Esportes

Papo de Domingo - ‘A Camorra oferece dinheiro e trabalho’

O Esporte como alternativa para a máfia napolitana. A história da Família Maddaloni é norteada por essa árdua luta, no Sul da Itália

Publicado em 25/05/2014 às 01:11

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Olimpíadas de Sidney, Austrália, 2000. O judoca brasileiro Tiago Camilo tem à frente um italiano, Giuseppe Maddaloni. O atleta europeu venceu o brasileiro. Mas o enredo nos tatames de Sidney não seguiu o script clássico.

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Para entender a dificuldade de Maddaloni ter chegado à final olímpica é importante pontuar o lugar onde ele nasceu: Nápoles, mais precisamente Scampia, bairro da periferia. Os livros de Roberto Saviano, especialmente “Gomorra”, mostram como é o local: a Camorra, máfia napolitana, mostra sua força quase invisivelmente.

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E qual a relação entre Esporte e máfia? Parte da resposta está no livro “La mia vita sportiva” (Minha vida esportiva), onde o pai de Giuseppe, Giovanni, conta como foi enfrentar a pressão dos mafiosos para não fechar a academia onde ensinava – e continua ensiando judô – para jovens.

Os Maddaloni são sinônimo de judô de alto rendimento. Marco, irmão de Pino, como ele é conhecido, foi duas vezes campeão europeu (categoria até 23 anos), e a irmã, Laura, foi várias vezes campeã italiana.

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A Rai Ficton aproveitou a história e a transformou em um filme para TV no final do ano passado, com o título “L’Oro di Scampia” (O ouro de Scampia). O filme foi exibido recentemente no Brasil pelo canal estatal italiano. A parte final da película não é romanceada: mostra o ‘gran finalle’, com o atleta napolitano em lágrimas no pódio.

Pino Maddaloni, campeão olímpico de judô em Sidney, passou uma semana com atletas italianos competindo na Baixada (Foto: Matheus Tagé/DL)

O Diário do Litoral conversou com Pino Maddaloni (como ele é conhecido), na cinzenta tarde de quinta-feira, em um lugar inusitado para um judoca: na Vila Belmiro. Os atletas italianos conheceram o Memorial das Conquistas e chegaram a pisar no gramado do estádio.

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Maddaloni e Francesco Bruyere comandam hoje a seleção masculina de judô da Itália. Parte da delegação participou de uma competição, sexta- feira, em São Vicente.

Na entrevista que segue, Pino fala sobre judô, Esporte, o novo cenário da política italiana, máfia e o desejo de retornar mais vezes ao Brasil.

Diário do Litoral – Como surgiu a ideia de vir a São Vicente para esta competição?

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Giuseppe Maddaloni - Fiz a final olímpica com o brasileiro Tiago Camilo. Um grande garoto, que espero que possa ir bem nesta olimpíada. Sei que aqui ele é famoso. Sempre vi com admiração o esporte brasileiro, especialmente o judô. Tive a sorte de conhecer o hoje meu amigo Denison (Denison Soldani, professor de judô) na Itália e começamos a conversar. Eu já tinha conhecido cidades como Belo Horizonte e Rio de Janeiro como atleta. E era meu sonho vir, como treinador, com minha equipe, duas, três, quatro vezes por ano vir aqui. E também receber equipes de São Vicente, ou de Santos, pra intercâmbio na Itália. Esporte não é só vitória. Vencer não é ganhar uma medalha. Uma medalha pode ser obtida por três, mas vencer podem todos. Vencem os que melhoram, os que ganham experiência, os que fazem amizade. Eu e o Denison, por exemplo, ganhamos uma medalha estando aqui, mesmo sem nenhuma competição, porque possibilitamos treinamentos para jovens, uma união entre jovens, que pode resultar na ida deles para a Itália, ou de italianos virem de novo para cá. Essa é a verdadeira vitória do esporte.

DL – Na sua avaliação, quem está mais forte hoje no judô, o Brasil ou a Itália?

