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Mexilhão invasor que pode dominar o litoral brasileiro é descoberto em SP

Os primeiros registros dele foram feitos em 2018, no estado do Rio de Janeiro. De lá para cá, ele vem se espalhando

Márcio Ribeiro, de Peruíbe para o Diário do Litoral

Publicado em 06/09/2024 às 16:26

Atualizado em 06/09/2024 às 16:30

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O mexilhão-verde originário das águas quentes do Indo-pacífico / Gilberto Caetano Manzoni

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Um mexilhão-verde, originário das águas quentes do Indo-pacífico, foi encontrado no litoral brasileiro e preocupa os pesquisadores. A espécie é invasora, pode desequilibrar o meio ambiente, tem potencial para dominar toda a costa do Brasil e já foi encontrada em uma das áreas mais bem preservadas da Mata Atlântica.

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Os primeiros registros dele foram feitos em 2018, no estado do Rio de Janeiro, na Baía de Guanabara. De lá para cá, ele vem se espalhando e já foi visto em Santa Catarina, Paraná, São Paulo e até no Ceará.

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Como ele chegou?

De acordo com o doutor em oceanografia pela USP e pesquisador do Instituto de Pesca, Edson Barbieri, que apresentou um trabalho a respeito do mexilhão no último Congresso Latino Americano de Ciências do Mar (Colacmar), realizado em Itajaí/SC, a espécie foi detectada pela primeira vez no estado de São Paulo em 2023.  Há o registro nas cidades de Ubatuba, Caraguatatuba, Ilhabela, Peruíbe, Iguape, Ilha Comprida, Cananéia e Santos.

A descoberta inicial em águas paulistas, conforme o pesquisador, ocorreu na região do Porto de Santos, o que pode sugerir que a espécie tenha sido introduzida no Brasil por meio de água de lastro de navios provenientes de regiões onde o mexilhão é nativo e, desde então, tem se espalhado para outras áreas costeiras brasileiras, aproveitando-se da falta de predadores naturais e das condições ambientais favoráveis.

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“Quando navios carregam água de lastro em um porto para manter a estabilidade durante suas viagens, eles inadvertidamente capturam uma variedade de organismos marinhos, incluindo larvas, pequenos crustáceos, moluscos e até microalgas. Ao chegar ao destino, essa água é descarregada, liberando os organismos junto com ela e potencialmente introduzindo-os em um ambiente completamente novo e, muitas vezes, vulnerável. Este processo de descarga de água de lastro ocorre em portos de todo o mundo, criando um circuito global de transferência de espécies que, sem medidas de controle rigorosas, pode levar a invasões biológicas significativas”

Barbieri citou que a introdução de espécies exóticas também pode ocorrer por meio de práticas relacionadas à aquicultura, pelo comércio de organismos marinhos, pela aquariofilia e até por atividades recreativas, como navegação de lazer, já que, organismos marinhos, como algas, cracas e mexilhões, podem aderir aos cascos de embarcações recreativas e de transporte, incluindo cargueiros, e podem se desprender e colonizar o ambiente local.

Qual o impacto?

Ele falou que o impacto da introdução de espécies exóticas marinhas pode ser vasto e de longo alcance, afetando não apenas a biodiversidade local, mas também alterando a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas.

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“Muitas dessas espécies são altamente adaptáveis e possuem capacidades competitivas que lhes permitem proliferar rapidamente em novos ambientes, suprimindo ou até eliminando espécies nativas e criando novos desafios para a conservação e a gestão ambiental. Dessa forma, a conscientização, o monitoramento contínuo e a implementação de políticas rigorosas de gestão de espécies invasoras são essenciais para mitigar os impactos das introduções exóticas e preservar a saúde dos ecossistemas marinhos”

O doutor em oceanografia falou que o mexilhão-verde possui um crescimento mais rápido em comparação com muitas espécies nativas, o que lhe confere uma vantagem competitiva significativa em novos ambientes. Esse crescimento acelerado permite que ele se estabeleça e se prolifere rapidamente, competindo diretamente com os mexilhões nativos por recursos vitais, como espaço e alimento. Além disso, o mexilhão-verde pode se sobrepor fisicamente às espécies locais, causando declínios nas populações nativas ao ocupar nichos ecológicos semelhantes.

