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Cotidiano

Papo de Domingo: ‘O papel da fotografia é abrir janelas de diálogo’

Fotógrafo santista Alyson Montrezol fala sobre o potencial do registro fotográfico de retratar diferentes culturas e servir como registro histórico de uma época

Rafaella Martinez

Publicado em 21/08/2016 às 10:30

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'A fotografia tem sido uma grande tradutora. Uma ponte capaz de me aproximar de outros mundos dos quais eu não teria como me aproximar se não fosse ela' / Rodrigo Montaldi/DL

Alyson Montrezol descobriu a arte de contar histórias com as imagens enquanto cursava a faculdade de Publicidade e propaganda. Os estudos que tiveram início no ambiente universitário ganharam corpo após a conclusão do curso. Amante da área de antropologia visual ou, em outras palavras, a possibilidade de retratar culturas por meio da imagem, Montrezol dirige, desde 2002, a produtora de audiovisual Phanton Films. Seu trabalho mais recente, “Dignité: O Direito Humano à Educação no Haiti”, retrata a questão da educação no Haiti.

Na semana onde é comemorado o dia mundial da fotografia, o Diário do Litoral conversou com o fotógrafo que tem pautado seu trabalho na questão dos refugiados.

Diário do Litoral – Quais as mudanças que o segmento passou nos últimos anos?
Alyson Montrezol
– A sociedade mudou, bem como a nossa relação com a tecnologia. O fato de hoje todo mundo ter uma câmera fotográfica no bolso e o celular poder fazer fotos relativamente boas, fez com que as pessoas se aproximassem do mundo da imagem. Enquanto nascem muitas pessoas que fotografam, isso não quer dizer que todo mundo é fotógrafo. Isso não quer dizer que todos pensem na imagem e investiguem os níveis mais profundos de interpretação e leitura da imagem. Nos últimos anos estamos ainda tentando nos entender como sociedade. Em como a imagem está mudando as nossas vidas ou será que é a nossa vida que está mudando as nossas imagens? Acho que essa é a discussão do momento.

Diário – Qual a sua opinião sobre essa discussão?
Alyson
– Há uma frase que diz que ‘a imagem é o sintoma do mundo’. Eu concordo com essa teoria. Muitas pessoas criticam, por exemplo, que as imagens das redes sociais são muito voltadas para a futilidade. Mas será que a imagem é o problema ou quem produz a imagem é que está interessado verdadeiramente nesse assuntos? A imagem é um sintoma. O que deve ser tratado é o pensamento e a reflexão que está por trás da ­imagem.

Diário – Como é retratar apenas com o olhar realidades diferentes?
Alyson –
A medida que eu fui mergulhando no mundo da imagem eu fui entendendo que a fotografia, na verdade, é a ponte. O que me interessa especificamente é a fotografia documental, ou seja, as pessoas. A fotografia tem sido uma grande tradutora. Uma ponte capaz de me aproximar de outros mundos dos quais eu não teria como me aproximar se não fosse ela. Gosto de pensar dessa forma, pois tiro o peso técnico e dou peso ao que realmente interessa.

Diário – E dentro dessas vivências está a experiência no Haiti, por exemplo?
Alyson
– O projeto começou em 2009 quando um amigo me pediu ajuda para produzir um audiovisual sobre o país, que já era o mais pobre das Américas. No início de 2010 aconteceu o terremoto. Fomos imediatamente para lá e começamos o processo. A partir daí, minha cabeça mudou. Percebi que não queria fazer apenas uma viagem. A troca com as pessoas é o que eu carrego para a vida. Eu não tenho interesse de supervalorizar a pobreza e vender essas imagens como um estandarte da miséria. Minha intenção não é maquiar a situação difícil em que eles vivem, mas prefiro pensar que são pessoas. Quero estar perto deles e me conectar com esse mundo e com outros mundos.

Diário – Parte do seu trabalho recente é voltado para a questão dos refugiados. O que você pretende com isso?
Alyson
- Meu último trabalho foi com refugiados ruandenses. Foi incrível pois, 20 anos depois de um dos maiores genocídios que a humanidade já viu, em Ruanda, eu encontrei pessoas sem esperança e sem perspectivas. Sem nada e a única coisa que eu tinha a oferecer para elas era a imagem. Nesse projeto, do qual eu participei com um coletivo fotográfico, eu fiz retratos de família e entreguei para eles. São famílias que perderam tudo e andaram por três anos no meio do mato, viajando os países a pé. Uma das coisas que eles perderam nesse processo foi a identidade em termos de sociedade. Eles não têm mais fotos. Se uma família de refugiados deixar de existir, não existe comprovação de que eles passaram pela Terra. Parece estranho dentro do nosso universo das selfies, mas tem muita gente que pode ser apagada da história. A única coisa que eu podia fazer, de forma muito simples, era entregar alguma coisa. E isso me deu medo, pois com tantas necessidades eu iria simplesmente aparecer e entregar uma fotografia. Eles acharam incrível e eu certamente sai mais beneficiado. Hoje sei que quero fazer algo pelos refugiados e a fotografia é a ferramenta que tenho para isso.

Diário – O registro fotográfico pode ajudar a mudar a sociedade?
Alyson –
Não acho que a fotografia tenha um caráter redentor. Ela não salva ninguém. Me perguntaram isso no Haiti. Eu respondi que meu filme não muda nada. Eu apenas abro janelas para que eles falem. O que muda o mundo são as pessoas e eu espero com meus filmes chegar até as pessoas.

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