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Em meses, Coaf vai de ícone anticorrupção a órgão esvaziado

A reportagem não conseguiu contato com Moro, que está de licença e em viagem, segundo sua assessoria.

Folhapress

Publicado em 21/07/2019 às 17:21

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"O país precisa de uma agenda anticorrupção", disse Moro a jornalistas. / José Cruz/Agência Brasil

Em 1º de novembro de 2018, o então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, embarcou num voo em Curitiba com destino ao Rio para conversar com o presidente recém-eleito Jair Bolsonaro (PSL) sobre um possível ministério.

A imprensa noticiara na véspera que Bolsonaro lhe ofereceria uma superpasta, na qual previa juntar as estruturas de Justiça, Segurança Pública e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

"O país precisa de uma agenda anticorrupção", disse Moro a jornalistas.

Começava um período de exaltação do Coaf, apontado por bolsonaristas como essencial para o enfrentamento dos crimes de colarinho branco.

Àquela altura, era desconhecido o relatório do órgão que revelaria movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, filho do presidente.

Em janeiro, em seu primeiro ato na Presidência, Bolsonaro editou medida provisória que reorganizou a estrutura da administração, passando o Coaf, até então no Ministério da Fazenda, para o guarda-chuva de Moro, na Justiça.

A mudança encontrou resistência no Congresso, que precisava aprová-la. Durante audiência na Câmara, em maio, Moro defendeu a manutenção do órgão sob seu comando.

Simpatizantes do governo inundaram as redes sociais com mensagens em defesa do Coaf, mas os apelos não surtiram efeito. No final de maio, o Senado devolveu o Coaf para o Ministério da Economia, impondo derrota a Moro.

O vaivém não paralisou o órgão. De 1º de janeiro a 30 de junho, o Coaf fez, segundo dados oficiais, 4.450 RIFs (relatórios de inteligência financeira) com indícios de crimes que foram enviados a autoridades responsáveis pela investigação, como Ministério Público e Polícia Federal.

A virada veio na última segunda (15), em resposta a um pedido de Flávio Bolsonaro -agora senador investigado no Rio sob suspeita de desviar parte dos salários dos funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa.

Atendendo à defesa do senador, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, determinou a suspensão de todas as investigações e ações penais pelo país que tenham usado dados detalhados de órgãos de controle -Receita Federal, Banco Central, Coaf- sem autorização judicial prévia.

Todos os casos com essa característica, incluindo o de Flávio, devem ficar parados até o plenário do STF decidir sobre a possibilidade de órgãos de controle compartilharem informações com o Ministério Público, para fins penais, sem aval da Justiça. O debate está previsto para 21 de novembro.

Para Toffoli, o repasse sem autorização judicial deve se restringir a dados globais, como nome e valor movimentado em determinado período. Maiores detalhes, como hora, data e local, exigem autorização do Judiciário.

Um dos problemas é que, segundo procuradores ouvidos reservadamente, o Coaf trabalha com operações específicas sobre as quais haja suspeitas, e não com dados globais. Investigadores veem esvaziamento do conselho se o Supremo limitar demais os dados de seus relatórios.

Uma das bolsonaristas mais ativas nas redes sociais, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que fez campanha para o Coaf ficar com Moro, desta vez deixou de comentar a decisão de Toffoli na internet. Procurada, ela disse à reportagem que não havia tido tempo de analisar o tema e em seguida enviou uma nota.

"Se houve ilegalidade na investigação de Flávio Bolsonaro, que se suspendesse a investigação do caso questionado. Nada justifica que o ministro Toffoli estenda a decisão, suspendendo centenas de investigações sobre lavagem de dinheiro no Brasil", declarou. Em maio, Zambelli escreveu que "a permanência do órgão no âmbito do Ministério da Justiça é condição essencial ao combate à corrupção no Brasil!"

A reportagem não conseguiu contato com Moro, que está de licença e em viagem, segundo sua assessoria.

Questionado na sexta sobre eventuais mudanças nos dados de seus relatórios para atender à determinação de Toffoli, o Coaf não respondeu.

A decisão foi em um processo que, na origem, discute o papel da Receita. O ministro ampliou o debate ao incluir o Coaf. Esse é um dos argumentos que poderão ser usados pela procuradora-geral, Raquel Dodge, em eventual recurso contra a suspensão de todas as investigações.

Em março, na esteira do vazamento de uma apuração da Receita sobre a mulher do ministro do STF Gilmar Mendes, Toffoli havia colocado esse mesmo processo na pauta de julgamentos. O caso não chegou a ser analisado, ficando para novembro próximo, agora também incluindo o Coaf.

Segundo a advogada Nina Nery, que estudou o Coaf, nunca houve no STF ações específicas que questionassem a constitucionalidade do órgão.

O Coaf, ainda segundo a advogada, foi criado por lei em 1998 para atender a exigências internacionais de combate ao crime de lavagem, e ganhou proeminência a partir de 2012, quando uma nova lei possibilitou a obtenção de dados sem autorização judicial.

"O trabalho [do Coaf] é louvável. O problema é a forma como é utilizado, que não parece adequada com todos os preceitos constitucionais [de sigilo, por exemplo]", disse. Em sua visão, é urgente que o STF dê balizas para o funcionamento do órgão.

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