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Santos

Morro do Itararé resiste à discriminação e ao preconceito

As cerca de 40 famílias lutam para obter respaldo público mínimo e ainda sofrem com a indiferença social

Carlos Ratton

Publicado em 01/12/2021 às 07:00

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Em carta, comunidade do Itararé apresenta luta. "Não queremos explorar a terra e tirar lucro dela, queremos morar de forma digna" / Nair Bueno/ DL

Imagine dormir e acordar todos os dias com a mesma sensação de que, de uma hora para outra, chegará a polícia e colocará todos os seus pertences para fora e depois colocar abaixo o único teto que você conseguiu na vida. Pois é assim que cerca de 40 famílias que ocupam o Morro do Itararé sobrevivem há anos. Três reintegrações de posse já foram expedidas e a comunidade resiste. O terreno é da Santa Casa de Misericórdia de Santos e a Defensoria Pública de São Paulo acompanha a situação.

Diferente do que o poder público propaga e a sociedade desatenta assimila, o movimento comunitário de ocupação do Morro do Itararé é formado por trabalhadores e trabalhadoras que sofrem preconceito, discriminação e, ainda, a acusação de serem bandidos, pois marginais, no sentido de estarem à margem da sociedade, já são.

A comunidade do Itararé não tem respaldo social do poder público e sequer apoio da vizinhança dos prédios que ficam do outro lado da linha do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT). A intenção constante, já barrada inúmeras vezes pela Justiça, é o despejo, mesmo que seja durante a maior pandemia mundial. A tensão é enorme.

Maria da Conceição Santa Rosa de Oliveira e sua filha Elisandra de Oliveira, que é deficiente física, são um exemplo da resistência da comunidade do Morro do Itararé. Ambas sobrevivem apenas com um benefício do governo. "Compramos tudo com esse dinheiro (R$ 1 mil). Remédio, fraldas descartáveis para ela, comida pra gente, enfim. O dinheiro não dá. Eu não posso trabalhar e deixar ela sozinha. Não recebemos ajuda".

Ana Clécia de Jesus trabalha com entregas e é outro exemplo de luta. "Já foi feito um cadastro a lápis, pessoas já vieram aqui prometendo mundos e fundos em termos habitacionais, e a gente continua aguardando assistência, quer social, quer de saúde. Tudo porque não temos endereço. Ambulância não sobe aqui e a lixeira, que colocamos no pé do morro, foi retirada por pressão dos moradores dos prédios", afirma.

A luta por moradia digna não é 'privilégio' da comunidade do Itararé, quesito em falta na Região Metropolitana da Baixada Santista. É sabido que apartamentos populares são raros quando existe uma Companhia de Habitação, a Cohab Santista, que "não coloca um tijolo" há anos e que, nas últimas três décadas, (1987 e 2017), só teve as contas consideradas regulares quatro vezes (1992/93/97 e 2007), segundo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).

Hugo de Souza Santos, que também trabalha com entregas por aplicativo, afirma que a comunidade faz o possível para garantir cidadania e um ambiente saudável. "Por conta própria, já nos mobilizamos para evitar deslizamentos, para ter água potável e esgoto. Mas nossos esforços não são reconhecidos e sequer apoiados".

Alex Alves Miranda está à frente da comunidade. Ele enfatiza que as famílias do Morro do Itararé são formadas por pedreiros, eletricistas, encanadores, pintores, lavadores de fachadas, ambulantes, entregadores de mercadorias e outros profissionais. "Eu sou técnico de informática. Aqui só mora lutadores e lutadoras".

Junto com sua esposa, responsável por um cadastro, ele garante que a comunidade, aos poucos, provou aos responsáveis pela Segurança Pública que a luta é legítima.

"Apesar de alegarem que aqui é uma área de preservação, já inúmeras vezes tentaram construir. O cadastro social foi engavetado e não existe política de habitação. Somos 150 pessoas sem uma cesta básica, sem remédios, ninguém nos apoia. Luz e água são clandestinas, apesar de já termos requerido regularização desses serviços. O esgoto vai para fossas feitas pela comunidade", afirma Miranda.

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NEM O SAMU.

O munícipe Luiz Antônio Barbosa, que abraçou a causa dos moradores, revela uma situação desumana. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) é instruído a não atender os moradores do Morro do Itararé. "Um rapaz de paraglider caiu e o SAMU o atendeu, mas não atende chamadas dos moradores", afirma.

O documentarista Ailton Martins, que há tempos acompanha a situação da comunidade do Morro do Itararé, afirma que não falta à Baixada políticos e pessoas que dizem defender o direito à cidade, o direito dos animais e do meio ambiente. "No entanto, diante de uma realidade objetiva, preferem esconder-se atrás da Lei Ambiental, ou defender a propriedade privada em detrimento de direitos essenciais, revelando uma posição preconceituosa e segregacionista".

Martins ressalta que as políticas de habitação e de assistência social não fazem distinção com relação à origem das pessoas. "Mas, infelizmente, a configuração das grandes cidades brasileiras é excludente, considerando que sempre marginalizou grupos sociais desfavorecidos. O que essas pessoas que ocuparam o Morro do Itararé nos faz lembrar são os cem anos de constituição das favelas, que surgiram da mesma forma, ou seja, fruto da desigualdade social e de uma política tacanha que somente enxerga aquilo que é a sua imagem e semelhança, logo, defesa de seus privilégios".

CARTA.

Numa carta online, a comunidade do Itararé apresenta sua luta. "Não queremos explorar a terra e tirar lucro dela, queremos apenas morar de forma digna como qualquer cidadão deseja e tem direito. Não queremos causar prejuízo à Santa Casa de Santos - proprietária da terra - ou ao meio ambiente. Queremos apenas que os nossos direitos sejam respeitados e que possamos encontrar uma forma justa, pacífica, sustentável e satisfatória para todos".

E continuam: "não somos os primeiros a ocupar essa área, existe diversos imóveis construídos, alguns até luxuosos. Pessoas ricas que sequer moram neles, utilizando-os apenas para lazer ou exploração. A lei ambiental só vale contra os pobres que não têm sequer onde morar. Ocupação de rico não é crime ambiental, não degrada o meio ambiente? É preciso que haja honestidade e coerência quando se fala em direitos e justiça, ou a lei vale pra todos ou não é lei, é privilégio. E se morar for um privilégio, ocupar é um direito!".

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