Caiçaras da Praia Branca podem vencer batalha contra ex-deputado

Está em fase pericial ação do Ministério Público contra Evandro Mesquita, dono do único acesso viário à comunidade

7 SET 2020 • POR • 08h20
A Praia Branca fica na reserva ambiental da Serra do Guararú, em Guarujá - DIVULGAÇÃO/PMG

As dificuldades de 100 famílias caiçaras da Prainha Branca, em Guarujá, para fazer compras, ir à escola, usar transporte público obter remédios e receber serviços de socorro, por exemplo, podem estar com os dias contados. Se encontra em fase pericial a ação civil pública impetrada pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), contra o ex-deputado federal Evandro Mesquita, detentor do único acesso viário à comunidade.

Mesquita poderá ter que demolir sua mansão construída na Serra do Guararú, em que fica a praia - tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat). Se isso acontecer, ele não terá mais motivos para manter sua estrada particular aberta somente com sua autorização.

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Uma batalha poderá ser vencida, mas não a guerra. O MP enfatiza que o direito de passagem forçada pela propriedade dele envolve apenas o direito de vizinhança, conforme Código Civil. Deste modo, não há como a Promotoria ingressar com ação civil pública, "devendo eventual ação ser objeto de demanda dos moradores ou da associação que os representa", informa.

30 ANOS

Há mais de 30 anos, Evandro Mesquita mantém parte da reserva ambiental da Serra do Guararú como se fosse o quintal de sua casa. Ou melhor, de sua mansão. Sua propriedade - registrada sob o número 13.879/79 da Prefeitura - é o único acesso de veículos à Prainha, construído na década de 90, cortando um ambiente preservado da Rodovia Ariovaldo de Almeida Viana (SP-61) à praia.

Os moradores lutam há décadas pelo uso da estrada. Anos atrás, surgiu a ideia de um desvio de 100 metros, garantindo rapidez no percurso às famílias, mas ela não foi adiante. O Município chegou a firmar um termo administrativo com Mesquita, ocorrido por solicitação do MP, visando liberar o acesso, mas o acordo nunca foi respeitado.

Até hoje, os caiçaras são obrigados a usar uma trilha com cerca de 40 minutos de caminhada, que eles mesmo construíram. Também fracassaram as investidas da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) em reincorporar a área do ex-deputado à União para fins de liberação da estrada e garantir o acesso à praia e os serviços essenciais e de emergência. Recentemente, uma idosa foi conduzida pela trilha num carrinho de mão até um lugar de acesso ao transporte para poder acessar um hospital. A idosa faleceu vítima de Covid-19.

AÇÃO

A ação de demolição é assinada pelas promotoras Nelisa Olivetti de França Neri de Almeida, Flávia Maria Gonçalves e Almachia Zwarg Acerbi. Se condenado, Mesquita terá que colocar abaixo todas as benfeitorias construídas numa área de 138 mil metros quadrados, encrustada no meio do verdadeiro paraíso verde, localizado na área leste da Cidade. A ação foi publicada em 2013, com exclusividade, pelo Diário do Litoral, avaliada em quase R$ 6 milhões.

O documento aponta que, em 1998 (seis anos após o tombamento da área), agentes do Condephaat teriam flagrado o final da construção da mansão, erguida sem autorização do órgão, sem o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e completamente fora dos padrões ambientais estabelecidos para a área ocupada pela comunidade caiçara da Prainha.

Segundo o documento, com mais de 160 páginas (incluindo cópias de ações anteriores contra o ex-deputado), Evandro Mesquita ainda teria erguido uma casa para seu caseiro, acima de cinco metros de altura, desrespeitando o padrão construtivo da vila de pescadores próxima.

"É fato que as obras causaram danos à paisagem da Prainha Branca, composta por casas de padrão caiçara, impondo à paisagem elementos fora da harmonia com o padrão local, sendo uma forma de poluição que afeta as condições estéticas do meio ambiente", afirmaram as promotoras.

O MP requer à Justiça que além da demolição dos imóveis, Mesquita seja impedido de fazer qualquer obra, serviço ou atividade na área. Também que a Prefeitura promova controle e fiscalização do uso e ocupação do imóvel e condene o ex-deputado ao pagamento de multa diária por descumprimento das obrigações impostas.

Em 2016, o ex-deputado foi condenado em primeira instância a remover todos os pinheiros por ele plantados em sua propriedade, apresentar um plano de recuperação da área degradada e replantar a vegetação nativa, sob multa diária de R$ 500,00 por descumprimento da sentença. A ação foi movida também pelo MP e está em fase recursal.

Evandro Mesquita não foi encontrado para se manifestar nem em sua mansão (por telefone) e nem na Fundação Ulysses Guimarães (e-mail), onde é membro do Conselho Curador. Mas ele já havia dito que a ação não teria fundamento, pois todas as construções teriam sido realizadas antes do tombamento, entre 1974 e 1976.

Também garantiu ter todas as licenças prévias do Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais (DPRN), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e da Prefeitura de Guarujá e nunca foi multado.