VIOLÊNCIA

Após 2 anos em queda, número de feminicídios volta a aumentar em São Paulo

Apenas naquele mês, houve seis feminicídios na cidade; em todo o ano, foram 41, uma alta de 24% em relação a 2021

ISABELLA MENON - FOLHAPRESS

Publicado em 12/03/2023 às 10:48

Atualizado em 12/03/2023 às 10:51

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Cidade terminou 2022 com 195 feminicídios, 39% a mais em comparação a 2021 / Marco Santos/USP Imagens

A corretora de seguros Ana Carolina da Silva Santos Fernandes, 27, foi assassinada dentro de casa pelo marido. Foi sua mãe, Adriana da Silva, que a encontrou já sem vida na sala com a neta de um ano dormindo sobre seu corpo. O crime ocorreu em outubro do ano passado, na zona leste de São Paulo. 

Apenas naquele mês, houve seis feminicídios na cidade. Em todo o ano, foram 41, uma alta de 24% em relação a 2021.
A mãe lembra que ele espancou a jovem pela primeira vez com cinco meses de namoro. "Ela apanhava, as brigas eram constantes, a gente pedia para ela se separar dele, mas ela achava que ele ia mudar", conta Adriana. 

O relacionamento, continua a mãe, foi acabando com a filha aos poucos. "Tento me lembrar dela feliz, porém a única lembrança que me vem é dela morta naquele colchão." 

Ana Carolina teve três filhos. Hoje, cada um vive em uma casa e, aos finais de semana, a família tenta reuni-los. A avó materna cuida da mais nova, de um ano. 

Casos como o de Ana Carolina se multiplicaram não só na cidade de São Paulo mas também no restante do estado, que terminou 2022 com 195 feminicídios, 39% a mais em comparação a 2021. 

O aumento interrompeu dois anos consecutivos de queda no número de feminicídios, tanto na capital quanto em todo o estado. 

As razões exatas por trás dessa mudança ainda são desconhecidas. 

Diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno cita entre os possíveis motivos a radicalização da população, a ascensão da extrema direita e a proliferação de influencers com discurso misógino e machista.

"Tenho a impressão de que o processo eleitoral reavivou esses grupos e que as relações deles ficaram mais afloradas, o que se materializou em violência dentro da casa das pessoas." 

Classificado como homicídio praticado contra a mulher por razões da condição do gênero feminino e em decorrência da violência doméstica e familiar, o feminicídio está previsto em lei sancionada em março de 2015. Por isso, o primeiro ano completo com dados sobre esse crime é 2016. 

De 2016 até 2022, só na capital paulista foram 226 feminicídios, com a maioria das mulheres assassinadas com perfil semelhante ao de Ana Carolina. 

As vítimas na cidade nesse período foram mortas sobretudo em casa (59%) –pesquisa do Fórum de Segurança Pública publicada no início deste mês apontou que a maioria dos casos de violência contra mulher no país acontece dentro de casa. 

Nos sete anos, feminicídios ocorreram mais à noite (32%) e em um domingo (23%). 

Grande parte das vítimas sofreu golpes de armas brancas, como facas e canivetes, ou esganadura –Ana Carolina foi estrangulada depois de ser agredida. Os casos em que armas de fogo são usadas não chegam a 20%. 

A corretora de seguros vivia na região leste da capital e o boletim de ocorrência foi feito no 63º DP, em São Miguel Paulista. 

São as delegacias de fora do centro expandido paulistano que registram mais esse tipo de crime. 

A área sob responsabilidade da delegacia do Capão Redondo, na zona sul da capital, responde pela maior quantidade de feminicídios: 14. 

As dos distritos policiais de Parelheiros e Jardim Herculano, também na zona sul, aparecem em seguida, com 11 e 9 casos, respectivamente.

Considerando os dados de toda a cidade, a idade média das mulheres assassinadas é de 35 anos. Porém a variação etária é grande. Entre 2016 e 2022, as vítimas foram desde crianças de dois anos até mulheres de 88. 

