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Cotidiano

Papo de Domingo: Porto pode receber pragas perigosas

O presidente da Abrafit, João Luiz Duarte Álvares, destaca que procedimento realizado atualmente não impede que o País receba pragas perigosas

Rafaella Martinez

Publicado em 14/02/2016 às 10:00

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'O número de fiscais atuando hoje no Porto de Santos é absurdamente irrisório. As inspeções realizadas hoje são as consideradas ‘inspeções inteligentes’, feitas por amostragens' / Luiz Torres/DL

Em 2015, 5.144 navios atracaram no Porto de Santos e o complexo movimentou 2,4 milhões de contêineres. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Industria e Comércio Exterior (Mdic), a participação do Porto no comércio internacional brasileiro foi de 27,3%, o equivalente a US$ 99 bilhões.

O número elevado de movimentação traz consigo outras preocupações que vão além das cifras comerciais. Se por um lado boa parte da riqueza do Brasil entra pelo Porto, os navios de bandeiras internacionais também podem trazer ‘escondidas’ em suas cargas pragas variadas capazes de provocar desequilíbrio para o meio ambiente.

Para evitar o ingresso desses insetos, a Norma Internacional de Medida Fitossanitária nº 15 (NIMF 15) determina que todo o embarque e desembarque de embalagens e suportes de madeiras deve ser analisado no trânsito internacional de mercadorias. No entanto, de acordo com o engenheiro agrônomo João Luiz Duarte Álvares, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Tratamento Fitossanitário e Quarentenário (Abrafit), o procedimento realizado atualmente não garante a segurança da região quanto a entrada de insetos exóticos.

Nesse Papo de Domingo, Álvares fala sobre a fumigação, uma das técnicas empregadas para a eliminação total de pragas e os prejuízos que uma fiscalização fragilizada pode causar para a agricultura e economia nacional.

Diário do Litoral – Santos abriga o maior porto da América Latina. Por dia, milhares de cargas entram e saem pela cidade, através de navios de bandeiras estrangeiras. Em um mundo globalizado, quais os riscos que essa ‘porta aberta’ pode trazer para a região e para o País?

João Luiz Duarte Álvares - A comercialização entre os países é um dos processos mais importantes para a economia mundial. O Brasil tem a economia calcada na parte agrícola. Se você olhar a balança comercial brasileira verá que ela é ligada quase que totalmente às commodities como o açúcar, soja, milho, cana de açúcar e café. A preocupação, visto a importância dessa área, é que a produção e a produtividade do Brasil seja cada vez maior e para que exista essa garantia é preciso cuidar de tudo aquilo que pode entrar de ruim e o que podemos melhorar dentro da nossa produção. Quando importamos qualquer tipo de mercadoria que possa trazer um inseto ou fungo que não exista aqui, nós devemos nos preocupar se algum patógeno está entrando no País junto com a mercadoria.

DL – Quais são esses patógenos?

João Luiz – São as chamadas pragas quarentenárias, insetos exóticos que não existem no País e que justamente por não estarem inseridos na realidade nacional não possuem inimigos naturais. Eles são considerados como altamente prejudiciais para a produção agrícola e meio ambiente, uma vez que que pode aproveitar as produções climáticas do Brasil e se expandir de forma preocupante.

DL – O Brasil já sofreu com a entrada de pragas quarentenárias?

João Luiz – Sim. Podemos citar dois casos graves. O primeiro aconteceu em 1983, quando o Brasil era o maior produtor mundial de algodão em pluma, com produção estimada em 200 mil toneladas. A importação de sementes carregadas com o Bicudo Algodoeiro fez com que em dois anos a produção caísse para 30 mil toneladas, ocasionando perdas monetárias absurdas, uma vez que passamos de exportadores para importadores, além do aumento da migração rural para o Centro-Sul. Um outro caso foi o da vassoura de bruxa, que atingiu o cacau. A Bahia era a maior produtora do Brasil e após a praga produz hoje menos de um décimo do que antes. A discussão sobre barreiras fitossanitárias é urgente para que novas pragas não entrem no País. O descaso como a questão é tratada hoje é muito preocupante. Voltamos a exportar a mesma quantidade de algodão somente no ano passado. Estávamos desde 1983 sem exportar e ainda precisando importar. Imagina o que isso significa para a economia do País! É uma imensa perda monetária que se reflete até mesmo na oferta de emprego. É um descaso revoltante.

