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Papo de Domingo

Papo de Domingo: ‘São Vicente aboliu a escravatura antes’

Advogado e historiador Flávio Viana fala dos trabalhos da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB

Publicado em 14/05/2017 às 11:00

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O relatório nacional tem o objetivo de conseguir a condenação internacional do Brasil por crimes contra a humanidade na escravidão / Rodrigo Montaldi/DL

A assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravatura no Brasil, completou ontem, 13 de maio, 129 anos. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por meio de comissões estaduais e municipais busca informações sobre esse período. A ideia é a partir dos documentos produzidos pedir a condenação do Brasil internacionalmente por crime contra a humanidade e proporcionar à população amplo conhecimento da história e cultura do povo negro no país.

Neste Papo de Domingo, o advogado e historiador Flávio Viana, que é relator da Comissao da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da OAB Santos, fala do andamento dos trabalhos do grupo e da descoberta de documentos, na Câmara de São Vicente, a primeira das Américas, que revelam a abolição da escravatura na cidade dois anos antes da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel.

Diário do Litoral - Como estão os trabalhos da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB Santos?

Flávio Viana - Nós tivemos algumas idas e vindas nos últimos uma ano e meio por questões politicas da Ordem, que não vem ao caso, mas são de conhecimento notório, pois a eleiçao para a presidência da OAB Santos não foi tranquila. Mesmo assim, nesse período, saimos de uma simples comissão para uma comissão mais organizada. Montamos um plano de trabalho. Fizemos um projeto de pesquisa da escravidão em Santos, em um nível quase que de mestrado. Temos a orientação de duas doutorandas. Fizemos isso em audiências públicas em que estavam presentes vários seguimentos como da História, Comunicação, Serviço Social e Psicologia.

Diário do Litoral - Como vocês dividiram esse trabalho?

Flávio Viana - A partir do projeto dividimos a comissão em três grupos de trabalho. Um de pesquisa bibliográfica. Outro de ação mais de campo, que vai em busca de material por meio de visitação nos quilombos e sítios históricos e nas instituições conveniadas. O terceiro é um desdobramento da verdade da escravidão e está relacionado com a capoeira, o samba e a religiosidade. Com esses três eixos temáticos queremos descobrir como foi a existência cultural do negro na Baixada Santista, em especial em Santos, especificamente dentro das expressões negras brasileiras e enraizadas, que são a forma de resistência do negro ao aculturamento europeu. O Brasil sempre esteve mais próximo a cultura europeia do que a própria cultura que conta com influência dos negros e dos indígenas. Sabemos mais da história europeia do que a nossa própria história. A história do negro no Brasil pouco aparece nas escolas públicas. 

Diário do Litoral - Quanto tempo vai durar esse trabalho?

Flávio Viana - Seguindo a orientação da OAB Brasil, a comissão tem vida útil de dois anos. Após isso, tendência é que ela se dissolva. A partir da confecção do relatório vamos saber como foi o cotidiano da escravidão em Santos, os crime perpetuados na cidade durante esse período e os possiveis crimes contra os negros após a abolição, na primeira república. A ideia é saber como era a vida da comunidade negra até os dias de hoje e como ela ainda sofre e se sofre as consequências da escravidão.

Diário do Litoral - E o que será feito com esse relatório?

Flávio Viana - o relatório nacional tem o objetivo de conseguir a condenação internacional do Brasil por crimes contra a humanidade no período da escravidão e pós escravidão. Essa condenação poderá colocar o Brasil na berlinda. Em nível municipal pretendemos sair com trabalhos científicos, TCCs, teses de mestrado e doutorado em diversas áreas do conhecimento em todas as universidades conveniadas e parceiras da comissão. Sair também com o tombamento dos quilombos, a delimitação desses territórios, o fomento a pesquisa da história do povo negro em Santos, além de acervo documental e bibliográfico que serviu de base para o relatório que será disponibilizado para consulta e qualquer pessoa poderá conhecer.

Diário do Litoral - Oficialmente há municípios que aboliram a escravatura antes da Lei Áurea? São Vicente seria um deles?

Flávio Viana - Encontrei documentos na Câmara de São Vicente que comprovam essa informação. Produzi artigo científico com esses dados, carecendo apenas de uma instituição que o publique em uma revista científica de História. São Vicente aboliu a escravatura dois anos antes, em 31 de outubro de 1886. A ata da Câmara Municipal e um livro escrito pelo guarda-livros da Câmara, Narciso Vital de Carvalho comprovam isso. Uma proposta do vereador José Elias Amaral, de 14 de maio de 1887, com base na libertação de todos os escravizados na cidade em 1886, solicitou que a atual Rua Tibiriça, na época recebesse o nome de Rua 31 de outubro em alusão a data. A indicação foi aprovada pelos vereadores. O vereador José Lopes dos Santos fala das duas canetas e respectivas oenas utilizadas na assinatura das cartas de liberdade. Diz que os dois objetos não tinham valor naquele momento, mas que teriam valor quando o país tivesse a felicidade de ver retirado o cancro negro da escravidão. Em 1993, o então prefeito Luiz Carlos Luca Pedro incluiu no calendário municipal o 31 de outubro de 1886 como data oficial da libertação dos escravos no municipio.

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