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Cotidiano

Após cumprir missão, médicos cubanos deixam saudade em São Vicente

Seis profissionais do primeiro grupo do Programa Mais Médicos deixam a cidade depois de três anos em comunidades

Publicado em 03/12/2016 às 10:30

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Médicos cubanos se despedem após seis anos / NSF Silva

Eles integraram o primeiro grupo de médicos do Programa Mais Médicos, lançado em 2013 no Brasil, que chegou a São Vicente. Há três anos, os seis médicos cubanos, que se despedem da cidade na próxima segunda-feira (5) iniciaram trabalho de humanização do atendimento em unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF) da cidade. A Reportagem do Diário do Litoral esteve em quatro comunidades onde eles atuavam e o sentimento dos pacientes, que os consideram parte da família, é de saudade e gratidão.

“Há 32 anos moro no Parque das Bandeiras e ele foi o melhor médico que chegou aqui. Se dependesse de mim ele não ia embora. Vou sentir falta dele. Ele é amigo. Não sou só eu que falo. É todo mundo. Pode perguntar”, disse o aposentado Antonio Barros, que estava na fila de atendimento da Unidade Básica de Saúde (UBS) do Parque das Bandeiras.

Outras pessoas também fizeram questão de ressaltar as qualidades do médico cubano.

O aposentado se referia a Ydeliso Castillo Miclin. Nascido na cidade de Guanta’nzmo, o médico, que faz questão de ressaltar a cor negra de sua pele, foi criado em uma comunidade pobre de Cuba, onde iniciou a carreira de medicina. Antes de vir para o Brasil, ele participou de missões na Venezuela e na Bolívia.

“As principais diferenças dos países em que passei são os hábitos e costumes. O sistema de atenção básica é semelhante nesses países. Gostei demais de trabalhar no Parque das Bandeiras. O relacionamento com os pacientes foi muito bom. Se eu voltar em uma segunda vez gostaria de trabalhar aqui no Parque das Bandeiras de novo”, afirmou Castillo.

Informado da comoção dos pacientes com a sua partida, ele ressaltou a formação que teve em seu país. “Quando iniciei a carreira de medicina sempre prezei pela atenção ao ser humano. A atenção básica em Cuba é diferente porque o médico mora na comunidade. A ética médica é o comportamento humano. A medicina é igual em Cuba e no Brasil e em qualquer outro lugar. Os médicos cubanos trabalham em mais de 60 países”, destacou.

Samaritá

Na unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF) do Samaritá, também na Área Continental de São Vicente, outro médico cubano se despede da cidade. Assim como Castillo, no Parque das Bandeiras, Mulkay Sisinta Ayra também deixará saudade em pacientes como a autônoma Aparecida Correia Silva.

“Ele cumprimenta todo mundo que vê na rua. Difícil ver médico que te reconhece fora da sala da sala dele, que te dê a atenção que você precisa. Acho que muita gente, não só eu, vai sentir falta dele”, disse Aparecida, que seria atendida por Mulkay.

Também na espera para entrar na sala do médico cubano, a dona de casa Maria Dalva Alves dos Santos tinha vários questionamentos.

“Ele não vai embora? Quem vai mandar ele embora? Não pode mandar ele embora porque ele é bom. A gente já acostumou com ele. Vou sentir falta. Faço tratamento de diabetes e tive que amputar um pé. Ele pede exames, perde hora conversando com você. Ele conhece a nossa vida. Não é aquela pessoa que você está falando, escreve no papel e depois manda você embora. Ele dá atenção, pergunta tudo, pede todos os exames e olha nos olhos do paciente”, afirmou.  

Mulkay, 41 anos, é clínico geral com pós-graduação em Medicina Comunitária. Atuou em missão na Venezuela. Emocionado com a despedida, ele ressaltou as diferenças com Cuba e a experiência de trabalhar no Brasil.

“No Brasil o sistema de saúde tem um pouco de demora no encaminhamento do paciente para especialidade. Os resultados dos exames para avaliar também demora. Em Cuba isso funciona mais rápido. Dei aos pacientes todo o carinho que estamos acostumados a dar. Todo amor que o profissional da saúde tem que dar ao paciente. Dei para eles o tempo necessário para falar. Escutei, cumprimentei e acho que aí está a diferença que eles dizem que temos. A medicina é a mesma. O profissional brasileiro estão bem preparado e faz boa medicina, mas a humanização ainda é diferente”.

Emoção

Foi na unidade do Parque Continental que a Reportagem presenciou cenas de forte emoção. Uma das pacientes, inconformada com a saída da médica cubana Niurka Zulema Burgos Nunez, de 48 anos, a dona de casa Maria Benedita Rosa chorando compulsivamente abraçou a profissional, a qual considera um membro da família.

“Ela é maravilhosa, amiga. É tudo de bom. Ela não podia ir embora. Tinha que ficar. A gente gosta demais dela. Estou muito triste por ela ir embora. Todo mundo adora ela como se fosse a nossa mãezona. Não tem como ela ficar? Foi a melhor médica que teve aqui. Moro aqui há 18 anos. A forma de nos tratar é diferente. Carinhosa e atenciosa”, destacou.  

