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Saúde

Doria sanciona lei que permite cesárea no SUS sem aval de equipe técnica

A decisão ocorreu a despeito de parecer técnico contrário da Defensoria Pública do Estado

Folhapress

Publicado em 23/08/2019 às 16:33

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O Brasil é o segundo país com maior taxa de cesáreas no mundo, só perdendo para a República Dominicana / Daniel Reche/Pexels

O governador João Doria (PSDB) sancionou nesta sexta-feira (23) projeto de lei que garante à mulher a opção pela cesárea no SUS, mesmo sem indicação clínica, a partir da 39ª semana de gestação. A decisão ocorreu a despeito de parecer técnico contrário da Defensoria Pública do Estado.

A redação final do projeto, de autoria da deputada Janaína Paschoal (PSL), passou a tratar apenas da parturiente (mulher em trabalho de parto), o que, na opinião de especialistas, aumenta o risco de complicações.

"As evidências científicas são claras em apontar que a cesárea realizada em mulheres durante o trabalho de parto leva a maiores riscos de infecções, por exemplo", diz Rossana Francisco, presidente da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo).

Segundo ela, é muito importante que os órgãos públicos se responsabilizem pela estruturação dos serviços de saúde para atender a nova lei. "Será necessária a contratação de mais obstetras, anestesistas e aumento do número de leitos de obstetrícia", disse ela.

O aumento de cesarianas está associado a complicações obstétricas que levam a hemorragias, que são hoje uma das principais causas de mortalidade materna no país.

Segundo Francisco, a Sogesp estará atenta para que as consequências à saúde da mulher, em caso de complicações derivadas da cesárea, não sejam imputadas aos obstetras. "Tomamos todas as medidas possíveis para que as evidências científicas fossem respeitadas. Infelizmente, estamos indo contra toda a movimentação mundial para redução de cesáreas."

O Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública estadual (Nudem), que reuniu pareceres técnicos de vários profissionais, também se posicionou contra o projeto.

Durante os debates na Assembleia, a defensora pública Paula Sant'Anna Machado de Souza citou estatísticas de que 70% das mulheres iniciam o pré-natal com desejo de ter um parto normal. Mas ao final, mais da metade dos partos ocorre por cesariana.

"Será que elas realmente estão tendo opção? O que tem havido nesse tempo, que leva a escolha de um procedimento que contraria as indicações de saúde internacionais?", questionou.

O projeto de Janaína Paschoal dividiu as entidades médicas. Enquanto a Sogesp sempre defendeu que o projeto não tem base em evidências científicas e que pode estimular taxas indiscriminadas de cesáreas, que trazem riscos à mulher e ao bebê, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) partiu em defesa a iniciativa, alegando que se opõe à "vilanização" dos partos cesarianos.

Segundo o conselho médico paulista, há eventos adversos decorrentes da demora em se realizar cesariana e por complicações da insistência pelos partos vaginais.

O Brasil é o segundo país com maior taxa de cesáreas no mundo, só perdendo para a República Dominicana (56%). Dos partos feitos no SUS, 40% ocorrem por meio de cirurgias. Na rede privada, o índice chega a 84%.

Para Simone Diniz, médica e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, todo o apoio que a proposta recebeu da população, a despeito da falta de evidência científica, reflete a falta de acesso de mulheres brasileiras a um parto mais respeitoso

"O país só vai superar isso quando chegarmos ao nível dos países desenvolvidos, com as enfermeiras obstetrizes fazendo os partos de baixo risco, deixando para os médicos aqueles com complicações clínicas e obstétricas."

A violência obstétrica sofrida pelas gestantes no SUS foi o principal argumento usado pela deputada na defesa do projeto. "O que está ocorrendo com as mulheres mais pobres neste país é inadmissível. Com 40 semanas de gestação, os bebês estão prontos para nascer. Mandam mulheres nessas condições voltarem para suas casas, uma série de vezes de ônibus, esperando a hora de o bebê nascer", afirmou.

Ela diz que, por conta da demora e da insistência no parto normal, os bebês sofrem "anóxia [falta de oxigênio], ficando sequelados para o resto da vida, em virtude da chamada paralisia cerebral".

Não há dados sobre as taxas de paralisia cerebral no estado de São Paulo ou estudos que determinem se essa ocorrência é maior ou menor em hospitais públicos ou privados paulistas ou que há mais riscos disso acontecer em partos normais, segundo a Sogesp.

Vários estudos apontam que somente 10% dos casos de paralisia cerebral estão relacionados a eventos durante o parto. Os demais (90%) têm causas genéticas ou estão associados a alterações durante o pré-natal ou após o nascimento do bebê.

A entidade também reforça que, em nenhum momento, se posicionou contra o respeito à autonomia da mulher no sistema público e privado, e muito menos quanto à ampliação do acesso à analgesia de parto.


*Por Cláudia Collucci, da Folhapress

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