São Vicente

Parentes de presos afirmam que CDP de SV ainda viola os Direitos Humanos

Eles revelam situação dramática e reincidente em cárcere vicentino; há dois anos, Defensoria fez relatório sobre detentos

Carlos Ratton

Publicado em 27/03/2023 às 07:00

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Com capacidade para cerca de 850, CDP vicentino geralmente abriga o triplo de detentos, que estão com direitos humanos violados / Nair Bueno/DL

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Os centros de Detenção Provisória (CDPs) do Estado de São Paulo deveriam, como a definição preconiza, servir como local de passagem temporária de presos até as penitenciárias, até porque não foram julgados e condenados. No entanto, não é exagero comparar a situação do CDP Luís Cesar Lacerda, em São Vicente, aos piores cárceres brasileiros - água racionada, comida estragada, represálias, castigos, atendimento médico precário, medicamentos inexistentes e até negados, entre outros problemas. Nem os familiares estão sendo respeitados.

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O pior é que a situação não é novidade para os leitores do Diário do Litoral. Entre abril e junho de 2021, o jornal fez uma série de reportagens sobre violação de Direitos Humanos no CDP vicentino. E foi a série que, esta semana, estimulou mães, esposas, irmãs e filhas de presos a pedirem ao Diário uma nova reportagem, por não aguentarem mais o que vem presenciando.

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A Reportagem resolveu preservar o nome delas por acreditar que a identidade serviria apenas para que os parentes encarcerados fossem identificados e ainda mais penalizados, visto que tudo piorou nos últimos dois anos. Elas reconhecem os erros cometidos, que o cárcere não pode ser como 'hotéis cinco estrelas', mas também não aceitam o martírio, principalmente sem condenação definitiva.

REMÉDIO E COMIDA.

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"Muitas coisas acontecem que só nós que visitamos é que sabemos. O lugar é abandonado. Também somos maltratadas. Medicação só com receita junto. Mas como obtê-la se a consulta periódica é negada? Tem preso que espera até três meses para ter um remédio. Só com muita luta e muita humilhação é que os presos são levados para pronto socorro. Comida é servida estragada e não é difícil ter caco de vidro, pata de barata e plástico. Até dente já foi encontrado no prato", revela a filha de um
detento.

Ela conta que os funcionários tratam os familiares "como se fossem criminosos". Quando chove, molha mais dentro das celas do que fora delas. "Tudo isso que estou relatando são coisas que passei por lá e vi meu pai passando também. Meu pai chegou lá pesando 110 quilos e hoje pesa 54", completa.

Outra entrevistada informa que possui mais de um parente no CDP vicentino e todos sofrem maus tratos. Ela reforça que a comida chega com cocô de pombos e pedaços de gilete. "Os presos tem que checar muito antes de comer. Remédios não são entregues. Muitos presos com fraturas, luxações e lesões precisam urgente de ortopedistas. As goteiras molham os colchões e muitos dormem molhados. Outros nem dormem", conta.

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Problemas de pele são comuns, como sarna. Os cobertores são insuficientes e coletivos. "É comum cortarem a energia propositalmente para castigar os presos, que têm que tomar banho frio sob qualquer temperatura ambiente. Sei que todos cometeram erros, mas ainda são seres humanos e não foram julgados e condenados. Estão sendo tratados como lixo".

UMIDADE.

"As coisas até pioraram depois das reportagens. A superlotação continua. São 40 numa cela suja e úmida que cabe no máximo 10. Os problemas respiratórios são comuns. Os treinos dos cães são em cima dos presos. Os agentes adotaram padrões próprios e não seguem os procedimentos da SAP (Secretaria de Assuntos Penitenciários) para a entrada de alimentos, por exemplo. Se reclamamos, o preso é retaliado. O Projeto Conexão Familiar não é realizado, pois a família é maltratada como se crime cometesse", informa a irmã de um preso, que acredita que o CDP é um dos piores do Estado em termos de desrespeito aos Direitos Humanos.

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CASTIGO.