Emocionada, Niurka, que também já esteve em missão na Venezuela, ressaltou o tratamento que recebeu e a experiência que o Brasil lhe proporcionou. “A população é ótima. No início o Conselho Regional de Medicina do Brasil rejeitava os médicos estrangeiros, mas, quando começamos a trabalhar, a forma de ver a gente começou a mudar. Com o nosso trabalho mudamos as impressões que tinham da gente. O povo como é muito carente recebeu a gente com muito amor. A forma que eles se manifestam com a gente nos faz crescer. Isso é muito lindo”.

Na unidade vizinha, no bairro Humaitá, outra médica cubana, Nerbys Carrazana Sánches também destacou o acolhimento brasileiro.

“Estou triste de ir embora. Eu fiz outra missão na Argélia, na África, e que tem cultura muito diferente. Lá também foi bom, mas gostei mais daqui porque a cultura é muito parecida com a nossa. O brasileiro é festivo como o povo cubano. Vou sentir muita saudade dos meus pacientes. Vão vir outros profissionais que farão a mesma coisa que nós. Nossos colegas são iguais, com a mesma humanidade e vão sentir por eles o que sentiram por nós. Com certeza”.

Morte de Fidel Castro e momento político

Os médicos cubanos se despedem porque a vinda deles para o Brasil, por meio do programa Mais Médicos, se deu por um acordo de cooperação com Cuba, que prevê a substituição do profissional ao término do contrato de três anos. Eles retornam ao país de origem em um contexto político diferente devido a morte do ex-presidente Fidel Castro, 90 anos, falecido no último dia 25. O líder da Revolução Cubana ficou no poder por quase 50 anos e o seu irmão Raúl Castro assumiu o seu lugar.

“Tem pessoas que não gostam dele (Fidel), mas hoje sou médica graças a ele. Cuba forma médicos não só para o nosso país, para o mundo todo. O povo cubano é fidelista. Nós nos formamos pela figura dele e nos guiamos pela figura dele. Não sei como será daqui para frente”, disse a médica Niurka.

Para Nerbys, o momento é de expectativas com relação à política do país.

“Vamos aguardar para ver como vai se desenvolver a política. Apesar de Fidel não estar mais no poder diretamente, a figura dele tinha muita importância nas decisões. Agora como ele não está mais vivo vamos ver o que vai acontecer”, destacou.

Fidel Castro morreu dez anos após deixar o poder, em 2006, por problemas de saúde. O sistema de saúde de Cuba é considerado um dos melhores do planeta. O país exporta médicos para diversos países.

Prevenção e saúde básica para mudar a realidade

Com o início do programa Mais Médicos, lançado em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o Governo Federal pretendia levar médicos para os locais mais longínquos e priorizar a atenção básica. O trabalho é considerado pelos profissionais como essencial para humanização da saúde e a prevenção de doenças que ‘incham’ o atendimento secundário e terciário, que compreendem as especialidades, urgências e emergências e hospitais.

“Fiquei quatro anos na Venezuela e depois vim para o Brasil. Os países são muito semelhantes. O que acontece é cada um tem diretrizes na saúde. A medicina muda em alguns detalhes, mas o objetivo é o mesmo. A diferença é o recurso humano. Nós, em Cuba estamos formados para a atenção primária que é a base da saúde. Se tem uma atenção primária ótima tem uma menor quantidade de paciente que fica doente e tenha que chegar a uma atenção terciária. Por isso que Cuba é referência em medicina. A atenção primária é prevenir. Trabalhar com que a população não fique doente e venha a ter complicações e, consequentemente, maiores gastos com hospitais. Tanto na Venezuela como no Brasil o trabalho é mais focado na atenção secundária”, destacou Niurka.  

A médica também destacou o baixo número de médicos nas comunidades mais pobres as diferenças entre Brasil e Cuba na formação do profissional de medicina.

“Lá (em Cuba) todos somos iguais. Todos são formados pelo Estado. Não tem diferença. Aqui no Brasil a medicina é muito cara. Eles têm que pagar para estudar. Quando você tem que pagar alguma coisa você exige onde vai trabalhar, e quer trabalhar em locais que tenham melhores condições de trabalho. Essa é a minha opinião. Quando você se forma com todas as pessoas tendo a mesma possibilidade de estudo a relação com os outros é igual. Não é que o meu sentimento é maior que o dos médicos do Brasil. Todos temos sentimentos e sabemos que a medicina é uma profissão muito humanitária. Não acho que seja a formação, mas o custo que tem o curso”.

Para Nerbys há uma questão cultural na população brasileira com relação à saúde que precisa ser modificada. “Em Cuba já faz tempo que implantaram a saúde da família. Aqui o povo estava mais acostumado a medicina curativa e não prevenção. A população não está acostumada a medicina de prevenção, mas para curar. A população procura a gente só quando tem problema e não para prevenir. Acho que estamos trabalhando para mudar essa cultura. O governo brasileiro e o Ministério da Saúde tenta implantar a medicina preventiva”, destacou.

Os médicos cubanos foram homenageados na Câmara de São Vicente, na quinta-feira (1º). O autor da condecoração foi o vereador Alfredo Martins (PT).

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