz 'surpreso' e advogados citam 'afronta à moral sexual'
Representantes legais do arquiteto Nelson Gonçalves de Lima Junior, os advogados Aldo Rodrigues de Souza e Luciano Pereira de Souza solicitaram em juízo a improcedência da ação em relação ao seu cliente. Segundo os dois advogados, Lima Junior teria agido “manifestamente de boa-fé” e participado de apenas seis dos 21 aditamentos. Na peça de defesa, os dois advogados traçaram uma linha do tempo que remonta à década de 1920, época da construção do Teatro Coliseu.
A petição foca, detalhadamente, no período a partir dos anos 1970 para derrubar a tese de eventuais danos morais causados pela demora na entrega do prédio à sociedade santista. Desde essa época até o início da restauração, o prédio histórico era uma propriedade particular e palco para exibições de sexo explícito e exibição de filmes pornográficos ao lado da Catedral de Santos.
“A inicial (acusação do Ministério Público) esquece-se de mencionar que o Teatro foi desfigurado a partir da década de 1970 pelos seus proprietários, sofrendo demolições parciais, sendo utilizado para tabelionato, posto de gasolina, centro de compras, restaurante e cinema pornográfico”, resumem os advogados.
E a defesa de Lima Junior fez questão de salientar que a fachada do imóvel “chegou a ostentar cartazes anunciando a exibição de filmes pornográficos, em verdadeira afronta aos costumes e à moral sexual da época, bem ao lado da Catedral de Santos, a poucos metros do Palácio da Justiça e em frente à Praça José Bonifácio”
Os dois advogados que assinam a defesa do arquiteto e servidor público classificam como “involução degenerativa” o que acontecia no Teatro Coliseu nessa fase e citam que o empenho de prefeitos, servidores e construtora representaram um resgate da “dignidade moral e a harmonia arquitetônica do prédio”.
Na avaliação da defesa, a simples remoção dos cartazes ofensivos em plena área central e com grande movimentação de pessoas já permitia à população “usufruir dos benefícios da reforma” e isso descartaria “a pretensão ministerial do dano coletivo” requerido dos acusados pelo MP.
E a petição em favor do arquiteto adota tom crítico em relação à ação civil pública: “Quase duas mil páginas de documentos e nenhuma prova de improbidade”.
Na prática, o processo já conta com quase três mil páginas e a Justiça sequer conseguiu localizar parte dos envolvidos. O último andamento nos autos foi justamente uma nova tentativa de citar um dos réus, em janeiro passado.
FLUXO DE CAIXA.
De acordo com os advogados de Nelson Gonçalves de Lima Junior, o Município teria celebrado com o Governo do Estado, em junho de 1996, o repasse de R$ 900 mil. E isso representaria apenas 13% do valor global da obra, valor que teria sido empenhado em agosto do mesmo ano para o início da restauração do Teatro.
“Quando a obra iniciou havia verba apenas para pouco mais de quatro meses de execução do contrato”, revela a defesa do servidor municipal.
Portanto, para os advogados, na ocasião da assinatura do contrato já “não havia dinheiro suficiente para a Prefeitura dar prosseguimento à obra no ritmo estabelecido pelo cronograma físico-financeiro”.
ESPANTADO E INCONFORMADO.
A Sociedade de Advogados Guerato & Prado, que representa o engenheiro civil Marcelino Enes de Carvalho Neto alega que seu cliente se viu “ extremamente surpreso, espantado e absolutamente inconformado” com ajuizamento da ação civil pública. Em defesa do então procurador legal da Construtora Akio, o advogado André Figueiras Noschese Guerato alega a “manifesta, cristalina e evidente ilegitimidade passiva do requerido”.
Segundo o advogado, não há justificativa para inclusão de Carvalho Neto entre os réus porque ele “não integrava o quadro societário da empresa, tampouco teve alguma iniciativa que contribuiu para os questionados termos aditivos” firmados entre a Prefeitura e a Construtora.
Guerato chega a afirmar que a conduta supostamente danosa do engenheiro civil “sequer foi descrita na petição inicial do Ministério Público” e que o então procurador “era, apenas, funcionário contratado da Construtora Akio, limitando-se a exercer função estritamente técnica, dada a sua formação de engenheiro, sem vinculação alguma com os atos” citados na acusação formulada pelo MP.
A defesa também cita que Carvalho Neto “sujeitou-se a todas as consequências, aborrecimentos, efeitos jurídicos e graves restrições ao seu nome (com efeitos no mercado de trabalho e nas cotidianas relações comerciais” a partir da inclusão de seu nome no rol de acusados.
“Nada mais foi alegado em face (contra) Marcelino Enes de Carvalho Neto, apenas a conduta de rubricar minguados documentos”, protesta a defesa. “Nas milhares de folhas extraídas do inquérito civil, a rubrica de Marcelino foi localizada m apenas uma ocasião”, completa Guerato.