Márcia Latorre sai de Mongaguá cedo / Carlos Ratton/DL
Continua depois da publicidade
Era por volta das 13 horas desta terça-feira (22) de uma tarde ensolarada de um inverno instável em Santos. Distraído com o movimento das ruas, esse repórter olhava pela janela do circular 139 com destino ao Gonzaga, ao mesmo tempo que pensava nas pautas que surgiram e que poderiam ainda surgir em pleno início de semana.
O ônibus não estava cheio. Alguns assentos estavam vazios, assim como o corredor do ônibus. De repente, uma idosa se levanta e pede atenção dos poucos passageiros dizendo que iria cantar uma das mais belas canções da considerada maior interprete do Brasil, a saudosa Elis Regina. Sim, cantar a capela, sem acompanhamento instrumental.
Continua depois da publicidade
O barulho do motor do ônibus, alguns olhares meio que desconfiados e outros até incrédulos não impediram que Márcia de Paiva Jordão Latorre, de 62 anos, fechasse os olhos e soltasse a voz cantando Casa no Campo, de 1972, numa desenvoltura pouco vista naquele começo de tarde da segunda quinzena de julho.
Após terminar a canção, Márcia, com um pacote plástico em mãos, onde pude observar continha lanche a alguns mantimentos, solicitou uma pequena contribuição que todo artista de rua merece depois de uma apresentação.
Continua depois da publicidade
Antes de descer, já na Avenida Ana Costa, escorada em um dos bancos do circular, Márcia ainda ofereceu a canção Fascinação, que também ficaria eternizada por Elis, despertando, acredito, inúmeras sensações aos antigos e novos passageiros do ônibus 139.
Após agradecer, ela desembarcou, sendo seguida por este repórter que, ainda enxugando as lágrimas, resolveu ouvir a história daquela moradora de Mongaguá, que acredito circula mostrando seu talento em outras linhas da Cidade.
“Venho para Santos porque percebo que o público santista ama MPB (Música Popular Brasileira) como eu. Quando estou no ônibus, sinto-me bem aceita ao perceber o respeito e o olhar das pessoas”, disse Márcia, com a simplicidade natural de artistas que ainda não foram descobertos.
Continua depois da publicidade
A cantora, já no ponto de ônibus e vislumbrando uma nova ‘viagem musical’, revelou que também canta músicas internacionais, mas que a sensação do público é maior quando canta canções que foram interpretadas por Elis, Milton Nascimento, Tom Jobim, Chico Buarque de Holanda e Geraldo Vandré.
Vivendo da aposentadoria de pouco mais de um salário mínimo (R$ 1.525,00), Márcia disse que precisa complementar a renda, mas o que a faz sair de casa mesmo não é o dinheiro, mas o amor pela música.
“Canto quase todo dia no transporte. Só quando chove que não dá. Já cheguei a me apresentar no Aeroporto de Cumbica, mas a energia de lá é diferente. A segurança fica em cima, não têm dó de ninguém. Não deixa nem você mostrar sua arte. A gente trabalha meio que assustada. Aí, eu pensei: melhor lugar pra eu mostrar minha voz e meu repertório é em Santos. Praia Grande também é bacana”, adianta.
Continua depois da publicidade
Márcia Latorre sai de Mongaguá cedo. Após tomar um café em uma padaria próxima de sua casa, no bairro de Agenor de Campos, ela sobe no ônibus e começa sua jornada diária. Ou melhor, sua pequena e potente apresentação.
“Faço isso há 20 anos. Sou formada em Educação Física, mas cantar sempre me satisfaz. Andei cantando em bares, mas eu gosto de cantar para o povo, sem compromisso, de improviso, livremente. Quero continuar cantando assim enquanto tiver saúde, enquanto estiver funcional. A receptividade das pessoas é muito grande”, finaliza Márcia.
Deixei minha entrevistada no momento da chegada de mais um ônibus ao qual ela iria embarcar e, quem sabe, reforçar um pouco mais a sua renda, fruto da beleza de sua voz e da sensibilidade do seu público.
Continua depois da publicidade
Segui minha viagem a pé, meio desconcertado pelo inesperado, apesar dos 30 anos de reportagem, imaginando Márcia pedindo atenção, fechando os olhos e iniciando um novo show para, quem sabe, arrancar lágrimas de outros passageiros ou passageiras que estavam distraídos (as) com o movimento das ruas.