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Cotidiano

Com poucas opções, crianças ainda aguardam seu dia no Centro de Santos

Diário esteve na área do Mercado Municipal, onde há pouco o que comemorar na semana da criança. Na Zona Noroeste, a realidade não é diferente

Carlos Ratton

Publicado em 14/10/2017 às 10:00

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'A quadra está sempre suja, molhada, abandonada mesmo. Não tem como jogar bola lá. Então, a gente joga na rua', diz Pedro / Rodrigo Montaldi/DL

Segunda-feira (9), 16 horas, bairro Vila Nova, região de entorno do Mercado Municipal de Santos. Setenta duas horas antes do Dia das Crianças, três garotos – Pedro, João e o pequeno Miguel (com uma bola de futebol velha em mãos) – são surpreendidos pela Reportagem sentados numa das coloridas embarcações que fazem a travessia entre Santos e Guarujá. O entorno é cinza, sujo e, até por isso, sem quaisquer tipos de atrativos. Somente a ingenuidade de uma criança, atraída pela alegria das cores das embarcações, é capaz de assimilar tamanha escassez de entretenimento e lazer e ainda sorrir diante da paisagem, mesclada com moradores de rua e consumidores de drogas.

Pedro, o mais velho da turma, foi logo dizendo ao ser abordado pela Reportagem: “Eu sou velhinho já. Tenho 17 anos”, disparou nos seus pouco mais de 1,30 de altura. Vencida a resistência em falar ao gravador, Pedro disse que não se incomoda mais com a falta de opções de lazer no lugar em que sua família foi destinada a morar.

“A quadra está sempre suja, molhada, abandonada mesmo. Não tem como jogar bola lá. Então, a gente joga na rua e depois ficamos olhando o movimento dos barcos. Eu estudo à noite e eles estudam de manhã”, disse, apontando para os colegas.

João, de 12 anos, é frequentador assíduo do entorno do mercado. Diz que não sonha com nada. Seu tempo, quando está fora da escola, é dedicado a bater bola na Praça Nagasaki, que serve como local de espera das barquinhas e consumo de drogas. De vez em quando, ele vai à praia, mas para isso, precisa arrumar transporte. “Eu vou quando consigo uma bicicleta. Não tenho dinheiro para a condução”, revela.

Foram várias as tentativas, mas Miguel, de oito anos, de boca fechada, manipulando a pequena bola de futebol, só ouvia os amigos. Muito tímido, a Reportagem foi convincente para tirar-lhe um sorriso, mas não o suficiente para disputar a atenção da ‘redonda’, inseparável até quando os três voltaram para o barco para mais alguns instantes de proza.

Olhar melancólico

Assim como o nome dos meninos, Maria também foi o fictício escolhido pelo Diário do Litoral para uma moça de 17 anos que estava passeando pela Praça Nagasaki com seus dois filhos – um de dois anos e outro de apenas quatro meses. Quando a Reportagem a abordou, ela balançava o carrinho e olhava melancolicamente para a travessia, enquanto o filho maior chutava bola de plástico poucos metros a sua frente.

“Antigamente, havia um parquinho aqui nessa praça. Agora, só nos resta olhar o movimento. Nem um espaço de lazer para as famílias tem. À tarde, depois de pegar o maior na creche, fico andando com eles. À noite, fico em casa. Não dá para sair. Aqui deveria ter brinquedos, um parquinho, pois tem muita criança. Muitas mães fazem o mesmo, ficam andando com os filhos e tentam distraí-los com o que podem”, relata a jovem mãe.

“Aqui, é infância zero”

A frase curta e grossa é de Samara Faustino, presidente da Associação dos Cortiços do Centro de Santos. Ela acredita que exista ao menos cinco crianças, pelo menos, por família, entre as vilas Nova, Rica, Mathias, Paquetá e Valongo.

“Há anos que não existe lazer para as crianças. É escola, creche e casa. Não tem espaço público destinado à infância. A Praça Nagasaki, por exemplo, possuía brinquedos doados por empresas, mas a Prefeitura, gestão do prefeito Papa (João Paulo Tavares Papa), hoje deputado federal, retirou os equipamentos e não os substituiu”, disse.

