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Cotidiano

Papo de Domingo - '“Tudo o que a gente passa na vida é aprendizado”

A prefeita de Cubatão, que retornou ao cargo na última quarta-feira, dia 2, conversou com a reportagem do Diário do Litoral sobre como foram os 35 dias de afastamento da Prefeitura

Pedro Henrique Fonseca

Publicado em 06/07/2014 às 11:01

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Dona Darcy completará 80 anos em setembro. E passou recentemente por uma das maiores provações – de tantas, de sua origem humilde. Ela foi trabalhar por 35 dias em um local onde sua filha tinha sido tirada do posto. Dona Darcy é uma mulher de fé. A fé a faz acordar às 6 horas, todos os dias para rezar. Dona Darcy reza ajoelhada. E era essa imagem que Marcia Rosa Mendonça da Silva via nas manhãs dos 35 dias em que esteve afastada do cargo de prefeita de Cubatão, por conta de uma disputa judicial/ eleitoral.

Marcia Rosa chorou ao contar essa passagem, ao Diário do Litoral, quando recebeu a Reportagem na noite de quinta-feira em seu gabinete. Quem conhece a prefeita sabe que ela é assim. Chora quando tem de chorar. Fala sem medir as palavras com os olhos nos olhos do interlocutor. Na entrevista a seguir, ela conta do calvário que passou nos 35 dias, e da alegria do retorno ao Palácio Piaçaguera. Alegria, misturada ao choro. Bem ao estilo Marcia Rosa.

Diário do Litoral - Depois de 35 dias afastada, a senhora retornou e, na primeira entrevista, destacou muito a questão religiosa nesse período. Citando até de um ritual religioso seguido pelo seu vice, Donizete Tavares do Nascimento (PSC). O quanto foi importante essa parte religiosa?

Marcia Rosa - Foi imprescindível. Fui criada em uma família muito religiosa. O Donizete também. Nesse momento a gente se apega muito na força de Deus. É a Ele que a gente pede sabedoria, força para continuar caminhando, pede tranquilidade. Essa fé que desperta na gente é que nos mantêm firme e forte com disposição de continuar lutando, acreditando nas coisas. Minha mãe, dona Darcy, levantava 6 horas da manhã, e ficava ajoelhada, rezando. Isso todos os dias.

DL - Isso foi o que mais tocou a senhora nesse período?

Marcia - Sim. Porque é minha mãe. A gente passa a vida inteira dependendo dos pais. Há um momento da vida que eles precisam da gente, precisam do nosso carinho, do nosso cuidado, da nossa atenção. É como um filho, você cuida até eles caminharem pelas próprias pernas. A mesma coisa foi com minha mãe. Eu perdi meu pai, e a única coisa que eu quero é que minha mãe seja feliz. Ela nasceu em um mundo em que a discriminação contra a mulher era muito maior, a severidade, a sociedade era muito mais rígida. Ela sofreu muito mais, agora com quase 80, que ela faz em setembro, tudo o que eu quero é o quê? Ver minha mãe feliz. Então, ver minha mãe chorar, ver minha mãe triste, doeu.

'As pessoas conhecem a Marcia. E nesses 30 e poucos dias eu era Marcia. Continuo sendo a Marcia' (Foto: Matheus Tagé/DL)

DL - A senhora teve que se manter forte até para não mostrar para sua família o quanto a senhora estava sofrendo?

Marcia - Exatamente. E tem outro lado. Eu raramente saio do gabinete antes das 22 horas. Eu preciso repensar a vida. Planejar. E nesse período pude fazer a sopinha de legumes, levar no quarto pra minha mãe, na cama. Eu pude fazer isso. Pude cuidar melhor da minha família, dos meus amigos. Pude olhar com mais atenção para esse lado. Eu sou uma pessoa que entro muito de cabeça nas coisas. Algumas podem dizer que isso é uma virtude, mas dependendo de como você olha, isso não é uma virtude.

