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Tragédia anunciada. Cerca de 300 moradores da Praia do Góes, localizada à margem esquerda do Porto de Santos, no município de Guarujá, correm risco diário de morrer ao despencar de uma altura de aproximadamente 20 metros e se chocar com rochas marinhas encrustadas no pé do morro que separa o local da Praia de Santa Cruz dos Navegantes, conhecida popularmente como Pouca Farinha.
Isso porque a única alternativa é um caminho improvisado, que em certos trechos tem aproximadamente 1,5 metro de largura e 1,5 quilômetro de cumprimento e sofre erosão em função da maré alta e das fortes chuvas, muito comuns no verão, que descem pela vegetação de Mata Atlântica e amolecem o solo.
E não há alternativa. Para estudar ou trabalhar, as pessoas têm que enfrentar o caminho, ainda cheio de pedras roliças, declives, limo e sem qualquer proteção. A passagem é o único acesso à estrutura urbana mais próxima que, apesar de precária, já está consolidada, com escola, posto de saúde, transporte público e outros.
As crianças e adolescentes que moram no local são as que mais se arriscam. Há trechos em que elas, carregando mochilas escolares nas costas, são obrigadas a andar de lado, com as costas voltadas para o morro e rosto para o mar. Qualquer descuido e pronto: se não morrer com a pancada nas rochas, morre afogada. As chances de socorro são praticamente zero.
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Mas a queda não é o único risco que os moradores da Praia do Góes sofrem no tortuoso e perigoso caminho. O percurso, cheio de grandes pedras e vegetação densa, também serve de esconderijo para marginais que assaltam moradores e turistas, principalmente nos finais de semana.
Tentativa de estupro
José Roberto Fernandes mora na Praia do Góes e tem uma filha de 13 anos. Ele fez questão de acompanhar a Reportagem durante o percurso, realizado no início da semana.
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“Se tiver chovendo, todo o cuidado é pouco, pois escorrega muito. Também não há segurança pública. O alvo são os turistas. Já houve tentativa de estupro. Uma menina levou uma facada no braço, mas conseguiu se livrar do agressor. Fico preocupado com minha filha, que vai para a escola na Pouca Farinha”, revela.
Muita gente não está saindo mais do Góes em função da precariedade dos acessos. A comerciante Ercília Gomes Coelho, há 15 anos morando no local, afirma que os riscos são constantes, principalmente à noite, pois o caminho, além de tudo, não é iluminado.
“Idosos não conseguem se locomover. Anoiteceu e choveu acabou, não tem jeito. Além de escorregadio, você tem que andar de lado. Tenho três filhos adolescentes que estudam na Pouca Farinha e se arriscam todos os dias. Imagine se alguém precisa de atendimento médico. Daqui a pouco, só de barco para sair do Góes”, desabafa.
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A idosa Sonia Francisca de Azevedo explica que além da precariedade dos acessos, o sistema de travessia também é ruim. Os atracadouros, segundo conta, são impróprios para idosos e deficientes físicos. O único deck que existia na praia está assoreado e outro (de cimento) inadequado e com pouca segurança. “Minha prima sofreu um acidente na travessia e, até hoje, sofre com dores nos joelhos”.
Represália
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Uma moradora, que prefere ficar no anonimato, denuncia outro problema: a falta de opção de transporte. “Não podemos falar sobre a travessia de barcos porque, se a gente fala, fica bem pior, acontecem represálias. Infelizmente temos que conviver com os maus tratos dos funcionários das embarcações para com os usuários”, afirma.
Ela conta que os barqueiros não cumprem os horários e deixam as pessoas sem opção, tendo que utilizar o morro com risco de assalto ou cair. “Como à noite não tem fiscalização da Capitania dos Portos, durante o final de semana os barqueiros levam mais de 50 pessoas, sendo que o permitido é 25 por viagem. Quem se responsabiliza por uma tragédia?”, indaga.
Outro problema que afeta quem se utiliza das embarcações é o abuso cometido pelos proprietários de barcos de veraneio, que ultrapassam a velocidade permitida no canal do porto e navegam próximo às barquinhas, proporcionando marolas que balançam as embarcações, exigindo habilidade dos condutores para evitar quedas de usuários e colisão com os atracadouros.
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O barqueiro Edimilson Oliveira dos Santos a situação piora nos finais de semana e feriados, quando o movimento no canal é intenso. “O nosso barco balança demais e corre- se o risco de um passageiro cair no mar. Além disso, o nosso barco bate no atracadouro. Já houve casos de entrar água na embarcação”.
Segundo ele, três embarcações fazem a travessia entre Santos, pela Ponte Edgar Perdigão, e a Praia do Góes. Cinco fazem o trajeto com destino à Santa Cruz dos Navegantes, ambas em Guarujá. “As escunas que fazem passeio turístico também sofrem com a irresponsabilidade dos proprietários dos veranistas que possuem lanchas de passeio”.
A vice-presidente da Associação de Moradores da Praia do Góes, Ediléia Silva Gonzales, afirma que, além dos acessos e as travessias, outro problema constante é o excesso de lixo. “Só é recolhido três vezes por semana. Só não fica pior porque um funcionário da empresa de lixo, que mora e trabalha aqui, recolhe o possível. É preciso olhar mais pelo Góes”.
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