A representante dos moradores de cortiços que, segundo acredita, agregam cerca de 14 mil moradores, lembrou ainda que as professoras da Unidade Municipal de Ensino Professora Maria Helena Roxo, na Vila Mathias, chegaram a promover atividades lúdicas na praça, que hoje serve como palco de consumo de drogas e até de prostituição.

“As crianças ficam presas aos quartos dos cortiços. Não podem brincar pois os cômodos, divididos por paredes finas, não impedem o barulho que incomoda a família ao lado. A rua suja, degradada, perigosa (assédio de estupradores) e sem brinquedos é a única opção”, explica.

Samara Faustino acredita que os direitos das crianças não deveriam ser defendidos apenas pelos conselhos tutelares, mas por toda a sociedade santista.

“Criança tem que sonhar, tem que ter atividade. Aqui falta lazer, esporte e cultura. Até um balanço com pneus valeria a pena. Uma mãe deveria ter o prazer de poder ver os filhos brincando. Na praia não dá, pois o preço da passagem está alto e as crianças olham as coisas (comida) e pedem. Nossas crianças estão privadas de tudo”, lamenta.

Diário vem mostrando a realidade há meses

A falta de opção para as crianças que moram na área central e na Zona Noroeste em Santos já foi tema de inúmeras reportagens do Diário do Litoral este ano. Em todas, pessoas e profissionais que lidam com a questão da infância na Cidade informaram que a precária infraestrutura urbana e a falta de equipamentos públicos estavam, e ainda estão, proporcionando o aliciamento de dezenas meninos ao crime e expondo meninas ao assédio e à exploração sexual.

No Centro, a conselheira tutelar Idalina Galdino Xavier revelou que dezenas de meninas de 12 a 17 anos estão diariamente sendo exploradas sexualmente. A situação é detectada nas ruas. As meninas sofrem não só por terem o corpo usado como mercadoria, mas por outros tipos de violência física e pelo uso de drogas para suportar as humilhações. Muitas meninas estão até cometendo pequenos delitos para sobreviver.

A falta de estrutura familiar leva a maior parte das crianças e adolescentes para as ruas. Elas não têm discernimento para compreender que estão sendo empurradas pela família para as ruas para manter a própria subsistência. As crianças e adolescentes exploradas também ficam expostas a doenças. Na entrada de Santos, por exemplo, é muito comum meninos fazendo malabares no semáforo em troca de algumas moedas.  

Noroeste

Na Zona Noroeste, área periférica de Santos, que faz divisa com São Vicente, não é diferente. O conselheiro Gian Karlo Xavier disse que sem educação e saúde de qualidade; cultura, esportes e lazer mínimos e um ambiente socialmente saudável, as crianças, moradoras dos bairros Vila dos Criadores, Telma, Pantanal, Capadócia, Alemoa e outros tão carentes como, passam o dia se agarrando no que podem por uma vida melhor, nem que seja como “avião” de um traficante ou na boleia do caminhão de um caminhoneiro a procura de algumas horas de sexo extraconjugal.

Além do ambiente insatisfatório e desigual, o que mais choca a equipe de conselheiros é a omissão do poder público, que ajuda no fomento da violência. Nas áreas mais vulneráveis, não há luz e saneamento básico. O cheiro de chorume (líquido proveniente do lixo) é constante. Caminhoneiros assediam as meninas e traficantes incentivam os meninos a praticar pequenos delitos no Centro e outros bairros.

Políticas Públicas

Numa das reportagens, o presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Santos, Edmir Santos Nascimento, chegou a ressaltar a importância de se traçar um plano de ação urgente para mudar a realidade dramática de mulheres e crianças em vulnerabilidade social no Município. Ele não se conformava de ver pessoas morando em cortiços, sem ventilação, insalubres. Crianças contraindo doenças. Morando num quarto que serve como sala e cozinha e meninas usando banheiro coletivo. O presidente do CMDCA salientou a falta de equipamentos públicos e projetos esportivos e culturais.

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