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Cotidiano

Consciência onde uma vida negra é silenciada a cada 23 minutos

Desde 2003, quando foi inclusa no calendário escolar, o Brasil celebra o Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro

Rafaella Martinez

Publicado em 20/11/2017 às 10:30

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Personagens representam um universo de mais de 111 milhões de pessoas / Rodrigo Montaldi/DL

Marco. Ronaldo. Ruth. Samara. Quatro personagens de um universo de mais de 111 milhões de pessoas - o equivalente a 53,6% da população brasileira. O número expressivo ressalta também o tamanho das barreiras educacionais e sociais no país: em 2015, apenas 12,8% dos negros entre 18 e 24 anos chegaram ao nível superior e 80% ganhava menos de dois salários mínimos.

Os dados evidenciam também a desigualdade social gerada pela cor da pele, latente ainda em 2017: negros são três quartos da população mais pobre e a chance de um adolescente negro ser assassinado é três vezes maior do que a de um jovem branco. Desemprego e trabalho infantil são maiores para esse grupo. A taxa de analfabetismo também.

Samara, Ruth, Ronaldo e Marco são personagens de histórias distintas e que se cruzam no Brasil que silencia uma vida negra a cada 23 minutos. No Brasil onde a consciência não pode ser tratada apenas como uma data no calendário - instituída em homenagem à morte de Zumbi, o último dos líderes do Quilombo dos Palmares.

Desde 2003, quando foi inclusa no calendário escolar, o Brasil celebra o Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro, data que ainda é necessária para refletir sobre o racismo e o preconceito velado na sociedade, 129 anos após o fim da escravidão.

Para o poeta e militante social Ronaldo Pereira, o nome da data já tem uma conotação preconceituosa. “Saudamos e reconhecemos esse dia em homenagem a zumbi. Mas o Brasil é o único país no mundo que usa o termo ‘negro’. Tudo o que é negro nos remete a coisas ruins: a lista é negra, denegrir a imagem de alguém é ruim e o lado negro da força é o pior lado. Quando falamos em consciência, precisamos refletir sobre tudo aquilo que falamos sem nos dar conta do significado”, afirma.

A visão é semelhante a do artista plástico e educador Marco Tuim. “Quantos pretos não falam piadas de cunho racista ou empregam expressões como: ‘amanhã é dia de branco’ sem notar o que está falando?”, pondera.

Ronaldo acredita que o negro está sempre atrás da cortina em um contexto onde não há pretos no Legislativo Santista e onde o grupo ocupa menos de 10% de cadeiras na Câmara dos Deputados. “O porteiro preto se incomoda quando um preto mora no prédio de luxo. Ele foi condicionado a se incomodar com isso. O policial preto que mora na periferia é condicionado a achar que o preto favelado é marginal. Eu aprendi na escola a história da Europa e não a história da África: o preconceito está impregnado em tudo”, conta.

Tuim acredita que é preciso despertar, principalmente por meio da educação, uma consciência humana. “O racismo nunca acabou. Ele está aqui agora, velado. A minha certidão de nascimento dizia que eu era pardo e eu usava isso para me defender na escola quando as brincadeiras começavam. Só o conhecimento e a descobertas das minhas raízes me fizeram ter orgulho da melanina na minha pele e passar, principalmente pelo ensino da cultura afro-brasileira, esse orgulho para outras pessoas”, afirma. Ele é um dos fundadores do Grupo Zabelê de Cultura Popular, que atua na Vila dos Pescadores, em Cubatão.

Ele ressalta, no entanto, que  episódios como o que acontecei recentemente envolvendo um consagrado jornalista - gravado quando estava fora do ar - são comuns e recorrentes, principalmente nas grandes instituições. “Infelizmente muitos jovens desistem de cursos em universidades públicas por pressão de professores. Para quem é preto, o ato de resistir é natural”, conta.

Luta

Samara Faustino, presidente da Associação dos Cortiços do Centro de Santos, vivencia há anos os barreiras impostas aos menos favorecidos: a população que forma o grupo 10% mais pobre, com renda média de R$ 130 por pessoa na família, continua majoritariamente negra.

“É uma data de tristeza, pois acho que estamos voltando a um período de escravidão. Tivemos avanços sociais importantes, mas parece que nos últimos anos todas as conquistas estão indo embora. A população pobre tem cor, mas não tem voz e não tem voto, porque não tem estudo”, afirma Samara.

Integrante da velha guarda da X-9, Ruth Lázaro, de 85 anos, acredita que apesar dos obstáculos a sociedade está evoluindo na garantia de direitos e no fim do preconceito racial. “Era muito mais forte no passado. Continuo atuante no movimento negro, porque acho que é uma luta para a vida toda. Mas hoje luto feliz pelas conquistas que tivemos ao longo dos anos”, finaliza.

Estatísticas

Todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados. São 63 por dia. Um a cada 23 minutos. Desemprego e trabalho infantil são maiores para esse grupo. A taxa de analfabetismo também.

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