Mistério das memórias perdidas ajuda a entender nossa identidade / Freepik
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O nascimento, os primeiros passos e as primeiras palavras são acontecimentos fundamentais no desenvolvimento humano.
Mesmo assim, ninguém consegue se recordar desses momentos. Essa ausência de memória é chamada de amnésia infantil e há muito tempo intriga psicólogos e cientistas do cérebro.
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O debate central é se criamos lembranças nos primeiros anos e depois as perdemos, ou se o cérebro ainda não possui estrutura madura para armazená-las de forma permanente.
Segundo Nick Turk-Browne, professor da Universidade de Yale, durante muito tempo acreditou-se que bebês não eram capazes de formar recordações.
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Essa ideia estava ligada ao fato de ainda não terem um senso de identidade formado ou à ausência da linguagem.
Outra explicação defendia que apenas a partir dos quatro anos seria possível registrar lembranças, quando o hipocampo, área do cérebro responsável por consolidar memórias, já estaria mais desenvolvido.
“Essa região cresce mais que o dobro ao longo da infância”, disse Turk-Browne à BBC. “Talvez por isso não consigamos guardar as primeiras experiências, já que não dispomos ainda do circuito necessário.”
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Um estudo recente liderado pelo pesquisador, no entanto, mostrou que esse entendimento pode estar incompleto.
A análise observou a atividade cerebral de 26 bebês entre quatro meses e dois anos ao verem imagens e indicou que o hipocampo já é capaz de codificar informações a partir do primeiro ano de vida.
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A relação entre hipocampo e memória é bem estreita, como mostra o vídeo do canal Neurofuncional. Assista abaixo:
Esse achado foi considerado um primeiro avanço para entender se as crianças realmente criam memórias. Para Turk-Browne, o próximo desafio é saber se elas permanecem guardadas em algum nível e se poderiam ser resgatadas no futuro.
Pesquisas com animais apontam nessa direção. Em 2023, um estudo mostrou que ratos adultos haviam esquecido como sair de um labirinto, mas recuperaram a lembrança quando áreas específicas do hipocampo foram estimuladas artificialmente.
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Catherine Loveday, professora de neuropsicologia da Universidade de Westminster, também disse acreditar que bebês já conseguem formar memórias, especialmente quando começam a falar.
“Sabemos que crianças pequenas voltam da creche e contam o que viveram, mas alguns anos depois não conseguem mais relatar. Isso mostra que as memórias estavam ali, mas não ficaram registradas”, explicou.
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Um desafio extra para os pesquisadores é identificar se uma lembrança da fase de bebê é genuína.
Loveday destacou que a mente reconstrói memórias e que relatos de terceiros podem levar a lembranças falsas, que parecem absolutamente reais.
“O problema da memória é que ela nunca é uma cópia fiel. Se alguém lhe conta algo e você tem detalhes suficientes, seu cérebro pode montar uma recordação que soa verdadeira”, disse à BBC.
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Para Turk-Browne, o tema vai além da ciência e toca em questões de identidade pessoal. “Tem a ver com quem somos”, afirmou.
“E perceber que existe um ponto cego nos primeiros anos, em que não conseguimos nos lembrar de nada, é algo que desafia a forma como pensamos sobre nós mesmos.”