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Papo de Domingo: ‘Sempre há algo a fazer pelo paciente’

Oncologista André Perdicaris fala sobre a comunicação verbal e não verbal como recurso terapêutico no tratamento do câncer

Rafaella Martinez

Publicado em 09/10/2016 às 11:30

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"Eu sou cirurgião. Tenho pleno conhecimento de que na hora em que eu coloco um bisturi em cima de alguém eu só estou reequilibrando forças lá dentroA / Matheus Tagé/DL

“O câncer é um erro de informação. Uma guerra civil celular”. A fala do médico cirurgião cancerologista André Perdicaris define de forma simples uma doença complexa e de difícil controle. Por se desenvolver dentro das células do corpo humano, o câncer não é um inimigo estranho: ele pode estar adormecido em nossos genes, podendo despertar a qualquer instante.

No mês da conscientização sobre o câncer que mais mata mulheres no mundo, o Diário do Litoral faz uma série especial de reportagens sobre a doença, os tratamentos, e os direitos dos portadores, além de reportar histórias de luta e superação.

Para abrir a série especial, o Diário do Litoral conversou com o médico cirurgião cancerologista André Perdicaris. Aos 73 anos, sendo 54 deles dedicamos a medicina, o profissional fala sobre a importância da comunicação verbal e não verbal como recurso terapêutico no tratamento da doença.

Diário do Litoral - Quais são os desafios para o tratamento do câncer?

André Perdicaris – O cancêr é uma doença que tem aspectos multifatoriais e esse é o problema para a prevenção. Primeiro, nós temos no Brasil um grande desafio que são os números exatos da doença. No Instituto Nacional de Câncer (Inca) José Alencar Gomes da Silva a estimativa são 596 mil novos casos de câncer em 2016. No entanto, esse número é subestimado. Os registros em base populacional, hospitalar e os que vêm dos laboratórios de anatomia patológica e dos atestados de óbitos não trazem números perfeitos. Qualquer programa de saúde eficaz necessita de números razoavelmente exatos, para que você tenha verba e orçamento para fazer frente a doença.

DL – Há outras barreiras?

André – Muitas outras. Alguns aparelhos de mamógrafos do Sistema Único de Saúde estão inoperantes. Aquela lei que preconiza que o primeiro tratamento deva ser feito até os 60 dias não é cumprida. Pegamos na faculdade pessoas que ficam rodando até conseguir entrar no sistema e quando conseguem, entram tardiamente.

DL – O senhor escreveu um livro sobre as novas fronteiras na comunicação médica. Nele, cita que é preciso empregar a linguagem verbal e não verbal como recurso terapêutico no tratamento da doença. Fale um pouco sobre isso.

André – Há um termo na medicina denominado iatrogenia por atos, que significa o erro médico por atos. Hoje é possível dizer que temos o erro médico por comunicação inadequada. A palavra, o gesto, o olhar ou o silêncio, podem ser mais cortantes que o mais afiado bisturi ou mais analgésico que o mais potente entorpecente. Sempre tem algo a fazer pelo paciente. Ninguém entra na minha sala para comprar uma passagem para Bariloche. Eles entram com medo, muitas vezes para pedir uma segunda ou terceira opinião. É preciso ter empatia e cuidado. Eu sempre digo para os meus alunos: se você conjugar o verbo medicar na primeira pessoa do singular você vai melhorar a conjugação na terceira pessoa do singular: o ele. E principalmente na primeira do plural: o nós.

DL – O Brasil forma médicos com essa empatia?

André – O ensino médico no Brasil não tem um estudo normativo sobre o câncer. Ele é dado em todas as áreas, mas não com ênfase no social, econômico, biológico e espiritual. Não sabemos muito bem qual o perfil do médico que queremos formar. Ele vai agir onde? Ele vai atender e se dedicar a atenção básica? Isso é interessante, pois o aluno entra na faculdade com a ideia de querer tratar e hoje temos o conceito de primeiramente prevenir. E para prevenir precisamos saber muito sobre saúde.

DL – O senhor citou que é preciso olhar outros fatores na hora do tratamento, como questões culturais e espirituais. Como o senhor classifica isso?

André - Eu sou cirurgião. Tenho pleno conhecimento de que na hora em que eu coloco um bisturi em cima de alguém eu só estou reequilibrando forças lá dentro. É lá dentro que está o sistema imunológico, a resposta metabólica, a vontade de viver ou não e ali está também a cicatrização. Claro que eu vou contribuir para que isso fique harmônico, mas tenho em mente principalmente que vou adentrar dentro de um organismo que vai receber a minha ação mecânica para resolver problemas que não somente a ação mecânica resolve. Muitas vezes você cura um câncer do ponto de vista físico, mas ele continua no emocional.

DL – Tudo se resume na necessidade de humanizar e individualizar o tratamento?

André - A medicina é baseada em um tripé:técnica, bom senso e humanismo. O médico precisa avaliar muito bem qual é o momento de intervir em um paciente. Hoje temos a possibilidade de individualizar a terapia, pois o câncer também é individual. Temos capacidade de avaliar melhor o paciente e devemos esse avanço a medicina. O quinto artigo da constituição afirma que todos somos iguais perante a lei. Mas você vai ver que com o câncer não é assim. Muitos fatores nos diferenciam e todos eles precisam ser analisados.

DL – Cientificamente há uma comprovação de que, no caso de doenças como o câncer, a mente tem influência sobre o corpo?

André – Há um termo chamado psiconeuroimunologia, que consiste na capacidade de elaborar dentro de nós mecanismos de luta ou de fuga perante alguma agressão. Existem grandes controversas quanto a isso. Não quer dizer que uma ansiedade pode levar ao câncer, mas que ela pode servir para alterar a evolução daquele tumor. Um outro termo, chamado psico-oncologia, busca resgatar forças que você desconhece. Só um grande impacto, uma doença séria ou um amor pode produzir fundamentalmente coisas incríveis e resgatar forças que você nem sabia que existiam.

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