DL - Quais outros danos podem ser destacados?

João Luiz – Na realidade, é um efeito em cadeia. Se não existe uma determinada praga no Brasil, quando ela entra e se instala acaba prejudicando toda a plantação. Quanto mais praga, maiores serão os gastos com agrotóxicos. Além disso, há a queda da produção e o maior rigor nas barreiras fitossanitárias na hora de exportar. Antes do Bicudo Algodoeiro, o Brasil era considerado uma área livre. Agora toda carga de algodão para exportação deve ser tratada para evitar que o inseto vá para outro país.

DL – Todos os materiais passam pelo processo de fiscalização quando são importados ou exportados?

João Luiz – Não. Quando o Brasil importa, a fiscalização deve ser feita apenas na madeira. Quando vamos exportar a fiscalização é feita também nas commodities, porexigência das empresas internacionais.

DL – E por qual motivo a fiscalização brasileira exige um maior rigor na fiscalização da madeira?

João Luiz - Em 1999 quando se aventou a entrada no Brasil do besouro chinês, que é uma praga de madeira, o País achou por bem impor uma legislação que não permitisse que as madeiras entrassem sem fiscalização. Nessa ocasião, a quantidade de fiscais que o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) tinha era irrisória. Em Santos eram apenas seis, que tinham que inspecionar tudo, pois embora a carga dentro dos contêineres não seja madeira, os pallets são usados em quase todos os transportes em virtude das facilidades que ele proporciona. A quantidade de serviço era absurda e eles não conseguiam fazer essa fiscalização. Na época as empresas que já faziam fumigação para exportação aqui em Santos passaram a auxiliar nas fiscalizações no Porto. No entanto, em junho de 2005 a Secretaria de Vigilância Agropecuária do Ministério da Agricultura proibiu a triagem realizada por essas empresas, alegando que apenas os fiscais federais deveriam realizar as inspeções.

DL – E a partir de então essa fiscalização é feita apenas pelos fiscais do Ministério? Há efetivo para atender toda a demanda do Porto?

João Luiz - Hoje são aproximadamente 28 fiscais do MAPA trabalhando no Porto. Por dia, são descarregados aproximadamente 4.500 containers e a mesma quantidade é embarcada. Os fiscais do Ministério precisam olhar todos. Na época em que as empresas fitossanitárias auxiliavam nessa triagem, era aproximadamente 120 engenheiros terceirizados trabalhando o dia inteiro. De 120 para 28: o número de fiscais é absurdamente irrisório. As inspeções realizadas hoje são as consideradas ‘inspeções inteligentes’, feitas por amostragens. Isso significa que em uma planilha está sinalizada a procedência do importador e a quantidade de problemas que ele já trouxe. Se o número é elevado, a carga é inspecionada. Se não, passa batido. Por trabalharmos com isso, temos segurança para falar que primeiro: nem sempre os pallets que estão dentro dos containers são da mesma origem. Segundo: com esse tipo de serviço, eles confiam que uma madeira que tenha um carimbo está tratada. Isso não significa que o tratamento é eficaz. A análise é completamente superficial.

DL - Mas os dados mostram uma grande quantidade de pragas barradas no Porto. Só no primeiro semestre de 2015 foram interceptadas mais de 100, sendo que 14 delas não existiam no Brasil.

