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Ceni e Marcos Paulo: Conflito diz mais sobre a cabeça do jogador atual do que o ego do treinador

Você pode estar se perguntando: quem é Marcos Paulo? E é exatamente esse o ponto de partida dessa coluna. 

Por que estamos falando das reações e das consequências de uma confusão envolvendo um atleta de 21 anos que pouco se mostrou no futebol até agora? De um jovem com meia dúzia de oportunidades, não tão bem aproveitadas assim, com a camisa do São Paulo, que já foi para a Europa e voltou depois de não se adaptar, e tem pouco mais de 100 jogos na curta carreira. O estrago causado pelo embate com o treinador foi para tudo isso mesmo? 

O roteiro da confusão é simples. Ceni, o treinador, vem utilizando pouco o jogador. Parte da torcida, cobra mais a presença de Marcos Paulo nos jogos. Já o atleta, parece insatisfeito em ser preterido pelo comandante. Demonstrou isso através das redes sociais, logo depois de Rogério responder sobre ele na coletiva de eliminação para o Água Santa. O questionamento era se Marcos Paulo vinha treinando bem. A resposta foi positiva, com o adendo de que ainda faltava intensidade ao jovem jogador. O suficiente para que uma crise explodisse no CT da Barra Funda. Postagem com indireta, curtidas em críticas a Ceni e a bomba explodiu. Marcos Paulo foi cobrado pela diretoria e teria dito que tudo foi apenas um mal entendido. O pior ainda estava por vir. O treinador cobrou o jogador diante de todo o elenco. O staff do atleta vazou para a mídia que a cobrança passou do tom, gerando a revolta de parte dos jogadores. Já o São Paulo, tendo a dimensão do pepino, colocou panos quentes. Mesmo ciente do temperamento do técnico e ídolo do clube como jogador, que já entrou em conflito com outros atletas - como Patrick no ano passado - a diretoria teve um entendimento inicial de que a cobrança mais intensa faz parte de um cenário pós-eliminação, ainda mais diante de um adversário inferior. Após se aventar a possibilidade de desligamento do treinador, ficou definido, em um primeiro momento, que Rogério fica. Inicialmente, Marcos Paulo também continua. 

Desde o surgimento da história, o conflito entre Ceni e Marcos Paulo tomou conta dos debates esportivos. Quem teria a maior parcela de culpa? Os holofotes se voltaram muito mais para a figura de Rogério e como o ego do treinador tem atrapalhado a condução de seus trabalhos, principalmente em grandes equipes do futebol brasileiro. No São Paulo, pela grandeza que tem dentro do clube, Ceni é muito mais que um técnico. As falas do ídolo são-paulino extrapolam as quatro linhas e vão desde a cobrança pela condição das piscinas do clube, passando pela crise financeira da instituição, chegando até uma certa blindagem a diretoria, sendo mais claro em alguns assuntos do que o próprio mandatário atual, Júlio Casares. Ceni parece ser muito sincero nas respostas, não foge de questionamentos e assume questões que outros não assumiriam, como tentar trabalhar com jogadores que não foram indicados por ele, como o argentino Galoppo, que mesmo preterido em algumas oportunidades, virou o artilheiro do time em 2023, até sofrer uma grave lesão no último jogo. Para muitos, Rogério mais cria crises do que de fato tenta evitá-las. 

Acho sim que Ceni deveria se policiar mais com relação a alguns delírios de grandeza que acaba tendo como treinador, principalmente no São Paulo. Creio que o tempo trará mais experiência e sabedoria ao técnico, ainda mais num futebol que vem mudando ao longo dos últimos anos. O comportamento dos atletas dita um novo cenário e é nesse ponto que quero bater aqui. Como goleiro, Ceni viveu outros tempos. Os anos 90 marcaram um início de uma mudança comportamental do jogador de futebol, que se viu muito mais como um ser individual, a partir do momento que teve o poder do próprio passe, com a Lei Pelé. Dono do próprio destino, o atleta se valorizou, passou a ganhar mais e viver numa nova redoma. Dentro dela, vivem empresários, assessores e bajuladores, que colocam na cabeça do cidadão que ele é a grande estrela do show e não merece ser criticado ou preterido por um treinador de futebol. Aos 21 anos, com pouco mais de 100 jogos na carreira, nenhum título de expressão, Marcos Paulo vive um delírio de grandeza, como se fosse um ídolo consagrado, um jogador incontestável e imprescindível para o São Paulo, como Rogério sempre foi. 

Ceni pode ter errado no tom, mas acerta ao não se render para imposições de um futebol tocado por empresários que colocam na cabeça de um jogador que ele não pode ser reserva e que as críticas vêm apenas daqueles que não querem o seu bem. Quem sabe um dia, Marcos Paulo enxergue a postura de Rogério como algo positivo para o desenvolvimento da sua carreira. Está na hora de termos um olhar menos paternalista na relação entre treinadores e jogadores. O momento de baixa por qual os profissionais brasileiros têm passado, exemplifica essa relação ultrapassada. Um treinador precisa ser cobrado por suas ideias de jogo, implementação dentro das 4 linhas e, por consequência, desempenho do time e resultados. A relação de trabalho dos estrangeiros tem escancarado a diferença de métodos para os técnicos daqui. Criou-se uma ideia, principalmente entre os treinadores mais experientes, que jogador de futebol precisa de carinho e de um bom ambiente para desenvolver seu futebol. Para muitos a “ resenha de vestiário” tem mais valor do que um método de trabalho que coloque os jogadores abaixo de uma hierarquia onde o treinador tem como principal dever desenvolver esses atletas na esfera esportiva. Vestiário não pode ser zona de conforto, dentro um mundo que já oferece inúmeros confortos ao atleta de elite, cada vez mais mimado e distante da realidade. Ceni acerta em não se curvar e colocar Marcos Paulo no devido lugar de um atleta em início de carreira. Ao manter um distanciamento do perfil paternal, o treinador permite ser cobrado por suas ideias e escolhas dentro das quatro linhas. Nesse ponto, o trabalho de Rogério no São Paulo é apenas mediano e merece ser questionado após mais um fracasso traumático.

 

*foto: Rubens Chiri/saopaulofc.net

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