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Nilton C. Tristão

2020-2022: o mergulho nos domínios de Hades

A morte, rara assimilação infalível a respeito de nossa brevidade terrena. Se tivéssemos os benefícios da eternidade, talvez abriríamos mão do alento das contemplações celestiais ou da liturgia religiosa e, como resultado, vislumbraríamos a derrocada do sacrifício expiatório. Todavia, tal peculiaridade nos permite observar que o colapso da existência corpórea encarna ao mesmo tempo duas significâncias: a angústia defronte ao perecimento inevitável e a fascinação diletante do imponderável.

Para tanto, a fé, a moral e os costumes adquirem a função de mecanismos basilares na edificação de subterfúgios comportamentais que orientam a jornada na travessia entre as dimensões transcendentais. Uma simbologia tão poderosa que no decorrer da história, diversas divindades como Anúbis, Thanatos, Hades, Elrik, Meng Po, Hécate, Shiva, dentre outras, serviram como representação na condução das almas dos mortos ao submundo; aos caminhos da ressurreição e do reencontro com os ancestrais. Eram os guardiões da fronteira que separa o mundo material do espiritual, os responsáveis pela transição e regeneração do ser.

Além disso, em inúmeras vezes lhes eram atribuídos às responsabilidades pelas ocorrências de doenças, guerras e desastres naturais. Obviamente que um instinto primitivo tão arraigado no âmago do gênero humano, seria utilizado como expediente de doutrinação e fortalecimento do poder político. Nesse contexto, a reverência à morte adquire contornos de missão redentora com o objetivo de purificar o mundo circundante e constituir domínios ancorados na homogeneização de consciências, notadamente através da aniquilação dos divergentes, ou seja, aqueles em desacordo com o destino profético

 Por mais insólito que esses conceitos possam parecer, suportamos nos últimos três anos no Brasil, exposições desprovidas de compaixão e tomadas por visões higienistas, exteriorizada por indivíduos que semeavam o hábito de manusear os dedos polegar e indicador para ilustrar o ímpeto armamentista na subjugação dos dessemelhantes. Como escreveu Alexis de Tocqueville: “Não é o uso do poder, nem o hábito da obediência que deprava os homens... é a obediência à autoridade vista como usurpada e opressora...”.

O Bolsonarismo fomentou ao longo de 2020 a 2022 o juízo mórbido de que o flagelo de minorias ou dominação de culturas originárias estaria inserido no processo de reorganização ou purificação da identidade nacional. Por meio do estímulo aos sentimentos de preconceito latente e ao ódio cego, surgiram o exército de orcs (a raça de criaturas subservientes criadas por Melkor, na obra literária, O Senhor dos Anéis de Tolkien) da extrema-direita, arrebatadores da tradição e do caráter tupiniquim.

Em síntese, a tarefa urgente que se apresenta no horizonte, está relacionada ao resgate no limbo “messiânico” dos eleitores não fanatizados de Jair, para que transmutem em direção aos domínios de Filofrósine e Atenas, deusas da compaixão, virtude e sabedoria. Caso contrário, permaneceremos despojados de paz e harmonia enquanto o centro-democrático não se transformar novamente em opção amplamente majoritária entre os brasileiros. Essa luta enseja na única forma para nos livrarmos definitivamente da idolatria ao necropoder e de suas derivativas aterrorizantes e psicóticas.

No presente panorama mundial, temos a oportunidade de reunir as condições necessárias para sermos reconhecidos como uma federação onde prevaleça a concórdia política, o respeito às instituições, o apreço a democracia e a tolerância às diferenças, conjunturas raras e valiosas no porvir de turbulências que se avizinham.

Nilton C. Tristão

Cientista Político

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