X

Cotidiano

‘É uma dor que não é mais física, está marcada na alma’

Com apoio da família e acompanhamento psicológico, jovem fala sobre recuperação após abuso

Publicado em 17/09/2016 às 10:30

Comentar:

Compartilhe:

A-

A+

De volta à rotina, que inclui seu trabalho e os cuidados com o filho, a jovem faz planos para retomar os estudos / Rodrigo Montaldi/DL

O Dia dos Namorados de 2015 está marcado na memória de Ana, nome fictício, para sempre. Eram por volta da 5h40 da manhã quando a jovem se preparava para levar o filho pequeno para o colégio e trabalhar. Chovia muito e, para não molhar a criança, ela decidiu ­chamar um táxi.

Porém, no momento em que abriu a porta de casa, em Cubatão, um homem desconhecido a empurrou para dentro e, portando uma faca, a atingiu na mão. De primeiro momento, a primeira reação de Ana foi gritar para chamar a atenção dos vizinhos. Porém, o sujeito a imobilizou e disse que, se ela gritasse, mataria seu ­filho.

“Ele trancou o menino no banheiro e começou me violentar na sala. Ele não falava nada e ficou me encarando o tempo todo, sem medo de mostrar seu rosto. Ele rasgou a minha roupa, cortou várias partes do meu corpo”, relata a jovem, que também foi abusada com o cabo de uma colher de pau.

Toda a violência durou por volta de meia hora. “Era uma dor insuportável. Mas eu não podia gritar porque estava com medo pelo meu filho. Ele podia até me matar ali, mas não queria que ele tocasse no meu menino”, conta.

Após cometer o abuso, o criminoso levou o dinheiro do aluguel que estava no local e fugiu, deixando Ana e o filho trancados na própria casa. Depois de tentar se recompor, ligou para a mãe e os irmãos. De primeiro momento, disse que tinha sido apenas assaltada. “De imediato, fiquei com muita vergonha de contar o que tinha acontecido comigo. Estava me sentindo culpada”.

Quando a família chegou em sua casa e conseguiu adentrar no local, encontraram Ana deitada no chuveiro, imóvel, e seu filho sentado no sofá, em estado de choque. “Não me lembro de como cheguei no banheiro, mas eu só pensava em limpar meu corpo, como se fosse apagar o que tinha acontecido comigo. Me sentia suja”, relembra.

Denúncia

Após chamarem a polícia e uma ambulância, Ana foi levada para o 3º DP da cidade para dar procedimento à denúncia. Lá, foi amparada pelo delegado de plantão e uma médica legista. Realizou também exames e recebeu os primeiros atendimentos recomendados em caso de violência sexual. “Eles me disseram que eu tinha nascido de novo. Pela gravidade do caso, poderia ter morrido, pois por pouco não resultou em uma hemorragia interna”, diz.

Nos primeiros meses após o abuso, Ana passou a tomar o coquetel antirretroviral e se sentia muito fraca. Sofreu perda de cabelo e emagreceu 15kg em um mês. “Você sente que o mundo acabou. Comecei a frequentar consultas psicológicas a contragosto no começo. Minha mãe me obrigou e fez questão de ir comigo nas primeiras sessões”.

Em seus piores dias, Ana tentou tirar a própria vida duas vezes. Não conseguia entender o motivo de ter passado pela experiência traumática. Segundo ela, o que a motivou a seguir em frente foi seu filho. “Um dia, ele disse: ‘Mãe, não chora mais. O ladrão podia roubar tudo, menos tirar você de mim’. Aquilo mexeu comigo de tal forma que decidi lutar. Ele é o meu anjo da guarda”, conta, emocionada.

Recuperação

Após dois meses de licença do trabalho, Ana quis retomar sua rotina aos poucos para manter a mente ocupada. Por mais difícil que fosse sair de casa, a jovem preferiu essa alternativa a ficar isolada, com risco de desenvolver uma depressão ainda maior. “No começo, tinha uma paranoia de achar que todos olhavam para mim e que sabiam o que havia acontecido. Foi quando decidi que não desistiria. Isso me ensinou a aproveitar muito mais as pequenas coisas. Nos zangamos por cada bobagem. Sempre fui uma pessoa falante e mudei depois do que ocorreu. Mas já consigo falar sobre o abuso”, conta. Outro fator determinante para sua recuperação foi o apoio dos amigos e da família. “Nunca me senti tão ­querida”.

Investigações

Nos últimos meses, Ana ficou a par das investigações do caso. Na mesma época, outros casos de estupro foram registrados na cidade, mas nunca foi comprovado se foram causados pelo mesmo homem, que nunca foi preso. “No dia que fez um ano do abuso, fiquei muito mal. É difícil não se deixar afetar pela data. É uma dor que não é mais física, está na alma. Você não esquece algo assim. Pode superar, mas não consegue esquecer nunca”, lamenta a jovem, que diz perdoar o criminoso.

“Por mais que o episódio ainda me machuque, eu não queria ficar com esse ódio dentro de mim. Quero que ele seja preso e punido, sem dúvida, principalmente para que isso não ocorra com mais ninguém”.

Já mais habituada à sua antiga rotina, que inclui o trabalho e os cuidados do filho, Ana faz planos de voltar a estudar e viajar com o menino. “Agora que me sinto mais segura, quero falar para outras pessoas que é possível seguir em frente. Fui vítima de um maníaco, mas é preciso entender que não podemos nos isolar do mundo. Quero mostrar que cada vítima pode ser seu próprio exemplo de superação”.

Apoie o Diário do Litoral
A sua ajuda é fundamental para nós do Diário do Litoral. Por meio do seu apoio conseguiremos elaborar mais reportagens investigativas e produzir matérias especiais mais aprofundadas.

O jornalismo independente e investigativo é o alicerce de uma sociedade mais justa. Nós do Diário do Litoral temos esse compromisso com você, leitor, mantendo nossas notícias e plataformas acessíveis a todos de forma gratuita. Acreditamos que todo cidadão tem o direito a informações verdadeiras para se manter atualizado no mundo em que vivemos.

Para o Diário do Litoral continuar esse trabalho vital, contamos com a generosidade daqueles que têm a capacidade de contribuir. Se você puder, ajude-nos com uma doação mensal ou única, a partir de apenas R$ 5. Leva menos de um minuto para você mostrar o seu apoio.

Obrigado por fazer parte do nosso compromisso com o jornalismo verdadeiro.

VEJA TAMBÉM

ÚLTIMAS

Sétima Arte

Nossa Louca Resistência representará a Baixada Santista no Flipoços

Passado e presente do antigo Anchieta são retratados na obra 

Santos

Empregos formais continuam aumentando em Santos

Números do emprego formal em Santos deste ano acompanham a tendência de alta registrada em 2022 e 2021

©2024 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software

Newsletter