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ENTREVISTA

Andréa Werner: 'A inclusão escolar de crianças com autismo virou uma joia para mim'

Deputada celebra formatura do filho autista, conta ter descoberto o próprio autismo neste ano e revela como está sendo primeiro ano como parlamentar

Bruno Hoffmann e Matheus Herbert

Publicado em 16/12/2023 às 08:46

Atualizado em 16/12/2023 às 08:49

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A deputada estadual Andréa Werner, durante entrevista à Gazeta / Thiago Neme/Gazeta de S.Paulo

A deputada estadual Andréa Werner (PSB) dedicou os últimos 15 anos para a causa das crianças com autismo, desde que seu filho Theo recebeu o diagnóstico, ainda pequeno. Ela criou um blog sobre o tema em 2012, que virou um instituto: o Lagarta Vira Pupa. Tornou-se referência de educação e acolhimento para famílias que viviam a mesma condição. Pelo caminho estendeu o olhar para outras deficiências. Tornou-se deputada estadual nas eleições de 2022, sob a bandeira que havia se tornado ativista. Neste ano, quando já tinha 47 anos, ela própria recebeu o diagnóstico de autismo, em grau 1, o que a ajudou a entender melhor o seu passado e a fechar as próprias questões.

“Eu achava [na infância e na adolescência] que eu era pior do que os outros. Saber do meu diagnóstico traz um conforto. É como se fosse um fechamento”, contou nesta entrevista feita na redação da Gazeta.

No papel de ativista, por vezes se questionou onde estavam as mães negras e moradoras de periferia na causa. Logo percebeu: “Elas estavam tentando sobreviver, não tinham tempo para ficar escrevendo textão na internet”. Foi quando decidiu buscar a política tradicional para propor projetos que ajudem todas as famílias que vivem situações semelhantes.

A parlamentar de primeiro mandato afirmou que o foco da sua atuação é garantir os direitos de criança com deficiência nas escolas, por ser testemunha como a educação transformou a vida do seu filho. Ela defende que as crianças estudem em escolas regulares, e não especiais, pelo impacto positivo que essa ação provoca no jovem. Como aconteceu com Theo, que aos 16 anos acaba de vestir a beca e se formar no ensino fundamental – a 9ª série – em uma escola pública regular. Agora, ele vai para uma escola estadual comum para buscar outro diploma.

A senhora foi diagnosticada com autismo há poucos meses, aos 47 anos [hoje a parlamentar tem 48]. O que mudou na sua vida desde então?

Explicou muita coisa. Muita gente me pergunta para que saber disso numa idade dessas. Quando se diagnostica uma criança faz muito sentido na cabeça das pessoas, porque você pode investir no futuro daquela criança para que tenha mais autonomia. Mas quando você diagnostica o adulto você está, na verdade, tratando o passado. Lembro da inadequação que eu tinha quando era criança. Na adolescência muito possivelmente tive uma depressão, que não foi identificada e nem tratada. Desenvolvi transtorno alimentar. Sofri muito na escola.Eu sabia que eu era diferente, mas não sabia o que que era. Só achava que eu tinha algum defeito, que eu era claramente diferente das pessoas. Achava que eu era disfuncional, que eu era pior do que os outros. Então saber que tudo isso tem uma explicação traz um conforto, de entender por que que eu era daquela forma. É como se fosse um fechamento.

A sra. é mãe de um adolescente autista, e conseguiu tirar potência dessa situação, se dedicar ao tema. Essa é a realidade da maioria das famílias de pessoas autistas?

Temos que pensar em um recorte de classe, em um recorte de cor. Sou uma mulher de classe média. Em determinado momento pude parar de trabalhar para acompanhar o Theo nas terapias, e eram muitas terapias. Nessa época, janeiro de 2012, comecei o blog Lagarta Vira Pupa para falar do assunto – o nome veio de um pedacinho da música do Cocoricó que ele gostava muito. Aquilo cresceu muito rápido. Tive a possibilidade de me dedicar me dedicar ao ativismo. Mas, me questionei por um longo tempo: “Cadê as mães autistas que são pretas, que são periféricas?”. Elas estavam tentando sobreviver. Elas não tinham tempo para ficar escrevendo textão na internet. Então, tudo o que eu aprendia com os médicos, com os terapeutas, tentava passar no canal do YouTube e nas minhas redes sociais, porque via que de fato a maioria da população não tinha terapia, às vezes não tinha nem um diagnóstico, estava há dois anos na fila do SUS para conseguir um diagnóstico.

