Isolados no meio do Atlântico, os cavalos de Sable mantêm há séculos um modo de vida completamente selvagem e protegido por lei / Sable Island National Park Reserve
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No coração do Atlântico Norte, a cerca de 300 quilômetros da costa da Nova Escócia, um dos ambientes mais hostis do Canadá abriga uma das manadas de cavalos selvagens mais resilientes do planeta.
Na remota Ilha Sable, mais de 400 animais vivem soltos, totalmente sem manejo humano, enfrentando tempestades violentas, invernos rigorosos e verões úmidos que moldam seu comportamento e seu corpo há gerações.
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Apesar das histórias populares que falam de naufrágios, exploradores portugueses ou cavalos que teriam alcançado a ilha nadando, a origem dos animais é bem documentada.
O primeiro registro oficial aparece em 1737, quando o reverendo Andrew Le Mercier, de Boston, enviou cavalos para a região. Parte deles foi levada por marinheiros e, ao longo dos anos, outros cavalos foram introduzidos para “melhorar” o plantel.
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No século XIX e início do XX, a captura e venda de cavalos quase levou a população à extinção na década de 1950. O cenário mudou em 1960, quando o governo canadense aprovou uma legislação garantindo proteção total aos animais — proibindo alimentação, remoção, manejo e qualquer interferência humana.
A medida preservou a manada como um dos poucos grupos realmente selvagens da América do Norte. Em 2008, eles se tornaram oficialmente o “cavalo símbolo” da Nova Escócia, e, em 2011, a Ilha Sable passou a ser uma Reserva do Parque Nacional, o que ampliou a proteção.
Entre as décadas de 1980 e 2000, pesquisas passaram a observar a população de forma não invasiva. Em 2007, análises genéticas mostraram que os cavalos da Ilha Sable formam um grupo único, distinto de outras raças canadenses e marcado pelo isolamento de mais de dois séculos.
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O tamanho da manada tem variado entre 400 e 550 indivíduos, um número considerado estável para uma espécie com a total ausência de manejo.
Os animais desenvolveram características diretamente moldadas pelo ambiente extremo:
Curiosamente, cavalos retirados da ilha e criados em ambientes mais nutritivos crescem mais, evidenciando como a paisagem árida e pobre em nutrientes molda o fenótipo.
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A alimentação desses animais impressiona por suas adaptações raras:
E, embora pareça improvável, alguns cavalos chegam a beber água do mar para repor sais minerais em períodos de maior umidade.
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A geologia da ilha também exigiu adaptações incomuns. Sable é formada por dunas móveis sobre uma fina “lente” de água doce subterrânea. Assim, os cavalos desenvolveram duas estratégias distintas:
Durante os meses mais frios, eles migram para o interior da ilha e buscam abrigo no lado protegido das dunas, reduzindo a exposição aos ventos violentos do Atlântico. A pelagem cresce de forma intensa e funciona como isolamento térmico natural.
Com a escassez de alimento fresco no inverno, os cavalos passam a depender mais das reservas acumuladas. Como não há predadores significativos, muitos animais idosos morrem de fome quando os dentes já não conseguem processar o alimento, algo típico de populações selvagens sem manejo.
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Com genética distinta, comportamentos singulares e uma impressionante capacidade de sobreviver a condições extremas sem qualquer intervenção humana, a manada da Ilha Sable se tornou um raro exemplo de evolução em tempo real.
Ela é também uma das últimas populações verdadeiramente selvagens da América do Norte e um importante patrimônio natural e cultural da Nova Escócia.
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Protegidos por lei, esses cavalos continuam vivendo como sempre viveram: selvagens, livres e moldados pela força de uma ilha que desafia a lógica, o clima e os séculos.