Maddaloni – O judô brasileiro está mais forte. Nós somos um time jovem que começa a fazer experiência. Por isso estamos aqui. Para treinar e obter experiência.

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DL – Você diria, então, que o judô italiano está em um segundo nível de força hoje?

Maddaloni – Não há como dizer primeira, segunda ou terceira linha. Estamos formando um novo time. Uma nova geração. Os campeões do passado, como Francesco Bruyere, Roberto Meloni, e outros, acabaram. Agora está se formando uma nova equipe, que eu espero, e estou certo, que vai trazer novas medalhas.

Denison Soldani (o primeiro à esquerda) recepcionou comitiva italiana na Baixada Santista (Foto: Matheus Tagé/DL)

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DL – Você acredita que daqui a dois anos, nas Olimpíadas no Rio, o judô italiano estará pronto para chegar ao pódio?

Maddaloni - Sim. Penso que o judô italiano possa pegar medalhas.

DL – Há em sua equipe, um atleta que você aposte mais? Alguém te surpreendeu?

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Maddaloni - Creio que a força da equipe da Itália seja o grupo. Se o grupo for forte, podemos chegar às medalhas. Mas depende também da tabela que cairmos, do dia de competição...O importante é formar um time forte.

DL – Como técnico da Seleção Masculina de Judô da Itália, você carrega algo do estilo de seu pai de trabalhar? Você se vê em seu pai quando está treinando?

Maddaloni – Sim. Sou muito parecido com ele, mesmo com a diferença que ele treinava um clube, e eu treino uma seleção. Treino jovens que têm seus técnicos, técnicos muito bons. Eu espero poder ser um exemplo para eles e, ao mesmo tempo, dar um impulso a mais. Aquele impulso que permita fazer o salto de qualidade. Mas eles já são bons, não falta muito a eles.

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DL – Como é a relação com seu pai. Ele te dá conselhos ainda?

Maddaloni - Meu pai sempre me dá conselhos. Independentemente de eu ser judoca ou não. Somos uma família de judocas. A relação ‘pai e filho’ é forte.


Os Maddaloni são sinônimo de judô de alto rendimento (Foto: Matheus Tagé/DL)

DL – Passados 13 anos de você ter vencido a medalha de ouro em Sidney, o quanto esse ouro serviu para dar força ao judô italiano? Qual foi o legado desse ouro para o judô italiano?

Maddaloni – O ouro de Sidney serviu para dar um impulso ao judô italiano. Mas o problema, em si, não é o judô italiano. Na Itália, o Esporte não é muito levado em conta. A Itália não é um país esportivo. Não é como o Brasil, que tem a cultura do Esporte. Aqui, à beira-mar, vejo pessoas correndo, fazendo caminhadas, ginástica. Na Itália não é assim. Na Itália, poucos fazem esporte.

DL - Então é mais difícil ser esportista na Itália?

Maddaloni - Muito mais difícil. Do meu ouro em Sidney ficou tanto orgulho, tanto entusiasmo, mas temos tanta fome de vencer com esses rapazes.

DL – A Itália vive hoje um novo governo (com o primeiro-ministro Matteo Renzi). Você acredita que este novo governo pode ajudar mais o esporte?

Maddaloni - Certamente poderá ajudar o Esporte, porque menos do que foi feito no passado, não é possível (risos). Na Itália, o esporte estava a zero. Agora, mudou o presidente do Coni (refere-se a Giovanni Malagò, do Comitê Olímpico Nacional Italiano). Mudou o presidente Conselho de Ministros (Matteo Renzi). Penso que, certamente, eles farão algo a mais, porque no passado não foi feito nada. Na Itália, só é considerado o Esporte que traz dinheiro. E isso não é Esporte, é negócio. O Esporte é outra coisa: é formação, é algo que permite o crescimento dos jovens. Sempre digo que há diferença do Esporte e do show. O show é a bicicleta de um Pelé, é um ippon de um Maddaloni, isto é show. Esporte é formação, experiência, crescimento de um jovem. Escola e esporte podem fazer uma pessoa crescer sadia, com valores sérios, como respeito, amizade, sacrifício, honestidade. É isso o esporte.

