Finados: Eles vivem da morte

Comerciantes e uma trabalhadora contam suas experiências e como lidam com uma das situações mais complexas da vida

2 NOV 2014 • POR • 10h04

Eles aprenderam a lidar com uma das piores situações: a morte de uma pessoa. Mais do que isso, prestam serviços para aqueles atravessam um momento bastante delicado. Cada um, a sua forma, vive da morte.

Josefa Bispo de Souza tem 69 anos. Sergipana, ela veio para Santos na década de 60. A convite de uma amiga, passou a limpar campas no cemitério da Areia Branca, na Zona Noroeste da cidade, trabalho que realiza todos os dias, desde 1967.

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“Comecei a trabalhar com uma colega. Ela me pagava por dia, eu comecei a trabalhar com ela e depois a pegar as minhas campas. Eu entro às 7h e fico o dia todo aqui até as 17h”.

Dona Zefa, como é conhecida pelos funcionários do local, falou sobre sua rotina. “Eu limpo as minhas campas, coleto sebo de vela. Recolhemos e vendemos para uma pessoa de São Paulo”.

Não há enterro que não marque dona Zefa. Por já ter enterrado cinco dos dez filhos, ela entende aquela que classifica como “uma dor horrível”. Apesar disso, ao contrário do que muitas pessoas, ela tem uma visão diferente do cemitério.

“Cemitério não dá medo. Não tem coisa melhor do que trabalhar no cemitério. Ninguém mexe com ninguém. São uns vizinhos maravilhosos. É tudo muito calmo, principalmente ao meio-dia, quando todos vão almoçar. Não tem ninguém. Só fica eu, Deus e as almas. Aqui é a riqueza de Deus.”

Quem compartilha da visão de dona Zefa é Mario Ricardo Africano, diretor comercial do grupo Memorial. Funcionário do maior cemitério vertical do mundo, ele ressaltou que o espaço busca retirar as pessoas que estão em luto de um ambiente carregado.

“Aqui temos a parte de jardim, animais, água. É tudo claro, nada escuro. Nosso foco é a vida. Promovemos eventos culturais para trazer a sociedade para cá e mostrar que o cemitério não é final. Temos a preocupação de oferecer um lugar agradável, onde a pessoa se sinta bem. Apesar do momento de dor, que é inevitável, você sempre se abala. Procuramos deixar a pessoa em um ambiente tranquilo”.

Africano garantiu que a proposta é bem recebida por quem vem ao local. “Cemitério você entra e encontra um ambiente pesado, um chão escuro. Aqui é outra atmosfera. Muitas famílias agradecem. Sentem prazer em vir aqui. As pessoas gostam de serem bem tratadas, ainda mais em um momento de dor”.

Já Poliana Gonçalves da Cruz é proprietária de uma floricultura no bairro do Marapé, em Santos, próxima a um cemitério. Diariamente, ela precisa tratar com familiares e amigos de um ente que já partiu. “É um momento delicado. Temos que ter toda cautela e cuidado. Chegam pessoas muito debilitadas, chorando, tristes. Temos que tentar alegrá-las com a nossa flor. É o nosso jeito de lidar com a morte”.

A comerciante contou que, geralmente, as pessoas costumam comprar flores do campo ou rosas para homenagear aqueles que já se foram. No Dia de Finados, os clientes preferem arranjos curtos e singelos.

Mas nem Poliana, que lida diariamente com a morte, consegue escapar dos momentos de dor, como no caso do grafiteiro Wellington Dias Bezerra, o Leto, morto no último dia 25.

“Ele fez um trabalho na frente da minha loja e em todos os caminhões do meu pai, que tem uma distribuidora de flores. Era nosso amigo há muito tempo. Quando soube que ele ficaria neste cemitério, preparei uma coroa de flores especial, com uma homenagem e esperei ele chegar. Nisso as irmãs dele chegaram para comprar uma coroa de flores e elas queriam aquela que eu tinha feito para ele. Eu acabei me emocionando junto com elas. Foi a situação mais difícil para mim”.