“Além de competir com espécies nativas, o mexilhão-verde pode alterar a estrutura e a função dos ecossistemas marinhos locais, caso sua população cresça muito, que não é o caso no momento. Por exemplo, a presença de densas colônias de mexilhões-verdes pode modificar a dinâmica do sedimento e afetar os ciclos biogeoquímicos, alterando a disponibilidade de nutrientes na coluna d'água. Isso pode ter efeitos em cascata, afetando outros organismos marinhos, como peixes e crustáceos, que dependem de certas condições ambientais para sobreviver”

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Barbieri falou também que há a preocupação que o mexilhão-verde se espalhe e domine todo o litoral do Brasil, especialmente em áreas onde as condições ambientais são favoráveis e não existem predadores naturais para controlar sua população.

“Sua capacidade de se reproduzir rapidamente e de colonizar diversos tipos de substratos facilita sua dispersão ao longo da costa. Além disso, a falta de barreiras naturais, como grandes extensões de oceano aberto, permite que a espécie se mova de um local para outro. O alerta vermelho está sendo dado, pois já há registro dessa espécie em Fortaleza.”

É comestível?

O professor disse que é seguro consumir o novo mexilhão, desde que ele seja colhido em áreas não contaminadas e adequadamente manejado antes do consumo. Assim como outros mariscos, o Perna viridis pode acumular toxinas, poluentes e patógenos presentes na água, tornando seu consumo perigoso se a coleta for feita em áreas poluídas. Portanto, é essencial garantir que os mexilhões sejam provenientes de áreas controladas e monitoradas.

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“Um aspecto importante do mexilhão-verde como outros bivalves é sua capacidade de modificar o ambiente físico ao redor, criando substratos que podem servir de habitat para outras espécies como cracas, tanto nativas quanto invasoras. Isso pode ter efeitos positivos e negativos: por um lado, pode aumentar a diversidade local ao fornecer novas superfícies de ancoragem; por outro, pode facilitar a invasão de outras espécies exóticas. ”

Na Juréia

Tiago Ribeiro que é biólogo, mestre em ecologia, doutorando na Universidade Santa Cecília e bolsista da Capes, ao realizar uma saída de campo para coletar dados para a sua tese de doutorado, onde investiga “os impactos das mudanças climáticas na pesca artesanal”, também encontrou o mexilhão-verde, exatamente em um dos locais mais bem preservados do país: a Juréia, em São Paulo. Desde então, passou a se interessar pelo bivalve, tanto é que fez uma apresentação reportando o que encontrou no mesmo congresso, em Itajaí.  

“Tivemos a oportunidade de acompanhar um pescador artesanal. Ao realizarmos a amostragem em um costão rochoso, observamos um organismo fixado com a coloração diferente. ”

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O biólogo também falou que a introdução da espécie na região pode estar associada à água de lastro de embarcações, considerando a proximidade ao Porto de Santos, mas falou que essa hipótese necessita de estudos mais aprofundados para ser confirmada.

Ribeiro disse que a espécie invasora pode ser tornar um problema para os mariscos nativos, desequilibrar o ambiente e falou do potencial que a espécie tem de espalhar por todo o litoral brasileiro e da importância da participação dos pescadores no monitoramento dos recursos marinhos.

 “A participação dos pescadores no monitoramento dos recursos marinhos é um exemplo inspirador de como a pesquisa científica e a gestão pesqueira podem se complementar e fortalecer mutuamente. Ao envolver os pescadores nesse processo, promove-se não apenas a coleta de dados de alta qualidade, mas também a construção de um conhecimento compartilhado sobre o mar. Essa aproximação entre a ciência e a comunidade pesqueira é fundamental para a formulação de políticas públicas mais justas e eficientes, que atendam tanto às necessidades dos pescadores quanto aos objetivos de conservação dos recursos marinhos. Quero aproveitar a oportunidade para agradecer o programa de bolsa, pois sem esse tipo de incentivo eu não teria condições para fazer esse trabalho”, concluiu.

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A Fundação Florestal e a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística foram procuradas para dar informações a respeito do novo mexilhão, se há algum tipo de acompanhamento ou ação, mas até a publicação desta reportagem não enviaram resposta. Esta reportagem poderá ser atualizada caso os órgãos se manifestem.

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