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Ex-funcionários relatam tortura dentro de fábrica da Volkswagen durante ditadura

A investigação interna, divulgada pela montadora de veículos, foi encomendada pela matriz, na Alemanha, para apurar a colaboração da empresa com o regime militar brasileiro.

Agência Brasil

Publicado em 21/01/2018 às 21:33

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Fábrica da Volkswagem em Taubaté, SP. / Impresa/Volkswagem/Fotos Públicas

O presidente da Volkswagen Região América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, admitiu, em divulgação de relatório de investigação interna, que havia pessoas, dentro da empresa, que colaboraram com o regime militar (1964-1985) no Brasil. Lúcio Bellentani, ex-funcionário, relata ter sido torturado dentro da fábrica.

“No dia 28 de julho de 1972, às 23h30, fui preso dentro da Volkswagen”, conta ferramenteiro Lúcio Bellentani, então com 28 anos, por sua participação política e sindical durante a ditadura militar. Ele disse que as torturas por parte dos policiais começaram na sala dos Recursos Humanos da montadora em São Bernardo do Campo. “Soco, pontapé, tapa. Eles queriam que eu dissesse o nome de outras pessoas que eram sindicalistas, que tinham atividades políticas, que eu delatasse eles ali”, relembra em entrevista à Agência Brasil. 

Depois de ter sido preso na fábrica, Bellentani foi levado para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde, conta, que ficou 47 dias sem que a família soubesse do paradeiro dele. “Minha esposa foi todos os dias na Volks, ia no Departamento Pessoal, no Departamento de Segurança e eles diziam que não sabiam onde eu estava. Só quando ela ameaçou que entraria com o pedido no seguro da empresa, porque eu desapareci lá dentro, e ela já estava com necessidade, foi quando eles disseram que eu estava no Dops”, relatou. Ele lembra que ainda estava com o uniforme e a botina de trabalho quando a reencontrou.

Na avaliação do metalúrgico, a colaboração da Volks contribuiu para sua prisão. “Com certeza eu não teria sido preso naquele período. Poderia, talvez, por atividade política mais pra frente com a 'queda' de algum companheiro de partido”, disse.

A investigação interna, divulgada pela montadora de veículos, foi encomendada pela matriz, na Alemanha, para apurar a colaboração da empresa com o regime militar brasileiro. Com base nas conclusões do historiador Christopher Kooper, responsável pela investigação, a filial da Volkswagen declarou que não há responsabilidade institucional nas violações de direitos humanos cometidas no interior da fábrica, pois não existe prova documental que mostre uma colaboração formal. 

Os documentos enviados pelo Departamento de Segurança Industrial da Volks à polícia política seriam, portanto, uma iniciativa pessoal do chefe do departamento, o oficial reformado Ademar Rudge.

Em 2015, um grupo de ex-funcionários, junto com centrais sindicais, apresentou o pedido de representação no Ministério Público Federal (MPF) para que a Volkswagen fosse investigada. O inquérito está em fase de conclusão e pode resultar em medidas judiciais para que se estabeleçam reparações coletivas se houver responsabilidade da montadora. 

A Volkswagem também é investigada por perseguir funcionários. Expedito Soares Batista, que foi funcionário da empresa, conta que durante 15 dias ficou confinado no espaço denominado pelos trabalhadores de “chiqueirinho”. “É uma sala que o trabalhador, antes de ser demitido por justa causa, ficava confinado ali, entrava de manhã e ficava ali sentado com guarda na porta”, explicou. Ele relata que isso ocorreu depois que participou de uma ação em uma das alas de produção para reivindicar melhores condições de trabalho.

O mesmo ocorreu com o ferramenteiro Tarcísio Pereira, em 1978, que trabalhava como professor na escola da formação da montadora de veículos. “Eu fui cercado e confinado em uma sala da empresa, bem no final do expediente. Quando entrei já não pude sair e foram entrando mais pessoas. Nós fomos demitidos em cinco. Você pode pensar que foi só uma demissão, mas não foi. Foi aí que começou a minha história. A partir daí eu nunca mais consegui arrumar trabalho”, relatou.

De acordo com a investigação, existia uma “lista negra” de funcionários indesejados que circularia entre as fábricas.

No curso do inquérito conduzido pelo MPF, os trabalhadores reclamam de uma “postura unilateral” da montadora alemã. “Não nos consulta, não quer conversa oficial”, criticou Lúcio Bellentani. Ele discorda da proposição da empresa de apoiar projetos sociais como medida de reparação, sem que isso seja negociado junto com os trabalhadores e o MPF. Pablo Di Si disse que a empresa não tem planos para indenizar individualmente os trabalhadores perseguidos e que trabalha com o apoio a organizações sociais.

“Tudo bem designar verba para entidades que fazem trabalho social, mas vamos conversar e fazer de forma conjunta?”, questionou Bellentani.

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