DL - A senhora acha que vai conseguir mudar esse seu jeito, agora, voltando a administrar a Cidade?

Marcia - Eu sempre acho que nós, enquanto seres humanos, estamos sempre em processo de completude, como dizia Aristóteles. Nós nunca somos seres completos. A gente tem de estar sempre se completando, melhorando. Eu tenho certeza absoluta de que tudo o que a gente passa na vida é para que sirva de aprendizado para fazermos as coisas da melhor forma possível. Aprender a ter mais paciência, diminuir ansiedade, mais sabedoria. A experiência te propicia que você possa ter mais instrumentos para agir com mais sabedoria. Foi um momento de muita reflexão interna da minha vida. Venho de uma família pobre, humilde, nasci em Cubatão. Nasci em Cubatão no dia do aniversário da emancipação. Minha mãe nasceu aqui. Minha avó nasceu aqui. Meu avô veio de Portugal. É uma família de fundadores da Cidade. Da época que isso aqui era um bananal. Então tenho um vínculo afetivo e efetivo com a Cidade. Então, quando acontece uma situação como essa... Eu moro nessa rua. Eu moro nessa casa.

DL - A senhora nesses 35 dias não ficou fora da Cidade, tirando os dias que foi a Brasília resolver os problemas?

Marcia - Fiquei na Cidade.

DL - Como é ficar na Cidade em que a senhora deixou repentinamente de ser prefeita e passou a ser uma munícipe?

Marcia - A gente sente um pouco de tudo. Você acorda um dia e está acostumado a trabalhar. Fiquei quase 30 anos em sala de aula. Quando assumi como vereadora, ainda estava em sala de aula. E nos primeiros dias acorda e vai pra onde?


'Nós nunca somos seres completos' (Foto: Matheus Tagé/DL)

DL - Meio sem rumo?

Marcia - Não. Fui buscar meu prumo. Acho que eu fui voltar pra dentro de mim. Buscar meu eixo interno e olhar mais para as coisas que eu tenho. Pude curtir mais meus netos, minha casa, minha mãe, minha família, ler mais.

DL - O que a senhora leu nesse período?

Marcia - Li muito a Biblia. Li muitos salmos. As pessoas indicavam ‘leia esse salmo, leia aquele’. Evitei ler jornal e assistir TV. Cuidei da casa, lavei bastante roupa. Eu fui uma mulher como qualquer outra que cuida da casa, dos filhos, da família. Uma mulher que sofre, que chora.

DL - A Cidade teve um prefeito que não foi eleito para esse cargo. Teve contato com ele? Passou alguma recomendação?

Marcia - Tive vários contatos ele. Ele foi à minha casa várias vezes, vim varias vezes aqui no gabinete. Passei datas e prazos para ele não perder. Fiquei quatro anos como vereadora com o Wagner (Moura), e no primeiro mandato ele foi meu secretário. Ele conhece a máquina. Conversamos pessoalmente várias vezes, e por telefone, praticamente todos os dias. Ele estava na Câmara e de repente teve de assumir cargo de prefeito. Ele não esperava. Quando falo da fé e que Deus prepara tudo, é isso: olha como Ele prepara tudo. Quem era o presidente da Câmara? O Wagner Moura. A pessoa que eu tenho a maior proximidade da Câmara, é do meu partido. Portanto, continuou o mesmo projeto político. Isso foi uma coisa muito boa para mim, para ele, para o Governo, para a Cidade. Ele não veio interromper o Governo, deu continuidade. Fez a mudança que ele achou que precisava fazer. Os ajustes, ele compartilhou comigo. Nada foi interrompido. Minha admiração por ele não só pelo político, mas pela pessoa. Ele agregou. O Governo não foi interrompido. A Cidade não teve prejuízo. Graças a Deus isso não aconteceu.

DL - Tente reproduzir a cena de onde a senhora estava e como recebeu a notícia de que voltaria à Prefeitura.

