Olhar Filosófico
Foto de FreePik
Continua depois da publicidade
Amo as palavras. São tudo que tenho e minha vida tem sido e será a tentativa (vã e hercúlea) de descobri-las em sua impossível justa-medida. As palavras me habitam mais fundo do que qualquer órgão. É algo tão profundo que se um dia esse meu corpo já cansado vier a precisar de um transplante de órgãos, tenho certeza que ao me abrirem enquanto matéria, o cirurgião, perplexo dirá: “Antes do fígado ou coração para fazermos a troca, passa-me por favor as palavras, qualquer palavra para inserção nesta matéria que ficou oca, pois este homem se esvaziou”. As palavras são meu pharmakon, no sentido próprio do grego, platônico, remédio e veneno.
É nas palavras e nos seus cortes silenciosos (onde calo enquanto voz e me fecho em mistério e rizoma) que vejo e posso descrever meu mundo (amor e tremor - afinal, algo mais importa?), como bem disse o filósofo austríaco que tanto amo, Ludwig Wittgenstein, "Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo".
Continua depois da publicidade
Dentre as palavras que mais uso e para as quais me entrego (afinal, as palavras são a consciência mágica/consciente da espécie, enquanto sou apenas um tentáculo incrustado à seiva desse conjunto orgânico coletivo dotado apenas de Vontade), sobremaneira está dentre elas. Para que não fuja de minha objetividade com você leitor (a), cito o dicionário Michaelis em sua definição: “(adv) Além da justa conta ou medida; altamente, excessivamente, extraordinariamente, muito, sobremodo”. Ou seja, ela me representa enquanto intensidade, enquanto lógica, enquanto caos, enquanto tentativa, enquanto o advérbio que também sou.
Quase todos os dias, inclusive, penso em fazer um poema apenas com a palavra sobremaneira, mudando as letras e suas figuras para chegar numa espécie do limite de um quadro branco sem borda, tudo dito e explicado, esvaziado, pois repleto do limite possível do seu sentido. Enfim…
Continua depois da publicidade
Sobremaneira, sobretudo sobre-nuvens, quero me ater aqui. Sobremaneira!
Certa vez (ou terá sido um sonho bom - ou pesadelo?), não sei quem, como e em qual circunstância, me disse baixinho ao ouvido, “Existem pessoas que fazem escolhas difíceis, muito difíceis, mas você, faz as impossíveis!”. Desde então, sobremaneira, vivo dentro dessa reflexão, dessa provocação, desse processo, gesto ou profecia. E, talvez, numa frase, numa fala, meu inconsciente ou essa pessoa real que tenha dito, me revelou como nunca alguém me revelara. “Alétheia”, o sentido da verdade como desvelamento entre os gregos, ou como um adágio para além do “Véu de Maya”, segundo os Vedas hindus e os budistas atentos e desapegados.
Serei mais uma cara das escolhas impossíveis?! Se por um lado é angustiante e existencialmente quase insuportável, por outro não seria também algo próximo da Utopia, que é a única coisa que nos projeta para fora, para o outro, para frente, “Ao infinito e além!”, como criava em seu próprio limite de universo, o simpático e sonhador boneco Buzz Lightyear?! Ou como disse o escritor uruguaio Eduardo Galeano (lembrando as palavras do cineasta argentino Fernando Birri), sobremaneira, “A utopia está lá no horizonte./ Me aproximo dois passos,/ Ela se afasta dois passos./ Caminho dez passos/ e o horizonte corre dez passos./ Por mais que eu caminhe,/ jamais alcançarei./ Para que serve a utopia?/ Serve para isso:/ para que eu não deixe de caminhar”.
Continua depois da publicidade
Escolher o impossível, utopia, caminhar, sonhar e ser dentro dos contextos o mais profundo, íntegro, aberto e devotado à dúvida e a novas maneiras e formas de se estar de passagem num mundo sem volta. Se não as escolhas impossíveis, quais? O mundo do status quo, do zeitgeist, reflete apenas um óculos embaçado por tradições (arbitrárias) e ações (funcionais) para que tudo continue como está.
Todavia, ninguém é um ser estável, de bem estar, somos seres de passagem, passageiros que precisam inventar e reinventar constantemente modos de vida, de amor, de ódio, de sentido, e “Se nada faz sentido, há muito o que fazer!”, como canta Humberto Gessinger.
Nascer (gratuitamente), crescer (funcionalmente), morrer (ritualmente). Casar, procriar, deixar-se enquanto legado. O que fazemos para ter essa “certeza” confortável? Aliás, o que estamos sendo de fato nessa viagem sem volta, enquanto amor, desejo, medos e angústias, mas, sobremaneira, sem nossas escolhas mais íntimas, queridas e verdadeiras?
Continua depois da publicidade
Talvez, por fim, sobremaneira, para que se viva no coração de quem se ama, precisamos ser sobretudo sobre-nuvens. Escolhas impossíveis também nos deslocam num mundo estranho no qual não nos encaixamos. É um preço (barato e necessário) a se pagar. Sobre-nuvens há um sol, um universo, um mistério, justamente um multiverso poético e real de possibilidades a se criar. Mas, sobre-nuvem também é ser de passagem, desenhos aleatórios em céu azul ou nublado, proteção do calor, ventos, chuvas e tempestades, talvez, proteção e limite de aconchego. Então, serei sobre-nuvem se preciso for, amar e estar como quem existe e não se prova, sobremaneira sobretudo.
Por isso, este artigo é sobremaneira, tão somente, sobretudo, sobre-nuvens!
Continua depois da publicidade