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Cotidiano

Zabelê resgata a cultura popular em Cubatão

Grupo cultural cubatense mantém o jongo, dança de origem africana que influenciou na formação do samba

Rafaella Martinez

Publicado em 12/02/2017 às 11:01

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Na sala que ocupam em uma escola do Casqueiro, Marco Tuim e Juliana Clabundi ressaltam o trabalho de fortalecimento de identidade cultural realizado há oito anos / Rodrigo Montaldi/DL

Com o nome que remete ao pássaro originário do Nordeste e que, com o piado forte, é capaz de aglutinar pessoas, o Grupo Zabelê de ­Cultura Popular atua há oito anos em Cubatão, tendo como principal ­objetivo a difusão da cultura popular e o fortalecimento da identidade cultural dos moradores da região.

“Começamos como um grupo de brincantes que se apresentava na praça e fazia manifestações de cultura popular aos finais de semana. Com o tempo, percebemos que isso era uma ferramenta de articulação com a comunidade e fortalecer elos”, pondera a coordenadora cultural Juliana Clabunde.

As apresentações nas praças da cidade renderam, além de uma maior ligação com a cultura popular, uma aproximação com os moradores da Vila dos Pescadores, que utilizam a maré para se divertir. “Chamamos os meninos para começarem a tocar e adotamos a Vila como nossa comunidade. Começamos um mapeamento de memórias e notamos que muitas pessoas do bairro tinham conhecimento de manifestações populares. Lá conhecemos, por exemplo, netas de fundadores de maracatus rurais de Recife”, afirma.

De Ciranda ao Cacuriá, passando pelo Coco e pelo Cavalo Marinho. Dos batuques do Maracatu até o jongo. Foi trabalhando com a bagagem de herança cultural dos moradores da Vila dos Pescadores que o Zabelê reinventou o fazer cultural mesclado com a cidadania e o fortalecimento de vínculos comunitários.

“Juntamos as memórias, as referências de migração e o que a gente conhecia das manifestações, e começamos a fazer algumas obras artísticas que questionavam a forma como as pessoas se relacionavam com as próprias histórias e heranças culturais. Começamos a perceber a relação afro-brasileira dessas pessoas. Essa relação vinha maquiada com o colorido do nordeste, mas tinha raiz na escravidão”, pondera o presidente da associação, Marco Tuim.

Ele mesmo teve um encontro com o passado no processo. “Descobri que minha bisavó Maria Liberata, a avó Bia, havia sido a primeira ama de leite e parteira negra da cidade. Pelas mãos dela muitas crianças nasceram em Cubatão. Foi uma surpresa e, ao mesmo tempo, uma confirmação chegar à Vila e ver seu nome na creche que fica na entrada do local. Percebi que era como se fosse missão continuar o que começou pelas mãos dela: cuidar das crianças e ensinar as raízes”, conta emocionado.

De pele negra e com cabelo rastafári, Tuim ressalta a ligação e a reverência aos ancestrais ao usar o pronome ‘nós’ ao falar sobre o sofrimento dos escravos, em diversas ocasiões da entrevista.

“Quando eu toco jongo, eu respeito como se eu tivesse fazendo lá trás. Eu respeito o processo de memória, respeito a roda e os pontos. É como se eu voltasse no passado e me visse como um daqueles escravos. Não dá para explicar”, finaliza.

Nos pontos do jongo, o legado de luta

Uma das contempladas pelo prêmio de Boas Práticas de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Iphan e considerada como uma das doze comunidades jongueiras do Estado de São Paulo, o Zabelê resgata a tradição da dança brasileira de origem africana que influenciou na formação do samba.

No processo de descoberta do jongo o Zabelê descobriu, em Cubatão, documentos históricos que ressaltam que existiu, no Largo do Sapo, um batuque tocado a três tambores, em roda. Ao centro, a mulher e um homem, sempre em casal. Um homem tirava o outro, na dança que era semelhante a uma umbigada. “Isso é basicamente a tradução do jongo”, afirma Juliana.

A dança surgiu nas senzalas como uma forma dos escravos se comunicarem. “Eu não poderia falar com a Juliana e nem sorrir, apenas trabalhar e apanhar. Através dos pontos (como são chamadas as músicas do jongo) eles dobravam os senhores do engenho. O perfil do jongo é muito forte, pois é como ele começou e se manteve. Uma forma de codificar a conversa através dos cantos e ter uma vida um pouco melhor dentro daquela situação da escravidão. Ele deu o compasso para que hoje houvesse o samba e outras tradições”, ressalta Tuim.

Mantendo a tradição trabalhando em sintonia com o Jongo do Tamandaré de Guaratinguetá (que é a primeira comunidade jongueira do Estado de São Paulo), o Zabelê coloca os mestres como referência, pois, de acordo com os entrevistados, não tem como objetivo pasteurizar uma manifestação e fazer ela apenas pela estética.

Artesanato e raiz. O Zabelê entende que é preciso estar nas comunidades para fazer sentido. Por esse motivo, ocupa duas salas de aula da Escola Municipal Manoel da Nóbrega, no Casqueiro. Lá, entre estandartes e figurinos, estão guardados os instrumentos confeccionados pelos próprios integrantes de modo artesanal e que carregam em si um grande significado de vínculo com os ­ancestrais.

“Os tambores são feitos com troncos de árvores escavados, cobertos por pele de cabra. Para tocar usamos também um galho de goiabeira. Em alguns casos, também usamos barris de vinho que passam pelo mesmo processo de serem cobertos por couros de animais, fixados por pregos ou amarrações em cordas”, destaca Tuim.Nas apresentações  o grupo conta a tradição através do teatro e do poema, para que exista ­entendimento.

“A roda do jongo é coisa séria, ela transforma. Quando você passa pela festa tradicional, que dura 12 horas, você percebe algo diferente dentro de você. É questão de entender aquelas energias e a questão da espiritualidade, que vai além de denominações religiosas. É questão de perceber como existem relações que vão além do que é material: relações de sinestesia, tato e afeto. Temos que cuidar disso. Temos liberdades artísticas quando nos apresentamos fora das comunidades, mas é nosso dever e missão respeitar a tradição”, finaliza.

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