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Quando o teatro troca o palco pela rua

Companhias teatrais santistas ocupam áreas abertas e fazem delas espaços cênicos

Publicado em 01/09/2015 às 17:15

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Rafaella Martinez

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Poucas pessoas frequentam o centro de Santos aos domingos à noite. As ruas, durante a semana ocupadas pelo vai e vem de homens e carros, respiram tranquilas. Um grupo de aproximadamente 40 pessoas aguarda o início de uma apresentação teatral. Sem aviso, uma moradora de rua surge correndo, empurrando um carrinho de supermercado cheio de coisas aparentemente inúteis.

Em outro ponto, um bêbado questiona o banco que teria roubado seu dinheiro. Deus aparece no alto da Prefeitura e uma mulher é violentada diante de nossos próprios olhos. Pouco tempo se passa e várias outras pessoas resolveram acompanhar a movimentação. São aqueles que pararam e ficaram: trabalhadores do porto, crianças abandonadas e usuários de drogas.
Em uma cena épica daquele dia de outubro de 2013, um morador de rua interage com o contexto apresentado e a realidade cruza tão bem cruzado a arte, que ambas se confundem. O que nos separa?

A cena narrada é da primeira apresentação do espetáculo teatral ‘Projeto Bispo – tratados como bichos, comportam-se como um’. O espetáculo “de ruas” como define um de seus atores, tinha como objetivo levar os espectadores a refletir sobre a loucura humana. Na prática, exatamente pelo fato de estar na rua, a peça enxergou a loucura de várias outras formas: os atores já foram ameaçados por autoridades policiais, a produção já foi multada e os espectadores quase foram atropelados. Dificilmente as questões citadas aconteceriam caso o Projeto Bispo fosse um espetáculo produzido e encenado no palco tradicional. “Eu acho que o ator e o espectador precisam estar sob a mesma luz, poucos metros de distância”, afirma o diretor do projeto, Kadu Veríssimo. 

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Há várias diferenças entre o espetáculo de palco e as apresentações de rua. Diferenças além da ausência de equipamento técnico ou cenário, pois envolvem dramaturgia, preparação de atores, entrosamento de cena e linguagem específica.

Além disso, toda a trama pensada depois de muito tempo de ensaio pode ser mudada de uma hora para outra, sem aviso prévio. Fora da caixa, qualquer fator interage com a cena e os atores jamais saberão quais são esses fatores até que eles aconteçam ao vivo e, nesse caso, a resposta precisa ser imediata.

A Trupe Olho da Rua surgiu em dezembro de 2002 com seis integrantes. Cada um investiu R$ 150 e, com o montante, passaram janeiro de 2003 viajando em busca de público. A experiência foi tão benéfica que, no retorno à Santos, a trupe decidiu dar continuidade à ideia, investindo na pesquisa e na linguagem aberta, própria para a rua. “Naquela época, parecia que a população perdia cada vez mais o interesse no teatro de palco, mas percebemos que na verdade, o que estava acontecendo com o teatro tradicional não se refletia nas ruas: lá havia muito público”, afirma Caio Martinez Pacheco, um dos fundadores.

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Grupos teatrais transformam espaços públicos em palco para apresentações (Foto: Eduardo Amaro)

Junior Brassalotti, do grupo Os Panthanas – Núcleo de Pathifarias Circenses acredita que o artista de rua precisa se reinventar a cada minuto para manter a atenção do público. “No teatro de caixa você está protegido, as pessoas foram até lá para te ver, há um respeito. Na rua ninguém te chamou, você está invadindo aquele espaço. A pior coisa no teatro de rua é você formar uma roda e ela ir esvaziando”.

Ambos os grupos citados possuem uma forma diferente da tradicional para criar a dramaturgia que será empregada nos espetáculos: é uma construção coletiva e colaborativa. “Percorremos caminhos diferentes para chegar à dramaturgia. Desde 2008, por exemplo, nossos espetáculos se estendem até a plateia que assume muitas vezes a papel principal”, afirma Caio Martinez.

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Para Brassalotti, a dramaturgia da rua é viva, pois a história está sempre sendo construída.“Transformamos a plateia passiva em algo extremamente ativo. O público pode ser qualquer coisa, mas antes precisamos ter um jogo combinado. A gente sabe para onde quer que a plateia vá, se ela vai ou não depende da nossa competência”.

O conteúdo para rua também não cabe dentro da proposta de um ator convencional. “Na minha opinião, todo ator de rua deveria saber dar um salto mortal”, pondera Brassalotti. Isso porque a carga dos espetáculos a céu aberto exige um preparo físico maior por parte dos atores. Na maioria das vezes, a arte de rua inclui diversas outras vertentes dentro da tradicional: os espetáculos podem ser montados através do circo, da dança e da música.

Outro fator fundamental para o teatro de rua é a linguagem empregada. Por esse motivo, a dramaturgia precisa ser uma maneira de contar uma história com o corpo através do texto para um público popular que na maioria das vezes não tem o costume de ir ao teatro. “É preciso um diálogo aberto para poder falar com todas as classes”, afirma Caio.

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Para quem está na rua, a função do teatro é ser antena da sociedade. Sidney Herzog, do grupo Os Panthanas, acredita que sair de casa para ir até um teatro ainda é algo elitista e que a arte de rua pode mudar uma parcela da sociedade. “Para quem passa por uma praça com uma roda de espetáculos ou um circo armado, aquela praça nunca mais será a mesma para quem viu. Mesmo que não tenha mais nada montado ali, ela tem um outro valor simbólico”.
 

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