O governador Tarcísio de Freitas sugeriu extinguir a Secretaria da Pessoa com Deficiência, foi criticado e recuou. Qual a importância dessa pasta?

É muito importante ter essa secretaria, senão ficamos sem foco em políticas públicas para a pessoa com deficiência. Não adianta ser uma coordenadoria embaixo de alguma outra pasta. Inclusive, um grande sonho meu é que o de ter um ministério focado na pessoa com deficiência. A própria convenção da ONU fala da necessidade de se ter pastas específicas, grandes e robustas, com orçamento para isso.

Deputada estadual Andréa Werner 'Quais professores sabem adaptar o material [para crianças com autismo]?' Thiago Neme/Gazeta de São Paulo

 

Na política, a direita e a esquerda tendem a abraçar o tema da pessoa com deficiência, pelo menos no discurso. Por que as políticas públicas não andam conforme seria necessário?

Porque precisa de investimento. E aí vai a prioridade deles. Um exemplo que sempre dou é a questão da inclusão escolar, que vejo como algo prioritário, porque foi algo que vi acontecer na vida do meu filho de uma forma tão clara que aquilo virou uma joia para mim. Há uma legislação de muito tempo no Brasil de colocar a criança com deficiência em classe regular, e então dar os suportes que ela precisa. O problema é para que isso aconteça precisa de investimento. De professores com formação continuada. Mas o que tem são professores desesperados, que não sabem o que fazer com aquela criança em uma sala lotada. A gente precisa deixar também o ambiente menos inóspito. O calor leva meu filho a ter crise, e temos ar-condicionado nas salas? A maioria das escolas públicas não tem nem ventilador. Precisamos de salas de aula menos lotados. Precisamos de material e currículo adaptados. Quais professores sabem adaptar o material?

 

O que as prefeituras costumam fazer para atender à legislação?

A legislação diz que o autista tem direito a um acompanhante especializado, e isso exige contratação, exige dinheiro. As prefeituras, em geral, contratam estudantes do ensino médio, e não dão formação. A pessoa fica ali perdida, não sabe o que fazer, ganhando muito pouco. A rotatividade ainda por cima é alta, então não tem como isso funcionar muito bem se você de fato não coloca dinheiro. A desculpa em geral para se vetar os projetos de lei em geral ou para não se fazer o que tem que ser feito: falta de dinheiro.

A sra. apresentou um projeto para colocar auxiliares de professores dentro das salas de aula para auxiliar a pessoa com deficiência. Já está em prática?

Foi sancionado e virou lei, porém com muitos vetos do governador, alegando justamente custos. Esse projeto emendou um projeto de lei de um outro deputado que trazia direitos para crianças autistas em sala de aula. Quis ampliar esses direitos para crianças com outros transtornos do neurodesenvolvimento, como TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), TOD (transtorno de oposição desafiante), dislexia e discalculia. São situações difíceis, que trazem dificuldade de aprendizagem e geram muita evasão escolar, porém não são consideradas crianças com deficiência no Brasil. Com isso, não são amparadas pela lei brasileira de inclusão e não fazem parte da política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, sem direito a adaptação de material, acompanhante especializado e uma série de outros direitos.

Houve outros vetos?

Também foi vetada a qualificação mínima do acompanhante especializado. justamente por essa questão de contratar um estudante do ensino médio e não dar qualificação. Eu tinha colocado que precisava ser psicólogo ou pelo menos ter um curso superior. Outra coisa que eu tinha colocado que é permitia a entrada do acompanhante terapêutico. As escolas têm impedido que esse acompanhante que a família providencia entre nas escolas, mas também não dão nada em troca. Foi vetado com a alegação de que profissional da saúde não pode estar na escola. Não faz o menor sentido.

 

Quais são as denúncias mais comuns que chegam ao seu gabinete na Alesp?

Já fizemos mais de 6 mil atendimentos em 8 meses, com 1.500 denúncias investigadas. São de 40 a 50 denúncias por dia. A maioria se refere a violações de direitos na escola ou na saúde. Em saúde se divide entre falta de terapia no sistema público de saúde ou planos de saúde que estão negando terapia ou descredenciando clínicas.