Marcia - Eu estava na minha casa, no meu quarto. Minha mãe estava do meu lado. Eu estava dobrando roupas, conversando com minha mãe. E recebi a ligação do advogado, de Brasília, que disse: “Volta, volta, volta prefeita para a cadeira que é sua. Que o povo te deu”.

DL - E a senhora chorou.

Marcia - Chorei. Abracei minha mãe. E falei ‘mãe, a senhora vai voltar junto comigo’. Falei ‘mãe, vamos voltar juntas’. Porque ela é a primeira-dama do Município. E trabalhou todos os dias na Prefeitura. Com quase 80 anos. O Wagner falou ‘Márcia, sua mãe sempre se dedicou. Não vou mexer no Fundo de Solidariedade’. E ela vinha trabalhar porque gosta do Wagner, veio com toda alegria. E ela falou ‘Vou voltar para o Fundo com a minha filha que é prefeita’.

'Eu sempre acho que nós, enquanto seres humanos, estamos sempre em processo de completude' (Foto: Matheus Tagé/DL)

DL - A senhora acredita que a população entendeu o processo que a tirou do cargo?

Marcia - Pela recepção que tive aqui na frente da Prefeitura, na minha casa, acho que boa parte entendeu. No primeiro momento, não. Foram muitas correntes de oração. As pessoas diziam que era injusto. Até pessoas que não votaram em mim. No primeiro momento, não entenderam. Depois passaram a entender que era uma questão eleitoral. De uma acusação de que o jornal disse que teria eleito a prefeita, em 2012. E houve essa compreensão. De boca em boca, através da Imprensa. Porque entender processo eleitoral é muito difícil para o cidadão médio, de senso comum. Não faz parte do entendimento. O que significa improbidade? O que é cassação? Leva diretamente a pessoa a pensar em desonestidade, em corrupção. Mas é aí que entra essa proximidade. Eu sou da Cidade, minha família é daqui. Dei aula 30 anos aqui. As pessoas conhecem a Marcia. E nesses 30 e poucos dias eu era Marcia. Continuo sendo a Marcia. Mas as pessoas estavam olhando a Marcia. Aquela mulher, aquela mãe, aquela filha, aquela professora, aquela vereadora, aquela pessoa. E isso é muito bom.

DL - Na próxima pergunta, eu gostaria que a senhora respondesse mais com a razão, e menos com o coração. O quanto de informação que a senhora tem do seu departamento jurídico que dá garantia de que não haverá outra reviravolta que a tire do cargo?

Marcia - O ministro (João Otávio de Noronha, do Tribunal Superior Eleitoral) mais do que concedeu uma liminar, ele se posicionou. Entrou no mérito da questão colocando que um jornal de circulação local, que nem se sabia a quantidade que era distribuído, era capaz de influenciar uma candidatura de uma pessoa que foi eleita com mais de 55% dos votos. Esse jornal não tem poder de influenciar, mesmo tendo sido lido. E outra coisa que gera um debate, quem sabe uma jurisprudência no Brasil, para discutir as questões eleitorais de outra forma. Por exemplo: vi prefeito Paulinho (Paulo Wiazowski Filho), de Mongaguá, sendo cassado por conta de 30 placas. Como fica o respeito às urnas? Ele foi eleito pelas pessoas. Ele foi cassado por 30 placas. Não poderia ser multado, advertido? Ele perdeu o mandato. Tem de se pensar na dosimetria. Qual é a punição adequada para aquilo que se considera ato ilegal do ponto de vista eleitoral? A lei não proíbe um jornal ter uma linha editorial. Portanto, nenhuma matéria que estava ali era mentirosa. Então, acho que gera uma jurisprudência. E o questionamento feito: se você está em um período eleitoral, de três meses, e seu adversário se sente prejudicado por um jornal porque o oposicionista não vai questionar o mesmo espaço? Para que esperar o período eleitoral para depois montar um dossiê, para depois derrubar um prefeito? Se esse viés jurídico caminhar nessa direção a democracia está comprometida. 

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