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Olhar Filosófico

Profecias de Jósimo

Não fazia muito quando seu Jósimo cortou a visão do todo. Quando decidiu parar de opinar, não queria mais também que o julgassem por desatento e desde então, desistiu de tentar ver além do palmo da cara. E, como Tim Maia, sossegou. 

Mas andava sôfrego o homem de mil palavras e sentenças que agora tomava chope no café, café no almoço e na janta fome de delícias. Não sabia como controlar-se daquela estranha visita entranhada pelas narinas como um sopro ao contrário do divino ao modelar a alma do primeiro humano condenado à terra. Queria agora, assim lhe pareceu, profetizar os desmazelos e falta de tato dos outros para com a vida alheia e todo ser pequenino que aponta na existência. Mas como fazê-lo sem sentença, sem julgar além daquilo que se comprometera?

E Jósimo empreendeu uma jornada por dentro do escafandro no qual aprisionou seu crânio de juiz do mundo e senhor das artimanhas. Se acordasse em febre, piscaria os olhos uma vez para ver se era sentença que se avolumava ou duas, se profecia que se propunha. Isso de piscar os olhos fazia todo sentido, afinal, despido da vontade de enxergar além da tromba, as piscadas serviriam como beliscos de sanidade, de se cobrar razão altaneira. 

Dono de si, num sono leve num dia qualquer de Abril, percebeu em juízo que algo lhe vinha à testa. Piscou, piscou, piscou, piscou e nada. Então sentiu que poderia ser coisa nova, nova forma de sentir no tempo. Dormiu. Roncou. Sonhou que acordava com duas piscadelas e um grito de alerta. Era uma fonte de água que gritava sem boca mas jorrava sangue. Impávido a olhar igual a um drone que contempla um estádio de futebol em dia de clássico, ficou preso naquela cena de gosto amargo de se ver. Era sonho mesmo? Profecia, enfim?

A fonte que gritava não era barroca como a di Trevi nem as plásticas modernas de Bellagio, era lá pelo Mato Grosso onde o agro é pop, a soja é transgênica, o gado é um sacrifício e o índio repousa quase sempre matado pelo sulfúrico usurpador da terra. E a fonte jorrava. 

Jósimo já não sabia se desperto ou sonâmbulo sentia o que vivenciava. Mas o profeta de si, só ouvia aqueles sinais estranhos do espaço mal ocupado, do solo mal curtido, da veia de rios que levava para um mar distante e talvez até suspenso. Nada surreal, nada. Tudo ali, um palmo do peito, a um cheiro da face. E Mato Grosso virou um planeta que produzia escatologias. E lá tinha igrejas e nada, tinha hospitais e nada, tinha escolas e nada, tinha universidades e nada. Todos contemplavam a fonte que brotava do chão com sangue e pestilências. Viravam a cara, chamavam de progresso ou juravam ser corante colocado por criança pobre sem destino para fazer troça e apavorar os homens de bem. Se o inferno tivesse um rosto ou fosse um quadro, seria o agro que é tech, que é tudo, que é contra a agricultura e o cio da terra que nos alimenta e nos sustenta divinos.

Infeccioso, infeccioso, infeccioso… Acordou de fato gritando. Infeccioso e mais algumas vezes infeccioso. Fizera, enfim, sua primeira profecia. O mar vai virar sangue, é a aorta da planície e do planalto a pulsar a glória do capital e sua arena da competição, da acumulação e do lucro. O mar virá subindo não mais pelas geleiras derretidas na ganância dos ricos por cima das costas da miséria produzida para o alheio, virá subindo de lágrimas do solo, olhos terrenos de um Jesus que sua sangue e chora tuberculoso.

Infeccioso, infeccioso. E acordado, não via só Mato Grosso, surgiam assim, igualzinho, igualzinho, São Paulo, Minas e Bahia, Roraima, Goiás e Paris, Los Angeles, Berlim, Londres e Groenlândia e nomes a perder de vista, vista a perder-se em sangue.

Profetizado por todo o corpo, permaneceu atento, e de longe ainda se ouvia “Deus salve a América”, “God save the king”, “Time is money, my son”... Jósimo, o profeta! E a profecia era uma nota de rodapé do jornal do século que ninguém mais lia.

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