João Luiz - Os números não significam muita coisa. A análise é feita a partir da observação dos pallets da frente. Os containers não são desovados. Não há um controle eficaz. Não é exigido em momento nenhum um documento, um certificado. Tenho certeza ao afirmar que a barreira fitossanitária no Porto não é eficaz. Agora entrou em vigor uma nova instrução normativa que diz que as madeiras que chegarem sem carimbo (o que representa aproximadamente 80%) serão devolvidas. Mas será autorizada a retirada da carga de cima. Logo, o contêiner pode ser desovado e só as madeiras retornam. Mas, se durante esse processo alguma praga vier instalada junto, ela já voou. É superficial demais a fiscalização atual. É um faz de conta que seria mais bonito não fazer nada. Se esse número foi encontrado em uma fiscalização por amostragem, tenta imaginar o que não está passando sem a gente ver.

DL – A solução mais eficaz seria então o aumento no número de fiscais e a proibição da inspeção por amostragem?

João Luiz - A Associação Brasileira das Empresas de Tratamento Fitossanitário e Quarentenário (Abrafit) defende que a triagem precisa e deve voltar a contar com o apoio de empresas fitossanitárias, pois no modo atual os fiscais não têm braços e nem olhos para lidar com o volume dos Portos. No modelo ideal de fiscalização é preciso desovar todos os contêineres que trazem pallets e caixas e analisar um por um. Os que apresentam problemas devem ser tratados através da fumigação. Os demais são liberados. Estamos falando de Santos, mas isso acontece com todos as unidades do país. Manaus tem um porto rico e forte também. Imagina um inseto se instalando na floresta? Podemos perder volumes consideráveis de flora e fauna. O fiscal federal agropecuário é indispensável e muito caro. Ele precisa e deve ter o auxílio de demais profissionais para garantir a barreira fitossanitária no País.

DL – O senhor citou o processo de fumigação. Como ele é feito e em quais circunstâncias?

João Luiz - A fumigação é a aplicação de um certo produtoem um ambiente fechado para que ele esterilize esse ambiente. Esse processo nada mais é do que eliminar completamente a possibilidade de que uma praga ingresse no País. Atualmente dois produtos são registrados para essa finalidade: um se chama brometo de metila e outro fosfato de alumínio (fosfina). Esses dois gazes servem para que tudo que tiver de vivo no ambiente morra. O brometo é mais eficaz pois já é um gás e não oxida metais. Ele esteriliza qualquer material sem danificar o produto. A fosfina reage com a umidade do ar e demora mais algum tempo, além de não ser indicada para todos os materiais.

DL – Mas o brometo de metila é uma das substâncias citadas no Protocolo de Montreal como produtos que afeta a camada de ozônio e deveria ter o uso banido. O uso para a fumigação está autorizado e não provoca nenhum tipo de dano?

João Luiz – O protocolo de Montreal destaca que os países deveriam eliminar o uso do brometo de metila para a agricultura, como por exemplo a esterilização de solo, até dezembro de 2015. Para uso fitossanitário e quarentenário, seu uso é por tempo indeterminado até que apareça outro produto que o substitua, pois hoje não existe nada com a mesma eficiência. Por ora, ele é a nossa única solução e inclusive é muito perigoso não utilizar o brometo. Mas também somos a favor de usar o mínimo possível. Exatamente por isso é importante inspeções regulares e bem feitas que possam inibir o uso. Seria possível destacar importadores, tipos de produto ou região específicas que frequentemente trazem ao País pragas exóticas.

DL – O senhor acredita que essa fiscalização mais abrangente poderia fazer com que cargas constantemente infectadas fossem recusadas, por exemplo?

João Luiz - Não quero entrar no mérito da recusa de carga, mas penso que se algo oferece risco recorrentemente, não pode e não deve entrar no país. Posso citar como exemplo, embora distante, o mosquito aedes aegypit. Vimos com ele a capacidade que um simples inseto tem de se reproduzir, se adaptar e trazer novos e diferentes problemas para o País. Se deixarmos insetos entrarem no país sem barreiras daqui um ano podemos estar falando de problemas que hoje sequer sonhamos que possa existir.

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