Para a promotora Silvia Chakian, do Ministério Público, os dados mostram que a violência permeia a vida da mulher desde cedo, sendo praticada principalmente pelo ex-companheiro ou pelo atual. 

Ainda segundo ela, quando a vítima é criança, o autor do crime costuma ser o pai ou o padrasto. Quando a vítima é idosa, o autor pode ser o filho, o neto ou o sobrinho. 

A promotora diz perceber que hoje existe um aumento do debate público de assuntos relacionados à violência contra mulher, mas os números indicam que há um longo caminho pela frente. "Ainda falhamos na conscientização desde muito cedo sobre o que é violência e respeito às mulheres." 

Além disso, de acordo com ela, o aumento no número de violência contra a mulher está diretamente ligado à desigualdade de gênero. 

Com isso, a seu ver, as estatísticas não vão mudar sem avanços em políticas que proporcionam direitos fundamentais à população feminina, como moradia, emprego, segurança alimentar e acesso à Justiça. 

A maioria dos registros policiais (42%) não contém informação sobre a profissão das vítimas nos sete anos na capital. Entre aqueles em que a descrição aparece, 7% constam com profissões relacionadas à limpeza, 6% como estudantes, 3% como desempregadas e 3% como aposentadas. 

Quando analisado o perfil racial das 226 vítimas de feminicídio, 45% eram pardas, 45%, brancas e 10%, negras. 

A delegada Júlia do Espírito Santos da 6ª DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), de Santo Amaro, na zona sul, afirma que, na maioria das vezes, os crimes acontecem fora do centro expandido da capital porque as mulheres permanecem nas relações em razão de dependência financeira. 

"Muitas vezes estão sofrendo em casa, mas não conseguem sair por não conseguir se sustentar. Assim, submetem-se àquele ciclo de violência." 

À frente do 49ª DP, em São Mateus, na zona leste, o delegado Leandro Resende afirma notar que autores desse tipo de crime normalmente rejeitam o fim do relacionamento. 

"É um cara que tem pouco a perder, que já cumpriu alguma pena e não se conforma com a mulher. Ele não aceita uma separação e pensa 'eu mato ela, fico dez anos preso, mas, se ela não fica comigo, não fica com ninguém'", diz o policial. 

Em meio ao aumento da violência contra a mulher, Jamila Ferrari, coordenadora das delegacias da mulher em São Paulo, diz que a Polícia Civil trabalha para reduzir os números.

De acordo com ela, poucas das mulheres assassinadas contavam com medidas protetivas contra seus agressores. 

Há um projeto de criação de salas em plantões policiais para o atendimento de vítimas de violência doméstica. 

Atualmente, o estado conta com 77 unidades. Faltam 63 a serem instaladas e a expectativa é que esse processo seja concluído até o fim de maio deste ano. 

A polícia também estuda refazer o edital das tornozeleiras utilizadas por agressores para garantir o cumprimento de medida protetiva. 

Jamila chama atenção para o fato de que na grande maioria dos casos o autor do feminicídio é de autoria conhecida, o que facilitaria os pedidos de prisão. 

"Por que elas não estão buscando ajuda? Temos que trabalhar para que essa mulher tenha informação e registre um boletim de ocorrência ao primeiro sinal de violência." 

COMO DENUNCIAR 

No caso de urgência, ligue para o 190 Para atendimento multiprofissional, em São Paulo, vá a Casa da Mulher Brasileira (r. Vieira Ravasco, 26, Cambuci, tel.: 3275-8000) –local funciona 24 horas todos os dias. A mulher tem acesso a delegacia, Ministério Público, Tribunal de Justiça e alojamento provisório se a pessoa não puder voltar para casa. Na Ouvidoria das Mulheres, por meio de um formulário online. Projetos como Justiça de Saia, MeTooBrasil e Instituto Survivor dão apoio jurídico e psicológico para as mulheres vítimas de abuso e violência doméstica.

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