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O 'laboratório vivo' onde centenas de cavalos vivem sozinhos há vários séculos

Um lugar isolado no Atlântico guarda uma das histórias mais impressionantes da natureza selvagem

Júlia Morgado

Publicado em 01/12/2025 às 11:05

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Isolados no meio do Atlântico, os cavalos de Sable mantêm há séculos um modo de vida completamente selvagem e protegido por lei / Sable Island National Park Reserve

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No coração do Atlântico Norte, a cerca de 300 quilômetros da costa da Nova Escócia, um dos ambientes mais hostis do Canadá abriga uma das manadas de cavalos selvagens mais resilientes do planeta. 

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Na remota Ilha Sable, mais de 400 animais vivem soltos, totalmente sem manejo humano, enfrentando tempestades violentas, invernos rigorosos e verões úmidos que moldam seu comportamento e seu corpo há gerações.

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Os cavalos da Ilha Sable vivem totalmente livres e moldados pelo isolamento extremo do Atlântico Norte/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
Os cavalos da Ilha Sable vivem totalmente livres e moldados pelo isolamento extremo do Atlântico Norte/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
A população selvagem de Sable é estudada à distância, preservando o comportamento natural dos animais/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
A população selvagem de Sable é estudada à distância, preservando o comportamento natural dos animais/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
O acesso à água doce é um dos desafios que moldou as adaptações únicas dos cavalos de Sable/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
O acesso à água doce é um dos desafios que moldou as adaptações únicas dos cavalos de Sable/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
A manada de Sable mantém características próprias desenvolvidas ao longo de séculos sem manejo humano/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
A manada de Sable mantém características próprias desenvolvidas ao longo de séculos sem manejo humano/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
O isolamento genético faz da Ilha Sable um raro laboratório natural da evolução equina/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
O isolamento genético faz da Ilha Sable um raro laboratório natural da evolução equina/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
Mesmo em um ambiente hostil, os cavalos de Sable seguem se reproduzindo e preservando sua linhagem selvagem/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve
Mesmo em um ambiente hostil, os cavalos de Sable seguem se reproduzindo e preservando sua linhagem selvagem/ Reprodução Facebook/Sable Island National Park Reserve

Sua história 

Apesar das histórias populares que falam de naufrágios, exploradores portugueses ou cavalos que teriam alcançado a ilha nadando, a origem dos animais é bem documentada.

O primeiro registro oficial aparece em 1737, quando o reverendo Andrew Le Mercier, de Boston, enviou cavalos para a região. Parte deles foi levada por marinheiros e, ao longo dos anos, outros cavalos foram introduzidos para “melhorar” o plantel.

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No século XIX e início do XX, a captura e venda de cavalos quase levou a população à extinção na década de 1950. O cenário mudou em 1960, quando o governo canadense aprovou uma legislação garantindo proteção total aos animais — proibindo alimentação, remoção, manejo e qualquer interferência humana.

A medida preservou a manada como um dos poucos grupos realmente selvagens da América do Norte. Em 2008, eles se tornaram oficialmente o “cavalo símbolo” da Nova Escócia, e, em 2011, a Ilha Sable passou a ser uma Reserva do Parque Nacional, o que ampliou a proteção.

Um laboratório vivo da evolução

Entre as décadas de 1980 e 2000, pesquisas passaram a observar a população de forma não invasiva. Em 2007, análises genéticas mostraram que os cavalos da Ilha Sable formam um grupo único, distinto de outras raças canadenses e marcado pelo isolamento de mais de dois séculos.

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O tamanho da manada tem variado entre 400 e 550 indivíduos, um número considerado estável para uma espécie com a total ausência de manejo.

Os animais desenvolveram características diretamente moldadas pelo ambiente extremo:

  • Altura: 132 a 142 cm;
  • Peso médio: 300 kg (fêmeas) a 360 kg (machos);
  • Constituição: corpos compactos, resistentes e com a partes inferiores das pernas (quartelas) curtas, ideais para caminhar na areia;
  • Pelagem: escura na maior parte dos indivíduos, com raras marcas brancas;
  • Crina e cauda: excepcionalmente longas e densas, reforçadas no inverno;
  • Marcha: muitos apresentam passada natural herdada de linhagens ibéricas.

Curiosamente, cavalos retirados da ilha e criados em ambientes mais nutritivos crescem mais, evidenciando como a paisagem árida e pobre em nutrientes molda o fenótipo.

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A dieta de um sobrevivente

A alimentação desses animais impressiona por suas adaptações raras:

  • A base é a grama-da-praia, comum nas dunas.
  • Em algumas áreas, consomem arenária, festuca-vermelha e capim-azul.
  • Nas extremidades da ilha, algas ricas em nutrientes, trazidas pelo mar e enriquecidas por colônias de focas, complementam a dieta.
  • No inverno, sobrevivem de vegetação seca e das reservas de gordura acumuladas no verão.

E, embora pareça improvável, alguns cavalos chegam a beber água do mar para repor sais minerais em períodos de maior umidade.

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A geologia da ilha também exigiu adaptações incomuns. Sable é formada por dunas móveis sobre uma fina “lente” de água doce subterrânea. Assim, os cavalos desenvolveram duas estratégias distintas:

  • No lado oeste, utilizam lagoas naturais;
  • No lado leste, onde elas não existem, cavam poços na areia até alcançar água doce — um comportamento extremamente raro entre equinos selvagens.

Invernos de resistência

Durante os meses mais frios, eles migram para o interior da ilha e buscam abrigo no lado protegido das dunas, reduzindo a exposição aos ventos violentos do Atlântico. A pelagem cresce de forma intensa e funciona como isolamento térmico natural.

Com a escassez de alimento fresco no inverno, os cavalos passam a depender mais das reservas acumuladas. Como não há predadores significativos, muitos animais idosos morrem de fome quando os dentes já não conseguem processar o alimento, algo típico de populações selvagens sem manejo.

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Um símbolo da natureza indomável

Com genética distinta, comportamentos singulares e uma impressionante capacidade de sobreviver a condições extremas sem qualquer intervenção humana, a manada da Ilha Sable se tornou um raro exemplo de evolução em tempo real. 

Ela é também uma das últimas populações verdadeiramente selvagens da América do Norte e um importante patrimônio natural e cultural da Nova Escócia.

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Protegidos por lei, esses cavalos continuam vivendo como sempre viveram: selvagens, livres e moldados pela força de uma ilha que desafia a lógica, o clima e os séculos.

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