Nilton C. Tristão - O dia 7 se aproxima

Suportaremos por dias, semanas ou meses as escoriações e cicatrizes oriundas dos ataques porvindouros, mas cientes que chegará a hora de vermos o brasileiro dizer não ao fuzil para reafirmar o seu compromisso inalienável com a Carta Magna de 1988

30 AGO 2021 • POR • 11h01
Nilton César Tristão, cientista político - DIVULGAÇÃO

Em artigos passados, propus que a base majoritária de sustentação do bolsonarismo está encrustada em uma classe média inculta, marcada pelo ressentimento, com dificuldades para estabelecer conexões plausíveis diante de eventos históricos e incapaz de conceber linearidade argumentativa que não subverta a relação entre sujeito/objeto ou causa/efeito.

Aliás, foi graças às volúpias verborrágicas do presidente que percebemos a existência da enorme quantidade de cidadãos que manifestam sintomas de distúrbios psicossociais e demais perturbações de origem cognitiva, inclusive com muitos deles próximos à nossa convivência cotidiana. Nesse sentido, podemos discorrer que o vínculo subjacente entre redentor e devoto ostenta comportamento inerente ao complexo edipiano, e a bandeira nacional assume a função fálica dentro da conjuração bolsonarista. 

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Pois bem, no próximo dia sete, dispostos a ultrajar as comemorações da independência, os delirantes prometem tomar as ruas do país para bradar e referendar o “Fantástico Mundo de Jair”, um lugar ficcional onde os adeptos de Messias poderiam desfrutar dos prazeres de uma vida destituída da presença de Ministros de Justiça, Governadores, Prefeitos, Deputados, Senadores, entre tantos que atrapalhariam os desvarios do venerado capitão. 

Todavia, esse universo caricaturado de Woody Allen, jamais se materializará, porquanto as sociedades contemporâneas necessitam de “quadros-sábios” para funcionar adequadamente; staff de sujeitos “cultos, esclarecidos, sofisticados, instruídos em termos intelectuais, cívicos e progressistas”. Ou seja, com quem o Presidente Bolsonaro governaria em condição de exceção? Com os amotinados das polícias militares? Com os pastores evangélicos fundamentalistas? Com os discípulos de Olavo de Carvalho? Com os terraplanistas e defensores da cloroquina no combate à covid? Com os obscurantistas que desejam o retorno do AI-5? Com a versão bolivariana de generais ultradireitistas? 

Em síntese, perante os marcos civilizatórios edificados ao longo do tempo, a vontade por ruptura institucional não passa de uma versão saudosista e tosca do salazarismo. Aliás, o Estado moderno ocidental pressupõe o aprimoramento das liberdades individuais e coletivas, mediante processos de governança providos por especialistas eficientes, vocacionados e inteligentes; de mecanismos amplos de controle do corpo social sobre os poderes da república; do planejamento de metas que apontem na direção do desenvolvimento sustentável; de programas econômicos capazes de incluir marginalizados e resgatar desalentados. Portanto, o bolsonarismo não passa de uma pseudo doutrina inabilitada à formulação de políticas públicas que enrobusteçam o nível da qualidade de vida dos compatriotas e sofistiquem os fundamentos e princípios da dignidade da pessoa humana. 

Por conseguinte, ao fim da pantomima trágica e estridente, presenciaremos dois momentos distintos: 1) a necessidade de compreendermos o que ratificou tal ignomínia, com o objetivo de criarmos mecanismos que protejam o Estado de Direito, através do fortalecimento do regime democrático e sua essência racional e imparcial; 2) a vergonha expressa daqueles que num futuro próximo tentarão ocultar dos filhos, netos, amigos e parentes o fato de terem ajudado a legitimar essa farsa. “O maior erro de um país democrático é subestimar o poder de um líder pró-fascista eleito democraticamente porque é sempre mais fácil destruir um castelo por dentro!”. (Mehmet Murat ildan). 

Após o sete de setembro, suportaremos por dias, semanas ou meses as escoriações e cicatrizes oriundas dos ataques porvindouros, mas cientes que chegará a hora de vermos o brasileiro dizer não ao fuzil para reafirmar o seu compromisso inalienável com a Carta Magna de 1988.

* Nilton César Tristão, cientista político