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Cotidiano

Nepal prioriza ajuda à capital e ignora vilarejos destruídos por terremoto

Sindhupalchowk, no sopé do Himalaia, tem mais mortos do que toda a cidade de Katmandu. Até agora, 1.476, somando apenas os que já foram identificados

Publicado em 30/04/2015 às 13:00

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As ruas da cidade de Chautara, capital do distrito (Estado) de Sindhupalchowk, não existem mais. No lugar, sobraram entulhos de centenas de casas destruídas pelo terremoto que arrasou o Nepal no sábado. Com a dificuldade de se chegar até as áreas no interior do país, pouco se sabia da situação dramática de vilarejos e cidades que nem ficam assim tão longe da capital, mas estavam isolados não apenas pela falta de acesso, mas pela falta de organização do socorro, que foi concentrado em Katmandu.

Sindhupalchowk, no sopé do Himalaia, tem mais mortos do que toda a cidade de Katmandu. Até agora, 1.476, somando apenas os que já foram identificados. Em boa parte de Sindhupalchowk, onde o Estado esteve ontem, não há duas casas lado a lado que não tenham sido destruídas.

Não há luz, a água está acabando. Nos acampamentos, crianças e adultos sobrevivem de biscoitos e macarrão instantâneo comido cru. Dezenas de feridos se amontoam em cobertores no chão, à espera de transferência para a capital. Sem saber para onde ir ou o que fazer, moradores escalam as pilhas de pedras do que um dia foram suas casas para recuperar um pouco do que tinham.

Foi apenas na quarta-feira, quatro dias após o terremoto, que a ajuda internacional começou a chegar a esses distritos. "São mais de 2 mil pessoas vivendo sem nada, o hospital foi destruído. Falta abrigo, não há saneamento adequado, material desinfetante para as mãos, e tabletes purificadores para água", analisou Sajjad Mohammad Sajid, Coordenador Regional de Ajuda Humanitária da Oxfam. A situação pode ficar ainda pior com a chegada de feridos dos vilarejos ainda mais isolados.

Comandante do grupo do Exército que coordena as buscas em Chautara, o major Deepak explica que essa é a parte mais difícil: "Em alguns lugares nem o helicóptero vai. Temos de andar horas a pé para resgatar essas pessoas".

 Nos acampamentos, crianças e adultos sobrevivem de biscoitos e macarrão instantâneo comido cru (Foto: Palani Mohan/British Red Cross)

Os feridos são levados para uma tenda, onde são atendidos pelos médicos que ficaram. Mas sem energia elétrica e equipamentos básicos, tudo o que os médicos podem fazer é enfaixar pernas, braços e cabeças e separar os casos mais graves para encaminhar a Katmandu. Saraswoti Thapa, de 45 anos, acabava de sair da tenda médica com a filha Aruna, de 5 anos. A menina, que caiu ao caminhar pelo acampamento no escuro, levou pontos e teve a cabeça enfaixada. "Não tem raio-x. Temos de rezar para não ser mais nada mais grave", disse o pai.

Em Chautara, praticamente a população inteira, cerca de 8 mil pessoas que vivem nas encostas do Himalaia, não tem mais onde morar. Boa parte foi embora, para a casa de parentes. A maioria vive em tendas, mas sem roupas para enfrentar o frio noturno nas montanhas ou utensílios para cozinhar.

Na tarde de ontem, ajudada pelos homens da família, Rashana Sahi de 25 anos, tentava salvar o possível dos escombros de sua casa. A pilha a seu lado tinha cobertores e travesseiros, uma panela, uma bolsa de roupas. Na sua mão, uma pulseira de pérolas falsas e um pente. "É tudo o que temos. Casa, emprego, tudo se foi", disse.

As autoridades locais estimam que 60 mil casas do distrito tenham sido destruídas, mais da metade da região. Em algumas áreas, a realidade é bem pior. Em uma pequena vila às margens da estrada que leva até Chautara moradores se acomodam em pilhas de tijolos. Nenhuma casa ficou em pé e todo vilarejo está coberto de entulhos. Só ali 183 mortos foram retirados dos escombros pelos próprios moradores.

"Ainda tem mais. Estamos sentindo o cheiro nos escombros, podem ser pessoas ou animais. Estamos fazendo o trabalho sozinhos, mas não conseguimos mais", explicou Chatur Giri, de 56 anos, líder do conselho de moradores do vilarejo. Por ali, a ajuda ainda não chegou. A comida, macarrão e biscoitos, é o que sobrou do estoque de uma das lojas. A água é retirada do rio que percorre o vale algumas centenas de metros abaixo. "A comida vai durar mais uns cinco dias", diz Giri. "Todos passam, mas ninguém para por aqui. Somos invisíveis."

Protestos

Eram 16 horas quando o prefeito de Chautara, Krishna Poudel, tentou entrar discretamente ontem na prefeitura. Não conseguiu. Em minutos, uma multidão enfurecida cercou o local.

Exigiam, aos gritos, que a prefeitura entregasse lonas para tendas que supostamente estariam guardadas - o que não era verdade. Conhecidos pela tranquilidade, os nepaleses estão perdendo a paciência com a resposta tímida e confusa do governo. Pela manhã, centenas de nepaleses cercaram o Parlamento exigindo mais transporte de Katmandu para o interior. Em várias partes do país, moradores de pequenas vilas fecharam as estradas exigindo atendimento.

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