Outra revela que o irmão vive numa "caverna, num chiqueiro. Geralmente, depois que uma reportagem sobre a situação é publicada, os presos pagam um preço. O castigo é imediato: dias sem comida, sem água, banho e obrigação de ficar sentado no sol só de cuecas, entre outros maus tratos. Dormem três nas chamadas catacumbas (camas). Presos sem famílias ficam no sol e chuva em dias de visita para abrir espaço. Não há como recuperar ninguém. Não existe humanidade lá".

Defensoria e OAB já haviam constatado situação

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Em 2021, a Reportagem teve acesso exclusivo a um relatório do Núcleo Especializado de Situação Carcerária (Nesc), que embasava uma ação judicial de pedido de providências da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, dando conta da falta de assistência médica e, principalmente, da total violação de Direitos Humanos, envolvendo os presos provisórios da unidade na ocasião.

O CDP vicentino só comporta cerca de 850 presos com celas com 12 camas, mas geralmente mantém o triplo encarcerados. Numa inspeção realizada há dois anos, o defensor Mateus Oliveira Moro e as defensoras Gabriele Estabile Bezerra e Amanda Grazielli Cassiano Diaz chegaram a definir que além das violações de direitos coletivos e individuais, o CDP proporcionava condições 'animalescas'.

Eles elencaram pelo menos 121 casos de presos que necessitavam de assistência urgente e pediam que a Corregedoria do Estado obrigasse a direção do CDP a provar o atendimento aos presos.

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A equipe já havia detectado falta total de medicamentos, artigos de higiene, de reposição de colchões, situação que possibilita a proliferação de doenças de pele. Também severo racionamento de água. Com a descrição e fotos dos casos urgentes, o documento produzido pela Defensoria era estarrecedor.

Presos com hérnia de disco e genital; tuberculose; infecção de pele; sífilis, com feridas imensas e infeccionadas; HIV; necessitando de bolsa de colostomia; com ossos quebrados e pinos expostos; hepatite, água no pulmão, úlcera, catarata; furúnculos; com coronavírus e vários outros problemas psicológicos e até psiquiátricos.

OAB.

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Além do relatório da Defensoria, na mesma época, os advogados Rui Elizeu de Matos Pereira (comissão de Assuntos Penitenciários) e Ricardo Monsores (Direitos Humanos) da OAB Vicentina, em um trabalho paralelo, entrevistaram familiares dos presos e elencaram outros problemas graves, como uma cela de castigo, nos moldes das antigas solitárias.

Entre eles também descobriram alimentação reduzida e precária - arroz, feijão e uma salsicha - contendo vidro, caramujos, pontas de cigarros, gilete, fezes de aves e azeda. Até "Fila da Doação", em que ossos, cascas de bananas e outras sobras são redistribuídas para os que continuavam com fome.

Por conta do desligamento de fornecimento de água, muitos presos usam vasilhames de água sanitária, sabão líquido e produtos químicos perigosos para armazená-la e, posteriormente, consumi-la. Muitos também não recebiam comida como forma de castigo.

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Estado se defende

A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informa que se pauta pelo respeito e dignidade no tratamento das pessoas presas e de seus familiares e que a alimentação é preparada pela penitenciária vizinha e pelos próprios presos, além de passar por rigoroso processo de verificação de qualidade pelos funcionários. Não há racionamento de energia e água. Todos recebem produtos de higiene para limpeza do local. É entregue kit com creme dental, escova, sabonetes, barbeador e papel higiênico.

Nas visitas de familiares, quem não recebe ninguém tem acesso às celas que ficam abertas. E canil da unidade localiza-se em ambiente sem contato com os presos. Revela que segue a Resolução 130/2022 (medicação apenas com receituário). Para emergência, o reeducando é levado ao pronto socorro mais próximo. A unidade possui uma enfermeira e um médico. O CDP opera abaixo da capacidade - 807 presos. A unidade passa por obras, (alvenaria, pintura e elétrica). Sobre a troca de e-mails, o serviço opera normalmente.

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