Houve um caso recente de denúncias contra a Unimed. O que deu?

Fizemos denúncias no Ministério Público. Foram abertos inquéritos contra a Unimed e outros planos. Se não me engano, o Ministério Público está fazendo um termo de ajustamento de conduta com a Unimed, mas não estou muito feliz. A conduta deveria ser muito mais rígida, levando em consideração que a Unimed estava cancelando contratos de pacientes em tratamento. Não só de crianças autistas, mas de pacientes oncológicos. Isso é proibido de acordo com entendimento do STJ [Supremo Tribunal de Justiça]. Era merecido um tratamento mais rígido com os planos de saúde.

Deputada estadual Andréa Werner 'Uma pessoa como eu há 30 anos jamais seria diagnosticada' Thiago Neme/Gazeta de S. Paulo

 

Há quem diga que há o aumento de pessoas com autismo. A sra. defende que o que há é aumento de inclusão e de diagnósticos, correto?

Exatamente. Têm pessoas que comentam nos meus posts: “Aumentou, sim. Na sala do meu filho têm quatro autistas”. Vinte anos atrás, onde estavam esses quatro autistas? Presos dentro de casa. Há 20 anos autista não frequentava escola regular, nenhuma escola regular aceitava criança que tivesse um comportamento minimamente desviante. Hoje em dia temos uma legislação que obriga as escolas a não recusarem a matrícula. Ter quatro autistas não significa que quadruplicou o número de autistas, mas que eles estavam em outros lugares antes, e agora estão na escola. E, sim, está havendo mais diagnósticos. Uma pessoa como eu há 30 anos jamais seria diagnosticada.

A sra. propôs um projeto de lei para democratizar o diagnóstico. Qual foi a motivação?

Quando você pega autistas grau 1 de suporte, que é meu caso, a maioria é de brancos de classe média, porque é quem costuma ter acesso a médicos com essa capacitação e esse olhar. E não é só questão de capacitação. As consultas no SUS são de 15 minutos, para dar conta da demanda. Em 15 minutos você não pega uma mulher como eu e descobre que ela é autista. A minha avaliação demorou 6 meses. Cadê os autistas grau 1 pretos e periféricos? A gente não acha. Por que será? O diagnóstico precisa ser um direito, e não um privilégio. Precisamos de políticas públicas se quiser de fato democratizar o diagnóstico.

Há de fato uma medicina capacitista, como a sra. costuma falar?

Extremamente. Esses dias participei de um painel de um jornal e falei sobre esses casos. Uma mãe já me disse que o médico falou, ao dar o diagnóstico do filho dela: “Esse menino é uma cruz que você vai carregar para o resto da sua vida”. Teve outro caso em que descobriu que o bebê tinha síndrome de Down, e o médico falou: “Seu filho é mongol”. Eu postei esse recorte nas minhas redes, e foram 100 mães embaixo comentando casos similares. Coisas do nível de a criança ter hidrocefalia, e o médico falar: “Dentro da cabeça do seu filho só tem água”. Será que precisamos de uma disciplina de humanização na medicina, ou isso é inerente do ser humano? É muito triste tratar as pessoas dessa forma, ainda mais num momento que vai impactar para o resto da vida dessa mãe.

Por que decidiu trocar o PSOL pelo PSB, em 2022?

Eu tive um convite do pessoal do Márcio França para ir para o PSB, que me apresentou o PSB Inclusão. Que eu saiba, é a única coordenadoria de um partido que é focada em pessoas com deficiência. Fiquei muito encantada com o projeto, entendi que de fato era um partido que dava muita importância para causa da pessoa com deficiência. Foi isso que me encantou no PSB e foi isso que me fez mudar de partido.

Qual a visão da sra. sobre a deputada federal Tabata Amaral, pré-candidata do PSB à prefeitura da Capital?

A Tabata é uma amiga, é uma pessoa que me ajudou muito, me apoiou muito desde que eu vim para o partido. Ela me escuta muito, então tenho certeza de que tudo que eu propuser para ela relacionada a políticas para pessoas com deficiência vou ser ouvida. Ela já me ouviu outras vezes, já protocolou projeto de lei em Brasília porque eu solicitei para ela. Confio que nesse assunto de pessoas com deficiência, ela vai fazer o melhor para São Paulo. Confio muito nela.

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