DL - A Rai mostrou recentemente aqui no Brasil o filme L’Oro di Scampia, que retrata a história de seu pai, Giovanni Maddaloni, que teve de vencer a Camorra para continuar a treinar jovens como você em uma região de periferia. Passados mais de dez anos daquela situação toda, é ainda difícil ser um esportista em uma região menos favorecida como Scampia?

Maddaloni - Dificilíssimo. Eu acho que aconteceu um milagre (à época). Porque ali nem passa ônibus com regularidade, imagina o funcionamento de uma academia. Por isso, um milagre. Espero que essa realidade possa mudar. Mesmo no Brasil, passei por lugares que não são ricos, mas há sempre um campo de jogo,um lugar onde as crianças possam se divertir.


Os atletas italianos conheceram o Memorial das Conquistas e chegaram a pisar no gramado do estádio (Foto: Matheus Tagé/DL)

DL - Teu pai deu um verdadeiro tapa na Camorra há cerca de 15 anos. Hoje ainda se sente o peso da Camorra em algumas ruas de Napoli?

Maddaloni - Não se sente o peso, mas a Camorra dá emprego. Isso é muito feio. O Estado oferece possibilidades aos jovens? Essa é minha pergunta. A Camorra oferece sempre dinheiro, dinheiro fácil e trabalho. Isso dá nojo. O Estado não tem de dar dinheiro fácil, mas deve dar condição para que os jovens estudem, para que eles possam se empenhar. Deve dar o exemplo.

DL - O filme é a história da luta de seu pai, mas é romanceada. No filme, mostra que a academia do seu pai, onde você treinava, é incendiada e até um rapaz chegou a ser baleado. Essas cenas, de fato, aconteceram?

Maddaloni - A academia não foi atacada com fogo, mas quebraram portas, vidros. Isso aconteceu. E não houve mortes, não. Mas meu pai ainda faz muitos sacrifícios. Hoje, às vezes, no fim do mês, ainda não sabe se consegue pagar as contas de água e luz. Mas ele continua em frente, não se entrega.

DL - Pelo que está dizendo, continua a luta diária para tirar os jovens da criminalidade. Iniciativas como a do seu pai continuam sendo importantes para que os jovens não caiam nas mãos da máfia?

Maddaloni - O Estado e a política têm de dar força a iniciativas como essa (refere-se a exemplos da academia do seu pai) para que elas sejam concorrentes da Camorra, dando oportunidade para que esses jovens possam estudar, possam praticar esporte e ganhar dinheiro. Para permitir que os jovens possam ao menos optar por ganhar menos, mas de forma honesta. O Estado, a política, talvez os patrocinadores, os grandes empreendedores, deveriam fazer isso, permitindo uma escolha, mas, infelizmente, nessas regiões não há escolha. Até chefes de família, que têm filhos e esposa para dar de comer, muitas vezes não encontram trabalho. Isso é horrível.

DL – Como vê hoje a seleção italiana de futebol?

Maddaloni – É estanho. Porque no nosso futebol jogam muitos estrangeiros e, com isso, na Copa do Mundo, os italianos acabam chegando com pouca experiência, com poucos quilômetros nas pernas. Isso tem que mudar. Mesmo se a Itália for campeã não será o melhor caminho para futebol italiano melhorar. Devem jogar mais os italianos no nosso campeonato. Entre os estrangeiros, deveria ter o limite de três titulares e um no banco, como era no passado. O importante seria deixar nossos jovens jogarem. Sou muito nacionalista nisso. Creio muito na união. A vitória mais forte não é de uma competição, é da vida. Eu posso participar de uma olimpíada, ou de um campeonato mundial, e ganhar. Mas a vitória mais importante é a que une, que constrói, que permite aos atletas duas nações se enfrentarem no Esporte, e não em uma guerra.

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