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Caso Cuca e a falta de sensibilidade do jornalismo esportivo com as mulheres

A falta de sensibilidade do jornalismo esportivo ao lidar com o antigo caso de violência sexual contra vulnerável envolvendo o técnico Cuca demonstra o tamanho da dificuldade em se colocar num debate tão atual e pertinente.

E a explicação é tão simples, que já inicio esse espinhoso artigo com ela.
O jornalismo esportivo é majoritariamente formado por homens e a presença feminina não é bem-vinda e, mais do que isso, a mulher é vista como uma vilã no futebol.

O caso Cuca é autoexplicativo. É um exemplo dessa visão da figura feminina como inimiga. O fato de Cuca ser condenado por ter violentado uma menina de 13 anos na Suíça, é usado por alguns como algo que “atrapalha” a vitoriosa carreira do treinador, campeão de Libertadores, Brasileiro e tantos outros títulos.

Para grande parte da mídia, o estupro é um fator que deveria ser colocado em 2º plano na hora de escolher por um profissional tão qualificado no que faz. Estamos falando de futebol, bola na rede, títulos. Não de violência contra a mulher. Isso é assunto para outra esfera. Não deixemos que isso atrapalhe a vida de Cuca, já que a história tem mais de 30 anos e o crime prescreveu - sem que o treinador cumprisse a pena na Suíça - e muito menos atrapalhe a vida de um time de futebol que só quer ver a bola estufando o barbante e ouvir o grito de gol da torcida.

Afinal, uma coisa é a vida. Outra é o futebol, um mundo criado e construído por homens, muito mais importante e, até então, perfeito até a chegada dessas mulheres terríveis.

Culpado o Cuca? Culpada é a menina de 13 anos, que segundo o próprio treinador, aparentava ter mais de 18. Oras, cada um que arque com aquilo que cativa.

Sim. Ao longo dos últimos anos foi assim que o jornalismo esportivo no Brasil contou esse tenebroso caso envolvendo o estupro de uma menina de 13 anos e alguns jogadores de futebol, entre eles Cuca.

Alguns poucos leitores dessa coluna, não tão interessados em futebol, mas interessados no que eu tenho a dizer, podem me perguntar: “mas esse caso veio à tona apenas agora?”, levando em conta que o nome de Cuca é bastante falado há quase duas décadas como treinador de elite no Brasil. E a resposta é: não. O caso foi amplamente abordado em vários períodos. Desde o acontecimento, até o julgamento e a condenação, entre 1987 e 1989.

De lá pra cá, mesmo condenado, Cuca continuou sua carreira como jogador, depois como treinador, e coleciona passagens pelos maiores clubes do país, participações em programas esportivos, amizades com jornalistas e prestígio. De uns anos pra cá, com o avanço tardio e ainda tímido das mulheres no futebol, a história foi ficando mais incômoda. 30 anos depois, nunca se falou tanto do caso de estupro. Ainda assim, Cuca ganhou pelo Palmeiras, pelo Atlético e fez milagre no Santos. O silêncio dos torcedores desses clubes gritou mais alto que um estádio lotado em uma final. Nunca houve protesto.

Entre momentos de mais debates sobre o terrível caso e outros de menos alarde, parte da torcida do Corinthians se mostrava orgulhosa de não ter Cuca no hall de treinadores da equipe. O time do povo, da democracia corintiana, do respeita as minas. Mas o Timão é tocado por homens e homens no futebol só querem saber como se vence e não como se vive. É apenas sobre a vitória a todo custo. Para o torcedor, nada é mais importante do que vencer. E se todo jornalista esportivo antes de tudo foi um torcedor, a cultura da vitória a todo custo também está ali. Só o sucesso importa na análise. “Olha. É lamentável que uma menina de 13 anos tenha cruzado o caminho de Cuca. Mas ele é capaz de fazer o Corinthians vencer de novo.” E só isso importa.

Não sei exatamente quando eu fiquei sabendo do caso, talvez tenha aí uns 7 anos. De lá pra cá, já achei graça da maneira como Cuca tem suas superstições, já elogiei trabalhos realizados por ele e até sugeri que fosse o próximo técnico da seleção. Repito: já sabendo que Cuca havia sido condenado por estupro.
O que me fez mudar foi apenas a insistência daquelas que não deixam cair no esquecimento. Não por Cuca, que nunca cumpriu e nem cumprirá a pena. E Muito menos teve ou terá a carreira destruída. Todas as jornalistas que insistiram em não deixar que nós esquecêssemos do caso fizeram isso por elas, pela menina que hoje é uma mulher e pelas próximas que virão.

Sobre Cuca a solução não existe mais. Tivesse cumprido a pena, poderíamos estar falando de alguém que pagou pelo que fez e obteve o sucesso mesmo assim.

Cuca pode continuar ganhando tudo. Para alguns será o suficiente. Para outros, mulheres principalmente, sempre ficará a impressão que o treinador deve algo.

Cuca é só um sintoma de um mundo paralelo que quer continuar odiando e aniquilando mulheres. O nome dele é futebol.

*foto: Rodrigo Coca/Ag.Corinthians

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