Marapé: no início deste ano, um motorista de aplicativo e toda sua família quase perdeu o imóvel após escorregamento de terra. / NAIR BUENO/DIÁRIO DO LITORAL
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O que era apenas uma suspeita, agora, se confirmou. Em resposta ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), o diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN), Osvaldo Luiz Leal de Moraes, informou que a Estação Total Robotizada (ETR), instalada em uma sala da Policlínica do Marapé (Rua São Judas Tadeu, 115), só avisava depois de constatado o deslizamento, se mostrando inútil para ações preventivas de Defesa Civil.
"A ETR permitia apenas detectar o momento da deflagração dos deslizamentos, mas não possibilita a definição de limiares críticos operacionais para fins de emissão de alertas antecipados e, consequentemente, para uso em ações preventivas de Defesa Civil, tal como remoções preventivas de moradores em áreas de risco".
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A informação, que está sendo avaliada pelo promotor Adriano Andrade de Souza, faz parte do inquérito civil que revisa a implantação do Plano Municipal de Redução de Riscos de Santos. A Prefeitura pode ser acionada judicialmente por conta das falhas do plano.
"Não foi possível obter resultados satisfatórios de leituras de deslocamentos, bem como, estabelecer relações entre deslocamentos do terreno com outros parâmetros de caráter operacional para emissão de alertas de deslizamentos (chuva e umidade do solo) pela ETR", acrescentou Osvaldo Moraes ao promotor Adriano de Souza.
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COMO SERIA
Segundo a Prefeitura, a ETR foi instalada para cobrir um horizonte de 360 graus com alcance de até 2,5 quilômetros e conseguiria acompanhar, com maior precisão, a movimentação de terra no morro e suas encostas, considerados os pontos mais críticos, 24 horas por dia.
No entanto, para respaldar o Plano, a "ETR teve pouco efeito prático, pois não houve manutenção preventiva e calibração dos equipamentos", revela o CEMADEN, contrariando a Administração que informava que "a estação se comunicava com prismas instalados em alguns pontos do Morro e, se constatasse uma movimentação, o aviso seria emitido para o CEMADEN em São José dos Campos, cujos técnicos analisariam o caso e o repassariam à Defesa Civil de Santos".
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SÓ PROPAGANDA
Prefeitura de Santos propagou que a ETR era uma das mais modernas do Mundo. No entanto, em março deste ano, na tragédia ocorrida na região em função do temporal, a Defesa Civil foi surpreendida por mais de 120 chamados de deslizamentos.
Em 6 de março, em reportagem exclusiva, o Diário descobriu ainda que a mesma ETR estava há dois anos desativada. A situação foi constatada junto a vários funcionários. O temporal acabou ocasionando três mortes e os cinco desaparecidos em Santos, mas não no Morro do Marapé.
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Após descobrirem que se tratava de uma equipe do Diário, os funcionários pediram para não serem identificados por motivos óbvios, mas completaram a informação alertando que desconheciam a sala-base específica para a estação e que os técnicos, que faziam a manutenção do suposto receptor de dados sobre o prédio, há meses não apareciam para garantir o funcionamento do equipamento.
EQUIPAMENTOS
O CEMADEN confirmou à Promotoria que foram instalados, além da ETR, três prismas de referência e 99 de reflexão para monitoramento de deslocamentos dos terrenos. As operações - que não apresentaram resultado algum - ocorreram durante um ano, entre setembro de 2016 até setembro de 2017.
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Os sinais deveriam captar movimentação de terra. No entanto, dias antes da reportagem, um motorista de aplicativo e toda sua família - mulher, filha e neta - morador da Avenida Doutor Nilo Peçanha, 140 - quase perdeu seu imóvel após escorregamento de terra do Morro do Marapé, que destruiu de parte do muro de arrimo que protegia sua casa, construído pela própria Prefeitura.
PREFEITURA
Mesmo o equipamento sendo ineficaz, a Defesa Civil de Santos esclarece que, em nenhum momento de sua história, deixou de monitorar a situação dos morros da Cidade e que a ERT, mesmo que estivesse em funcionamento, não emitiria sinais relacionados a qualquer movimentação nos demais morros.
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"Em nenhum momento a ERT excluiu qualquer procedimento de rotina da Defesa Civil, como o acompanhamento dos índices pluviométricos, as vistorias e todas as demais ações previstas no Programa Preventivo de Defesa Civil (PPDC)", informa a nota.
A Prefeitura destaca que a Cidade segue sendo também monitorada tecnologicamente, por meio dos pluviômetros (sem custo ao Município), radares meteorológicos e estações geotécnicas (também sem custo ao Município). Santos é um dos poucos municípios do país a ter um meteorologista na Defesa Civil.
CEMADEN
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Em nota, o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN), por meio do seu Diretor Geral, Osvaldo Luiz de Leal Moraes, esclarece que o Sistema de Monitoramento de Encostas do Cemaden - que utiliza a Estação Total Robotizada (ETR) e prismas de reflexão - faz parte de um Projeto de Pesquisa Científica em caráter experimental e, como tal, depende fundamentalmente da instalação de equipamentos e sensores de monitoramento complementares (Estações Geotécnicas), além de tempo razoável para aquisição, processamento, análise e interpretação de dados, calibrações/ajustes dos sensores/equipamentos e validação final dos resultados obtidos (limiares ambientais operacionais).
O objetivo científico principal da ETR com os prismas de reflexão é detectar deslocamentos no terreno, enquanto que os sensores das Estações Geotécnicas monitoram em tempo real a chuva (intensidade e acumulados) e a quantidade de água de chuva que infiltra e fica armazenada no terreno (umidade do solo – em seis níveis de profundidade – 0.5 a 3.0m).
Em resumo, as ETR prestam-se a um Projeto de Pesquisa e, de fato, não são usados para monitoramento rotineiro operacional.
Importante ressaltar, neste momento, que os dados de deslocamentos da ETR podem ser úteis para obtenção dos limiares críticos operacionais (chuva e umidade do solo), pois em alguns casos permitem conhecer o exato momento da deflagração do deslizamento. A informação do exato momento da ruptura da encosta é imprescindível para diminuir as incertezas dos estudos de correlação e retro análises e, consequentemente, permitir o estabelecimento de limiares operacionais mais precisos e confiáveis.
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Por último, ressalte-se que o CEMADEN nunca deixou de monitorar qualquer área de risco a desastres no Brasil, incluindo aqui o Morro do Marapé. Esse monitoramento é feito ininterruptamente, 24 horas por dia, 7 dias por semana, com a sua rede operacional e por técnicos altamente qualificados.