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Santos

Estátua de Iemanjá 'mofa' no Municipal

Pressão impede sua instalação na Orla da Praia

Carlos Ratton

Publicado em 19/07/2020 às 08:52

Atualizado em 19/07/2020 às 10:17

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A Imagem de Iemanjá, fornecida pelo escultor, está escondida no Teatro, enquanto pedestal está há cinco meses na orla aguardando. / NAIR BUENO/DIÁRIO DO LITORAL

A intolerância religiosa santista, a falta de iniciativa da prefeitura (que inclusive não permite sua visualização) e um trâmite legislativo desnecessário "condenou" a estátua de Iemanjá, criada pelo artista plástico Luiz Garcia Jorge, ao esquecimento. A peça está escondida em um canto, no Teatro Municipal, onde fica também a Secretaria de Cultura (Secult) de Santos. A Reportagem foi impedida de fotografá-la na última sexta-feira (17), mas a imagem foi obtida junto ao artista.

A sereia negra, representando o orixá, seria instalada na orla em 2 de fevereiro passado - Dia da Rainha do Mar - quando da 20ª procissão que ocorreu na Ponta da Praia. No entanto, Luiz Garcia e as cerca de oito mil pessoas que compareceram ao evento estão até hoje frustradas, pois a estátua sequer foi instalada. Só o pedestal de concreto vazio se encontra na Praça Vereador Luiz La Scala, próxima ao Canal 6.

Informações extraoficiais dão conta que a pressão para impedir a instalação aumenta próxima da Festa de Iemanjá, quando o endereço eletrônico da Secult é "bombardeado" de mensagem intolerantes.

Meses atrás, a possibilidade da estátua perto do Aquário gerou um abaixo-assinado online contra a iniciativa. Na petição de mais de oito mil assinaturas, o autor diz que a orla "por ser tombada e patrimônio histórico, não deveria ser usada para fins religiosos quaisquer, ainda mais com dinheiro público".

O autor, no entanto, não mostrou a mesma postura intolerante em nem iniciou petição para a retirada da estátua de Santo Antônio, em frente à Igreja do Embaré, nem à de José de Anchieta ao lado de um índio e uma onça, na Praça do Aquário, ambas na orla, mas em homenagem a religiosos católicos. Também não se incomoda com a estátua do surfista, em frente ao Posto 2, entre tantas outras.

Uma igreja evangélica conhecida na Cidade chegou a fazer uma postagem nas redes, alegando que "quando simplesmente se faz uma obra que não vai oferecer absolutamente nada para a sociedade e caracteriza preferência por alguma religião específica, o setor público não deve se envolver". A igreja, no entanto, não reclama, por exemplo, do envolvimento do poder público em movimentos como Marcha para Jesus, em que agentes de trânsito - funcionários pagos por todos os contribuintes, inclusive ateus - são obrigados a gerenciar o trânsito nas cidades em que elas acontecem.

PAI MARCELO

Santos é umas das únicas cidades que ainda não tem a imagem de Iemanjá. Ela seria também para representar o movimento negro, o empoderamento feminino, a religião de origem africana. O projeto da instalação da estátua é do babalorixá Pai Marcelo de Logunedé. Ele conseguiu a petição das pessoas para colocarem a estátua. A estátua é fruto de investimento privado e não público.

Coordenador da Procissão de Iemanjá de Santos e todo o Estado, Pai Marcelo lembra que a procissão é, além de tudo, um grande evento cultural e turístico-religioso. A estátua, segundo ele, foge das demais vistas em todo o Brasil. "Ela é totalmente afro, respeitando os dogmas da religião e a mitologia africana. Uma Iemanjá negra, de cabelos black, corpo e rabo de sereia. Ela é o resultado de 20 anos de luta de oito mil pessoas e uma homenagem às mulheres por intermédio da saudosa Graciana Miguel Fernandes, ex-vereadora santista que trouxe a Festa de Iemanjá, anos atrás", afirma.

Vice-presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Santos e representante da cadeira de Matriz Africana do mesmo conselho, o babalorixá explica ainda que a Cidade precisa ter um marco da procissão, que gera economia positiva para o Município.

"Tenho esperança que nossos governantes vão se sensibilizar e a vanguarda do negro será respeitada. Conseguiremos resgatar a importância do povo afrodescendente e sua cultura", finaliza.

Luiz Garcia Jorge, autor de tantas outras estátuas expostas na Baixada, não esconde a frustração. "Aprendi muito com esse trabalho, muito rico em termos culturais. Mas tenho esperança que logo a veremos no pedestal já montado para abrigá-la".

NA CÂMARA

A questão chegou a tramitar na Câmara de Santos, em fevereiro, pelas mãos do ex-vereador Jorge Vieira da Silva Filho, o Carabina (PSDB), mas nem precisava. Segundo parecer da Procuradoria do Legislativo, o Executivo (prefeito Paulo Alexandre Barbosa - PSDB) "não necessita da autorização prévia para a prática de atos de administração, cuja iniciativa já é de sua competência privativa". Ou seja, há cinco meses que a instalação da estátua aguarda uma "canetada" do prefeito e, no entanto, a Prefeitura insiste em mantê-la escondida no Teatro Municipal, contribuindo com a intolerância.

SABIA

Mesmo sabendo do parecer da Câmara desde 19 de fevereiro quando ele foi expedido, a Prefeitura insiste em dizer aos adeptos à religião afro, há exatos cinco meses, que de acordo com o artigo 246 da Lei Orgânica do Município, os jardins da praia e a plataforma do Emissário Submarino são considerados patrimônio inalienável da coletividade, cujas modificações que visem a alterar suas características, composição estética e utilização só poderão ser efetuadas após autorização da Câmara.

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